Entroncamento rima com esquecimento
Numa das zonas onde fazemos mais entregas ao domicílio, mais precisamente a Esgueira, existe uma pequena capela, localizada num entroncamento, que de dia ou de noite salta sempre à vista de quem por ali passa.
Esgueira, que até há bem pouco tempo era uma zona periférica da cidade de Aveiro, é hoje parte integrante da urbe, em resultado do crescimento que se tem registado, fazendo mesmo com que muitos pensem que é um bairro de Aveiro. No entanto, Esgueira é uma vila, sede de Freguesia, que pertence ao Concelho de Aveiro.
A vila é um tanto caótica no que respeita à organização das suas ruas e ruelas, especialmente na parte mais antiga, fruto do crescimento desregulado, à qual foi dada pouca atenção até muito recentemente. Daí o actual emaranhado de ruas, travessas e outros acessos que lhe dão características próprias, como algumas “pérolas” que merecem ser apreciadas. A Capela de Nossa Senhora do Álamo, situada no entroncamento das ruas de Nossa Senhora do Álamo e de Américo Ramalho, num local conhecido como Lugar de Paço, é disso exemplo.
Para quem bem conhece esta área e as suas edificações religiosas, rapidamente descobre parecenças com a igreja matriz, localizada mais no centro da vila. A fachada em azulejo sevilhano é o aspecto mais similar. Embora a frente tenha um tamanho mais reduzido do que a igreja matriz (também conhecida como igreja de Santo André), parece ter sido desenhada pela mesma pena.
A capela do Álamo tem como data de construção – segundo uma gravação muito pouco visível numa pedra calcária – o ano de 1668 (este último número quase não se consegue ler; apenas adivinhar!), enquanto que a igreja de Santo André tem como data oficial de abertura o ano de 1650, de acordo com uma inscrição na sua porta principal. Logo, podem ter sido construídas pelos mesmos artesões, mas infelizmente não há quaisquer registos que o prove. Contudo, as parecenças levam muitos investigadores a apontar nessa direcção.
No interior do pequeno templo a capela-mor tem rodapé formado por azulejos sevilhanos e em relevo do Século XVI, com dois padrões, em moldura octogonal e em forma de estrela, decorados em redor com motivos de folhas e verduras. Os degraus da capela, em pedra calcária, é onde se pode ler a tal inscrição quase ilegível, que poderá indicar o possível ano da construção da mesma: 1668(?). Inacreditavelmente, estes degraus continuam a ser pisados diariamente, pelo que urge a Diocese criar soluções com vista a proteger esta parte do património, que a continuar assim rapidamente irá desaparecer.
Curiosamente, a capela é praticamente desconhecida dos moradores. O acelerado crescimento em seu redor, que fez com que os antigos moradores se mudassem para outras paragens, deu lugar a novos residentes que desconhecem a história local, contribuindo para o seu esquecimento. Já em 2007 um pequeno texto publicado pelo Correio do Vouga, o semanário da diocese de Aveiro, fazia disso eco: “Pormenores de Aveiro Frente à linha férrea, um pouco a norte da antiga passagem de nível de Esgueira e da Rua José Luciano de Castro, situa-se a capela da Senhora do Álamo, pequeno templo situado no gaveto da rua com o mesmo nome.
A capela da Senhora do Álamo é uma das várias capelas existentes na freguesia de Esgueira, algumas das quais são praticamente desconhecidas dos aveirenses, ainda que localizadas bastante próximo de locais concorridos.
O que mais se destaca nesta capela é a pequena torre sineira lateral, situada numa posição bastante recuada em relação à fachada”.
O pequeno pormenor da torre sineira é realmente um dos detalhes que mais cativam nesta pequena capela. O sino há muito que desapareceu e a sua substituição nunca foi feita, deixando a pequena torre nua e algo desamparada.
Nossa Senhora do Álamo é a advogada das parturientes, é a Ela que as crentes grávidas, prestes a darem à luz, recorrem para amparo, de acordo com João Evangelista de Campos, na sua obra de investigação sobre os templos de Aveiro. Nesse mesmo trabalho podemos ler que outrora era usual ali se realizar uma romaria, que servia de pretexto para merendas junto à linha férrea onde os jovens partilhavam o Folar da Páscoa. Devido ao crescimento da cidade e ao desaparecimento dos antigos lugares de merendas, esta tradição evaporou-se, mas a capela continua a marcar uma época que merece ser preservada e recordada.
À semelhança de muitas outras em Aveiro e na Esgueira, a capela do Álamo sofre com o acelerado crescimento urbano e com a completa falta de sensibilidade por parte dos responsáveis pela planificação da cidade.
Na primeira década do Século XXI, Aveiro sofreu um forte crescimento, não só “por culpa” da acelerada procura turística, como pela excelente prestação das indústrias que foram surgindo nas zonas industriais dos concelhos vizinhos. Estes dois factores atraíram milhares de cidadãos portugueses e de outros países, ávidos de melhores condições de vida e novas oportunidades de emprego. Consequentemente, registou-se uma desenfreada procura de alojamento, fomentando, claro está, o desregulado crescimento do tecido urbano. Um dos males deste fenómeno é a tendência dos autarcas em empurrarem para segundo plano este tipo de tesouros do património histórico e cultural português, que não tendo o mesmo peso de outros exemplares não merecem ser negligenciados. É que a pouco e pouco, com cada prédio novo que nasce, mais um pouco da memória colectiva do povo vai-se desvanecendo, restando apenas a memória impressa em papel para que as gerações vindouras possam ter conhecimento de um passado não muito distante; passado que com um pouco de zelo e vontade poderia, ao invés, fazer parte do futuro.
João Santos Gomes