Uma história de evangelização, doação e serviço
Ao saber da passagem da irmã Miriam por Macau, a que se deslocou propositadamente de Moçambique, onde reside há seis anos, para as celebrações da sua congregação religiosa, O CLARIM foi ao seu encontro na conhecida Livraria São Paulo, na Travessa do Bispo. A irmã Miriam chegou pela primeira vez ao território, em 1992, onde permaneceu catorze anos. Já sob a administração da RAEM, em 2006 rumou a outras missões. Hoje, apesar dos seus 82 anos, fomos encontrar uma irmã cheia de vitalidade, sorridente e que irradia a presença de Deus.
Na conversa com O CLARIM, a irmã Miriam começou por explicar que as Irmãs Paulinas chegaram a Macau em 1969, pelas mãos do bispo D. Paulo José Tavares, pastor da Diocese entre os anos de 1961 e 1973. Recordou o sentimento do bispo, que «sentiu que a presença das Irmãs Paulinas, através dos Meios de Comunicação Social, seria uma boa forma de anunciar Jesus Cristo à comunidade».
Segundo a irmã Miriam, primeiro vieram uma irmã italiana e uma irmã filipina, mas por não conhecerem nem a língua chinesa nem a língua portuguesa sentiram dificuldades. Passado pouco tempo, «fez-se um apelo e vieram duas irmãs brasileiras. Depois sentiu-se necessidade de mais uma irmã e veio então uma irmã portuguesa».
Quando chegaram ao território «havia uma loja da Diocese de artigos religiosos, mas muito modesta, situada na Praia Grande». O sentimento das Irmãs Paulinas, no início da sua missão, foi trabalhar no sentido de ir ao encontro da comunidade portuguesa. Para tal, encomendaram livros do Brasil e de Portugal, lembrou a irmã Miriam. Pediram também à revistaFamília Cristã, projecto da Família Paulina. No total trata-se se cinco congregações religiosas, quatro institutos religiosos e uma associação de leigos, realçou a irmã Miriam, acrescentando: «A isto o fundador chamou de Família Paulina; e nós sentimos que somos uma família, nós – irmãs – não estamos sozinhas, temos o mesmo espírito, o anúncio do Evangelho».
Com a iniciativa das irmãs em reunirem diferentes publicações foi assumido o desejo de criar uma livraria. Entretanto, chegou uma irmã japonesa que falava Italiano com o intuito de prestar apoio. «As irmãs começaram a visitar departamentos do Governo e escolas, no sentido de ir ao encontro das necessidades da comunidade e ao mesmo tempo levarem a Boa Nova», sublinhou. De acordo com a irmã Miriam, a preocupação das Irmãs Paulinas, para além do anúncio do Evangelho, é também promover a Cultura: «As irmãs naquele tempo visitavam escolas, passavam pequenos filmes e dialogavam com as crianças. No início visitavam as escolas portuguesas, mas há medida que foram aprendendo Chinês também se inseriram nas escolas chinesas. Sempre com muita modéstia, porque eram poucas as irmãs».
Neste contexto, a irmã Miriam recordou que em meados dos anos setenta veio para Macau uma irmã italiana «muito capacitada», tendo-lhe o bispo confiado um trabalho nos Meios de Comunicação Social da Diocese. A irmã Maria Pia Cantieri, sendo «muito criativa, começou logo a entender que nesta terra era importante haver bons filmes. Conseguiu então que o bispo lhe cedesse um espaço onde é hoje o Cineteatro. Começou por uma pequena sala». Deste modo, por meio de uma filha de São Paulo – «obra da Diocese», ressalvou a irmã Miriam – nascia aos poucos o que é hoje o Cineteatro de Macau. A irmã Maria Pia é para todos os efeitos considerada a fundadora do Centro Diocesano dos Meios de Comunicação Social (CDMCS). «O edifício era um ginásio da Escola Santa Rosa de Lima, que aos poucos foi transformado com uma pequena sala de projecção, dando também lugar a uma creche da qual as Irmãs Paulinas tomavam conta», referiu.
