A radiância do gótico gaulês
Toda a estrutura é imponente e não deixa ninguém indiferente, mesmo que seja apreciada de longe e apenas de passagem.
Embora não domine, no sentido de ocupar totalmente a zona onde está inserido – até porque se trata de uma área antiga da cidade –, é de longe o edifício que mais sobressai na envolvente urbana, sendo que dificilmente não é notado, mesmo pelo viajante mais apressado.
É verdade, caro leitor, à terceira vez que passámos por Metz não resistimos e fomos visitar a sua catedral, oficialmente baptizada como Catedral de Santo Estêvão (em Francês é mais conhecida como Catedral de Saint-Étienne de Metz). Metz é a capital da região da Lorraine (Lorena, em Português).
Sendo o assento dos bispos de Metz há vários séculos, não é de estranhar que o seu espólio seja de especial importância e contemple todo o tipo de paramentos e parafernália ligados à Eucaristia e à Arte Sacra. São, efectivamente, mais de mil anos de história num só local, e com tudo em excelente estado de conservação.
A “Lanterna de Deus”, como é apelidada por ser a catedral no mundo com as mais altas naves, está ornamentada com quase seis mil e 500 metros quadrados de vitrais. Garantimos que se trata-se de algo realmente impressionante.
No entanto, o que nos chamou mais a atenção foi o vitral que conta a história de São Paulo. Encontra-se na ala mais a sul da catedral, data do Século XIII, e é o mais antigo de todo o edifício – uma peça de arte que merece largos minutos de contemplação, especialmente ao final do dia quando a luz começa a escassear e as tonalidades do exterior influenciam, de forma exuberante, o que se vê no interior.
Outro dos grandes exemplares desta arte muito usual em igrejas de estilo gótico pode ser observado na ala oeste: a janela rosa, com mais de onze metros de diâmetro e uma palete de cores impressionante. A autoria é do artesão Hermann von Münster, nascido na Alemanha, mais concretamente em Vestefália, e que deixou muita obra feita na zona da Lorraine.
Para além de Hermann von Münster, a Catedral de Saint-Étienne de Metz conta também com trabalhos de outros grandes mestres do Gótico e da Renascença, entre eles Théobald de Lixheim e Valentin Bousch. Os estilos mais recentes têm a assinatura de Charles-Laurent Maréchal (Romântico), Roger Bissière (Tachismo) e Jacques Villon (Cubismo). Em 1960, Marc Chagall, mestre do Modernismo, adicionou o mais recente vitral que ornamenta a catedral, não destoando dos demais.
A construção do edifício começou em 1220, dentro das paredes de uma antiga basílica otoniana do Século X. Os trabalhos só viriam a terminar três séculos depois; foi consagrada a 11 de Abril de 1552.
Como quase sempre aconteceu ao longo da história das grandes construções humanas, no Século XIX a catedral ficou praticamente destruída devido a um incêndio, que neste caso teve origem num desastroso espectáculo pirotécnico. O incidente levou a que as autoridades decidissem reconstruí-la em estilo Neogótico, muito em voga na época. Entre 1898 e 1903 procedeu-se à reconstrução de toda a fachada oeste.
A nossa deambulação pela Lorraine jamais poderia ter excluído Metz, uma vez que ainda não conhecíamos esta cidade francesa. Sem recorrer a qualquer autoestrada, completámos quatro mil e 600 quilómetros em onze dias.
A paragem em Metz deu-se já na rota de regresso a Portugal, depois de termos estado na Bélgica e no Luxemburgo – países que começam a ser habituais nas nossas viagens pelo Velho Continente.
Depois da capital do departamento de Moselle, seguimos viagem, sempre por estradas nacionais e secundárias, rumo a Champagne-Ardenne, Bourgogne, Rhône-Alpes, Auvergne e Midi-Pyrénées. Nos Pirenéus acabámos por cumprir uma paragem mais prolongada do que havíamos previsto. Dentro de dias partilharemos mais esta experiência com os leitores d’O CLARIM.
Nas viagens por França, fora dos grandes centros urbanos, as terras férteis e carregadas de história sempre me atraíram. Felizmente, o mesmo sentimento têm as pessoas que me acompanham nestas “aventuras”: a NaE e a Maria. A língua francesa não é uma barreira dado que sempre foi uma constante nas nossas vidas, bem como a paixão pela História e por descobrir pequenos detalhes, muitas vezes imperceptíveis. Como optamos por viajar em autocaravana, temos a liberdade de decidir os horários e itinerários, sem quaisquer condicionantes. Vamos para onde queremos, paramos sempre que nos interessa ver alguma coisa, e comemos o que nos apetece. Muitas vezes frequentamos pequenos restaurantes – perdidos no meio dos campos – e acordamos ao som dos chocalhos das vacas a pastar.
De manhã compramos pão acabado de fazer, tomamos o pequeno-almoço no aconchego da nossa “vivenda com rodas” e apreciamos a natureza e a arquitectura das casas. Se antes do almoço ou ao final da tarde vamos a alguma localidade, gostamos de falar com os seus habitantes, uma forma de ouvir histórias que só eles sabem contar e ficar a conhecer melhor as tradições das diferentes regiões.
João Santos Gomes