Nacionalismo, Gótico e Chocolate Português

CATEDRAL DE BAIONA, NO PAÍS BASCO FRANCÊS, É O EX-LIBRISDA CIDADE FRONTEIRIÇA

Nacionalismo, Gótico e Chocolate Português

Quem disse que viajar era a melhor forma de uma pessoa se tornar mais culta e cosmopolita, certamente tinha alguma razão. Nós, que nos consideramos pouco viajados, acreditamos que aprendemos algo novo em cada viagem e isso faz-nos entender as diferenças culturais, e aceitá-las de coração aberto.

Numa passagem por Baiona, no regresso da viagem que fizemos recentemente pela Europa, verificámos que esta é uma cidade cheia de pormenores encantadores e locais dignos de uma visita atenta durante vários dias. À semelhança de milhares e milhares de viajantes, decidimos parar em Baiona porque está bem localizada em termos geográficos e há sempre aquele efeito psicológico de pensar que se toda a gente ali estaciona, por que razão não haveríamos também de o fazer!?

Do muito que caracteriza Baiona e sobre o qual aprendemos nesta fugaz passagem, houve um pormenor que nos causou estranheza – inquietude, até.

Numa loja de produtos nacionalistas em que entrámos para comprar uma “bereta” (boina) para a Maria – quis insistentemente uma vermelha com dizeres bordados a verde (Euskal Herria) e uma bandeira com tons verdes e vermelhos. Lá saberá ela um dia que os tais dizeres significam “País Basco”, que juntamente com a bandeira carregam o forte cunho nacionalista de uma região orgulhosa das suas raízes – ficámos a saber pela dona do estabelecimento que Baiona é a capital do chocolate em França graças aos portugueses.

Aliás, a presença portuguesa em Baiona remonta a vários séculos, sendo que a comunidade lusa continua bem activa em todos os sectores da sociedade, explicou-nos a senhora de nacionalidade francesa, revelando orgulho por contar com muitos “portugueses bascos” entre os seus amigos.

Com o orgulho nacional em alta e uma enorme curiosidade em saber como é que os portugueses foram responsáveis por esta ligação de Baiona ao chocolate, fomos procurando saber pormenores desta história. Pois bem: foram os exilados da Inquisição, no Século XVII, principalmente os judeus portugueses (faria mais sentido terem sido os espanhóis dado que nessa época o monopólio do cacau das Américas não estava com os portugueses, mas sim na mão dos nossos vizinhos ibéricos), que fizeram de Baiona a primeira cidade europeia a fabricar chocolate, tal como o conhecemos ainda hoje. Os judeus portugueses (e também espanhóis) instalaram-se na margem direita do Rio Adour, numa zona conhecida como Santo Espírito, e a partir dali desenvolveram a sua actividade.

Admitimos que depois da deliciosa conversa com a nossa interlocutora só faltou mesmo provar o famoso chocolate quente. Acontece que apesar estarmos no fim do Verão e a chover, a temperatura rondava os trinta graus; calor que não convida a bebidas quentes. Ficará para outra altura, de preferência aquando de um regresso à Europa no Inverno.

Continuando o nosso percurso, da loja nacionalista seguimos, debaixo dos beirais, para uma visita à catedral da cidade.

A Catedral de Santa Maria foi edificada, em estilo gótico, com recurso a pedra branca e vermelha que havia servido para construir uma outra catedral – esta em estilo romântico – destruída por um incêndio em 1258. Está localizada em pleno coração do centro histórico (a zona nobre da cidade), numa pequena elevação e na embocadura dos rios Adour e Nive.

Neste esplêndido exemplar de arte religiosa podem ver-se as relíquias de São Leão de Baiona, Bispo do Século IX, responsável pela evangelização do País Basco. A catedral está inscrita na Lista de Património da UNESCO desde 1998, integrando o Caminho Francês dos Caminhos de Santiago de Compostela.

A construção do edifício arrastou-se por vários séculos, desde 1240 (parece ser o ano mais consensual para o início da sua construção) até ao Século XIX, quando os corucheús de 85 metros de altura foram erigidos, dando-lhe a identidade que hoje ostenta e que a torna inconfundível. As capelas no interior da catedral foram decoradas com pinturas de Steinheil, num estilo muito característico do Século XIV, e os vitrais foram inspirados nos da Catedral de Chartres, tida como a obra máxima do Gótico Francês. Mesmo o turista mais distraído facilmente se apercebe da capacidade criativa destes grandes mestres.

As pinturas das suas cúpulas e paredes, em conjugação com a luz que entra filtrada pelos vitrais, faz qualquer um viajar para o mundo do sobrenatural em que tudo é paz e harmonia. É o Gótico Francês no seu maior esplendor e magnificência, o que merece, certamente, bem mais do que apenas um dia de visita.

A nossa estadia foi curta e feita a passos largos, pois com uma criança, apesar de todas as alegrias que nos traz, não é fácil parar o tempo suficiente para absorver tudo o que estes locais têm para oferecer.

No percurso de regresso, aquando da saída do centro histórico, houve ainda tempo para comer alguma coisa em dois restaurantes. O primeiro, de tapas; o segundo, de ostras. Um jantar a dois tempos que veio completar um dia cheio de emoções e de novos conhecimentos.

João Santos Gomes

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