«Mais tarde a irmã Maria Pia teve o apoio de um seminarista português que veio para Macau fazer a sua formação. Ele criou um programa de rádio chamado “Shalom”, com a duração de trinta minutos, que era transmitido de manhã e de tarde. A irmã Maria Pia conseguiu depois que se fizesse também o programa em Chinês». Aos poucos, a irmã Maria Pia foi produzindo pequenos filmes para televisão, mais direccionados para a televisão chinesa. A irmã Miriam realçou que tudo era feito «dentro da capacidade das pessoas que davam apoio à irmã, sempre com o objectivo de anunciar Jesus Cristo». Mais tarde a irmã Maria Pia «entusiasmou-se no apoio aos leprosos da China».
Ainda de acordo com a irmã Miriam, a irmã Maria Pia «também organizava muitos concursos de música e desenho, nomeadamente com as escolas, e premiavam os jovens. Ela tinha uma grande capacidade em conseguir apoio internacional».
Desde a sua chegada a Macau, a irmã Miriam conviveu com a irmã Maria Pia: «Fui ganhando amor pela terra e pela comunidade com um grande desejo de anunciar Jesus Cristo». Curiosamente, sentiu facilidade na sua adaptação a Macau, por já ter vivido anteriormente dez anos em Portugal. «Aqui senti-me sempre dentro do ambiente português».
Aos poucos foi tomando conta da Livraria São Paulo. Na época, foi ao seu encontro o director da Faculdade de Direito. Este pediu-lhe ajuda dado que tinha muitos alunos chineses que queriam fazer o curso de Direito em Português, mas não conheciam as editoras e precisavam de encomendar livros. A irmã respondeu: «Eu de Direito, não entendo nada! O senhor vai-me orientar». Foi então que se começaram a pedir livros às editores. «Pensava eu que os livros eram para a Faculdade, para os alunos; mas entretanto os advogados começaram a frequentar a livraria e a perguntar se tínhamos este ou aquele livro». Os livros de Direito estavam colocados em prateleiras, junto de outras onde se encontravam as bíblias; alguns advogados, que primeiramente se deslocavam à livraria para adquirirem livros de Direito, com o tempo iam-se mostrando interessados na Bíblia e noutras publicações religiosas. Daí que pedissem ajuda à irmã Miriam. Alguns advogados – e até juízes – que diziam não ter a Bíblia, perguntavam-lhe qual deveriam comprar. Passado algum tempo, também algumas destas pessoas dirigiam-se à irmã, pois havia sempre um filho que precisava de frequentar a catequese e queriam saber informações.
A irmã Miriam guarda muitas lembranças no seu coração. Certo dia, uma juíza que frequentava a livraria, disse-lhe: «Irmã, eu tenho que lhe confessar: se não venho aqui uma vez por semana – há de reparar que venho sempre à quinta ou sexta-feira – não passo bem o fim-de-semana. Quando venho aqui, a vossa música, o sorriso das irmãs, a vossa casa, dá-me um bem-estar que me faz muito bem, e se estende ao fim de semana».
A livraria tornou-se num “centro” de evangelização, de cultura e de serviço à comunidade. Muitas pessoas dirigiam-se à irmã Miriam e colocavam-lhe questões, muitas vezes do foro íntimo e familiar. «Eu escutava as pessoas em privado, e para além de um aconselhamento dava-lhes algumas sugestões de leitura, procurando na livraria um livro que pudesse ser-lhes útil – espiritual ou de psicologia, dependente do caso», revelou, dando como exemplo «uma senhora, professora do liceu, que voltou à vivência da fé por livros que nós aconselhávamos».
A irmã desvendou também como surgiu o grupo de escuteiros portugueses católicos, o GELMac: «Havia muita juventude, mas não tínhamos um movimento católico para além da catequese. Pediram para formar o escutismo católico e necessitavam de apoio espiritual, o que também faz parte da Organização». Depois de falarem com o bispo, este sugeriu a irmã Miriam.
