Cantão recebeu o Corpo e Sangue de Cristo

Páscoa em Shamian

O passado Domingo de Páscoa levou milhões de fiéis às igrejas da China, no mesmo dia em que os cemitérios se encheram em nome do Cheng Ming. Com algumas diferenças no ritual, o culto do Dia da Ressurreição foi vivido em pleno. Estivemos na igreja de Nossa Senhora de Lourdes, na ilha de Shamian, em Cantão. Convidamo-lo a reviver connosco os momentos mais marcantes.

Cinco de Abril de 2015, Domingo de Páscoa. É festa universal em todo o mundo. A China não é excepção. De Norte a Sul, de Este a Oeste da República Popular, todas as igrejas patrióticas estão abertas desde manhã cedo para dar as boas vindas aos fiéis.

Cantão, na Sé Catedral, no coração da capital de província; e na igreja de Nossa Senhora de Lourdes, na ilha de Shamian, antiga possessão europeia, pelas 8 horas e 30, os fiéis apinham-se; há quem esteja sentado nos átrios; a voz dos sacerdotes chegará aos altares por meio de colunas sonoras.

Para cumprir o pressuposto, elegemos a igreja de Nossa Senhora de Lourdes. Está mais perto dos hotéis de repouso. Os bancos de madeira são em número insuficiente, resta o “conforto” do plástico, bem atrás dos restantes fiéis. Do lado direito o confessionário está fechado a cadeado, do lado esquerdo uma pequena imagem de Nossa Senhora de Lourdes, em cima de uma pequena estante, convida fiéis e curiosos a retirarem um, dois, ou mais prospectos. A igreja, como todos os edifícios adjacentes, é património classificado.

Entra o séquito – um padre chinês, coadjuvado por outros dois ocidentais, e três acólitos – a ladear o Santíssimo. O turíbulo está preparado; por toda a igreja sente-se o agradável cheiro do incenso. O padre dá as boas-vindas à Casa do Senhor e auxiliado pelos acólitos benze os fiéis com água benta. O calor já aperta pelo que os pingos parecem, de facto, caídos do céu.

Entre cada passagem da Missa da Ressurreição, entoam-se cânticos de alegria. A Primeira Leitura (Act., 10,34.37-43) dá o mote: «Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus». Está assim explicada a razão, o porquê, da presença da tantos fiéis.

Depois, o Salmo Responsorial: «Este é o dia que o Senhor fez. Exultemos e cantemos de alegria. Aleluia». Dá-se então um dos momentos mais marcantes: Enquanto a leiga lê o Livro dos Salmos, o Sol atravessa um vitral, reflectindo a sua luz na parede. O silêncio é sepulcral, de respeito.

A Segunda Leitura (Col., 3,1-4) vai ao encontro do ambiente vivido por todos: «Irmãos, se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória». Isto é, não nos agarremos ao terreno, mas elevemo-nos ao celestial. Do vitral permanece forte o raio de Sol, assim como as velas acesas no altar. É a luz de Cristo a iluminar os corações. Até as crianças permanecem caladas, olhando os adultos com estupefacção.

Por último, o Evangelho, o Livro da Verdade. São João diz no início: «No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro, e viu a pedra retirada do sepulcro». Acrescenta depois que Pedro «entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte». E conclui: «Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos» (Jo., 20,1-9).

A missa vai sendo falada em Cantonense e Mandarim. A homilia recai sobre as Leituras e o Evangelho. Apenas conseguimos entender algumas palavras… ditas em Latim por um dos padres ocidentais.

Entretanto, várias crianças dirigem-se com os pais e os avós ao altar. Dois bebés vão ser baptizados. No dia da Ressurreição, o Pastor vê aumentado o Rebanho. Que alegria, pois já na noite anterior outro baptizado havia ocorrido no mesmo local.

A cerimónia é encerrada com palmas. Segue-se o Ofertório, a oração que o Senhor nos ensinou: «Pai Nosso, que estais no céu…», e a Comunhão. Toda a Igreja recebe a hóstia, embebida num pouco de vinho. O Corpo e o Sangue de Cristo! Aqui e ali, o ritual varia em relação ao Ocidente.

Encerra a missa: «Ide em Paz, e que o Senhor vos acompanhe». Sai o séquito. O coro invoca a alegria. São 9 horas e 45. Há quem tenha ido em jejum. Os cafés convidam ao pequeno-almoço. Na realidade, vai ser o segundo do dia, pois o primeiro – o pequeno-almoço da alma – acabou mesmo agora de ser tomado.

José Miguel Encarnação

jme888@gmail.com

 

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