Chegou o Natal às Caraíbas

A última semana foi de suspense relativamente à rosca que encomendámos a um torneiro mecânico, essencial para que possamos reparar o estai de proa que – recorde-se – partiu na última viagem. Chegou com vários dias de atraso, para além de não servir. Apesar de ter sido reproduzida a partir da rosca original, parece ter uma pequeníssima diferença e não encaixa totalmente. Tentei enroscá-la mais do que uma vez, sendo que acabei por deformá-la. O material é menos resistente em comparação com a peça antiga. O parafuso precisa de enroscar, pelo menos, um centímetro e não entra nem um terço. O torneiro mecânico ficou de vir a bordo ver qual é o problema. Espero que resolva mais este contratempo, para que tudo volte a funcionar como inicialmente. Não irei forçar a solução porque esta é uma área em que não pode haver atalhos. Trata-se de uma parte essencial do veleiro, pelo que não vale a pena inventar soluções de recurso. Especialmente agora que temos tempo; já não temos de chegar ao Panamá a tempo de receber a NaE. Aliás, não fomos os únicos a mudar de planos: os amigos do Gentileza, que tinham voo da Cidade do Panamá para o Brasil, a 10 de Dezembro, também tiveram de alterar os planos e voar a partir de Curacao. Não é que nos sirva de consolo, mas faz-nos sentir mais “normais”. Afinal não somos os únicos a ter problemas.

Passámos a semana a limpar o veleiro, especialmente o interior. Tem chovido muito, o que tem permitido armazenar alguma água nos jerricans (ver foto), que iremos usar para lavar a roupa que se tem vindo a acumular, pois o convés está atravancado com o enrolador e a vela. Se a situação se arrastar por mais uns dias, tenho mesmo que meter a mão… na roupa!

Entretanto, montámos uma pequena rede na cobertura do poço, entre dois tubos da estrutura. Há muito que tinha pensado numa rede que servisse para guardar alguns itens que andam sempre soltos no poço, especialmente quando estamos ancorados. Neste momento está suportar as três tábuas da porta do veleiro. Foi feita com a preciosa ajuda da Maria que, de dia para dia, se mostra cada vez mais útil a bordo, apesar de ainda não ter três anos. Desde a montagem da rede até limpar o pó dos armários, a pequena Maria vai-se envolvendo em tudo um pouco e não gosta quando é deixada de lado.

Com o seu entusiasmo, por vezes, extrapola as necessidades das tarefas a realizar, acabando por ser mais um atraso do que uma ajuda. Por isso, tento executar alguns trabalhos quando dorme à tarde ou à noite. Quando descobre que algo foi feito sem que tenha sido requisitada fica indignada. Recentemente tive de concertar uma das canas de pesca, que tinha três anéis partidos há já algum tempo. Ela, que tinha ido à loja comigo para comprar o material (uma das grandes vantagens desta nossa vida é ter a nossa filha, literalmente, 24 horas connosco, partilhando tudo o que fazemos), ficou toda entusiasmada para arranjar a cana de pesca. Como a substituição dos anéis implica o uso de lâminas, produtos químicos, colas tóxicas, entre outros produtos e ferramentas, além de muita paciência, decidi fazê-lo à noite quando ela já dormia. No dia seguinte, quando acordou e deparou com a cana no poço do veleiro – onde ficou a secar durante a noite – chegou mesmo a chorar por eu não a ter deixado ajudar. Em retaliação, recusou-se a comer o pequeno-almoço. Consegui persuadi-la com a promessa de outra tarefa.

Como já estamos em Dezembro, esta semana também fizemos a árvore de Natal. Outra tarefa em que a Maria participou, o que permitiu conclui-la mais rapidamente. Dei-lhe a missão de procurar e desempacotar a árvore e as decorações, que estavam guardadas no paiol de popa, debaixo da cama de casal. A mim coube encontrar uma forma de segurar a pequena árvore, para que não tombe com o adornar do veleiro; instalar os ornamentos eléctricos e colar as decorações de Natal nas paredes.

No ano passado a Maria “viveu” o Natal pela primeira vez (o primeiro Natal passou-o ainda em Macau com apenas um ano de idade) e teve a oportunidade de ver o Pai Natal, ao vivo, em Nova Iorque. A sua primeira experiência não foi muito bem sucedida, pois assustou-se com o senhor de barba branca. Era muito pequenina, ainda não tinha dois anos. Agora, um pouquito mais crescida, já se mostra mais interessada no Natal e no Pai Natal sempre que vê as decorações nas lojas.

Tenho a confessar que o Natal nas Caraíbas não sabe ao mesmo. Para mim Natal sem frio não é bem Natal – eu que fui habituado ao frio da Gândara, em Portugal. Daqui a um ano devemos estar na África do Sul, visto ser esta a época do ano ideal para dobrar o Cabo da Boa Esperança.

JOÃO SANTOS GOMES

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