As Irmãs Paulinas davam apoio à catequese, à formação dos jovens de diversos grupos e idades, e à formação dos catequistas. Contudo, a Livraria São Paulo foi sempre o ponto central, dinamizador do serviço e apoio à comunidade. Era pois «um centro ecuménico, pois não entram só católicos na livraria(…) vinham pastores anglicanos, metodistas…». Um dia, um desses pastores, português, procurava a Bíblia de Jerusalém; a irmã Miriam acabou por lhe oferecer a sua: «Fiz esse desprendimento; este senhor tem fé e confiança. Aqui o sentido é ecuménico. Ele acreditava em Jesus, ele acredita na Palavra de Deus e quer conhecer. Ficou muito agradecido!».
No passado dia 22 de Junho, durante o seu testemunho na Sé Catedral, igreja onde as Irmãs Paulinas centraram as celebrações dos cinquenta anos das Filhas de São Paulo em Macau, a irmã Mariam falou aos fiéis sobre a missão das irmãs não só no território, mas sobretudo na sua espiritualidade universal, no modo como interagem com as comunidades em que prestem serviço, levando o Evangelho e a comunhão dos valores paulinos e da congregação.
Hoje, na Ásia e na Oceânia, as Irmãs Paulinas estão presentes na Austrália, Coreia do Sul, Filipinas, Japão, Índia, Malásia, Paquistão, Papua-Nova Guiné, Singapura, Taiwan, Tailândia, Hong Kong e Macau.
O CORAÇÃO DA ESPIRITUALIDADE PAULINA
O coração da espiritualidade paulina é Jesus Cristo – Mestre, Caminho, Verdade e Vida. Vivendo Nele, comunicam com paixão o Seu Evangelho. Uma espiritualidade plena, total, que conduz toda a pessoa a Deus: mente, vontade, coração, corpo e força física.
A meta é a mesma do apóstolo Paulo: “Não sou mais eu que vivo; é Cristo que vive em mim”. Para tal, buscam luz e sustento na Palavra de Deus e na Eucaristia. A oração diária e a comunhão fraterna são os recursos onde extraem força para o multiforme apostolado, a fim de discernirem os sinais dos tempos e responder às necessidades da Igreja e do mundo.
Com o exemplo de Maria, venerada como Rainha dos Apóstolos e de todos os apostolados, levam, com solicitude, Jesus a toda a Humanidade para comunicarem a Verdade que salva, o Caminho que leva ao Pai e a Vida da graça.
BREVE HISTÓRIA DAS FILHAS DE SÃO PAULO
Começando pelo nome, são conhecidas como Irmãs Paulinas, mas o nome da congregação é Filhas de São Paulo. Com este nome trazem a herança do grande apóstolo e missionário São Paulo. A história das Filhas de São Paulo teve início há mais de cem anos, na cidade de Alba, em Itália, quando um jovem seminarista chamado Tiago Alberione, na passagem do século XIX para o século XX, sentiu o apelo de Deus para se preparar e fazer algo pelas pessoas do novo século com as quais viveria.
Atento às necessidades da Igreja e da sociedade do início do século XX, com o desejo de corresponder aos apelos de Deus, em 1907 é ordenado sacerdote. Em 1914, após longos anos de discernimento, iniciou o projecto de dar à Igreja um novo modo de anunciar Jesus Cristo com os novos Meios de Comunicação Social. A 20 de Agosto de 1914 inicia a Família Paulina com a fundação da congregação dos Padres e Irmãos Paulinos. No dia 15 de Junho de 1915, inicia a congregação das Filhas de São Paulo, que hoje são mais conhecidas como Irmãs Paulinas. Contou com a colaboração fiel de uma jovem costureira, Teresa Merlo, que acreditou no projecto de uma nova congregação com a missão de levar a todos a Palavra de Jesus, usando os Meios de Comunicação Social. Teresa, que depois recebeu o nome de Tecla, e outras jovens corajosas, ousaram dizer sim a esse audacioso projecto que, aos poucos, foi crescendo e expandindo-se.
Miguel Augusto
com Filhas de São Paulo