Bengala e o Reino do Dragão – 44

O fruto sem semente

Como já aqui dissemos, a tentativa de converter os butaneses saiu gorada e os padres João Cabral e Estêvão Cacela bem frustrados se devem ter sentido, pois o esforço foi muito. Só séculos depois, já em meados da centúria passada, voltaria um jesuíta a assumir papel de destaque no Reino do Dragão. Mas não era essa a intenção, quando William Mackey deixou o Canadá em 1946 destinado à missão de Darjeeling, capital da província indiana himalaica do Sikkim, onde a congregação tinha a seu cargo, e há já mais de um século, escolas, clínicas e igrejas. Originalmente, sob a batuta de padres belgas; logo após a Segunda Guerra Mundial, regidas por homólogos canadianos. O padre Mackey adaptar-se-ia de imediato à nova realidade. Aprendeu Nepalês enquanto leccionava, e acabaria por assumir a direcção de duas escolas secundárias da região, mantendo-se sempre fiel ao desporto. Dezassete foram os anos de actividade, até que as autoridades bengalis o obrigaram a demitir-se, após feroz campanha de difamação. Corria o ano de 1963. Atento ao que se passava na região vizinha, o monarca butanês viu no canadiano um educador experiente capaz de modernizar o arcaico sistema educativo do seu país, e logo tratou de o contratar.

Mackey passaria os últimos 32 anos da sua vida no Butão, onde, quase sozinho, transformou um sistema educacional estatal (apenas com um punhado de escolas primárias) num moderno sistema integrado de escolas primárias e secundárias, escolas técnicas e até uma faculdade. Há um livro que narra as dificuldades por ele sentidas, as iniciativas que tomou e o apoio recebido dos sucessivos reis do Butão e da família real. Mackey seria, inclusive, prendado com as mais altas honras, entre as quais a cidadania butanesa. Foi um dos poucos estrangeiros a receber essa distinção. Intitula-se o dito livro “The Jesuit and the Dragon: The Life of Father William Mackey in the Himalayan Kingdom of Bhutan”, e foi escrito, em 1996, por Howard Solverson, também ele residente no Butão durante vários anos.

Numa entrevista concedida à revista Asia Focus em 1993 (dois anos antes do seu falecimento), o padre Mackey dizia que a sua missão consistia em “testemunhar a fé católica sem a apregoar; dar o testemunho de Cristo sem fazer proselitismo”, além, claro, de ensinar a língua inglesa, pois era essa a sua especialidade. Como se sabe, o Budismo é a religião do Estado e o Governo tudo faz para a preservar. Por conseguinte, as autoridades não permitem a presença de outras religiões no território, sendo “a pregação e a propaganda do Cristianismo proibidas”. Todos os estabelecimentos de ensino são estatais. Mas nem sempre foi assim. No passado, os jesuítas foram convidados a ajudar a criar escolas e a assumir responsabilidades como provedores ou directores. Assim, sete sacerdotes e dez religiosas (irmãs das congregações São José de Cluny e da Santa Cruz) trabalharam outrora em escolas dirigidas pelos jesuítas. Além disso, também alguns padres salesianos contribuíram para a abertura de uma escola técnica junto da fronteira indiana, tendo dirigido essa instituição durante algum tempo. Porém, partiriam em 1989, pois o Governo butanês queria que a direcção de todos os colégios e escolas passasse para as rédeas de butaneses qualificados. Pediu-lhe, portanto, que trabalhassem sob a direcção daquelas. “É claro que não podíamos aceitar tais condições”, diz o padre Mackey. “Até porque o Governo também queria que cada um de nós trabalhasse numa escola diferente. Nós, missionários, costumamos morar em comunidade e trabalhar juntos. É essa a nossa filosofia”. Portanto, a proposta do Governo mostrava-se inaceitável. Por essa razão, a maioria dos padres regressou à diocese de Darjeeling. O padre William Mackey, pelo contrário, optou por permanecer no Butão, e isto porque se considerava já um cidadão butanês. À falta de igrejas no Butão, a residência servia-lhe de templo. Era lá que rezava e celebrava a missa num dos dias da semana e ao Domingo, comparecendo às cerimónias uma trintena de cristãos, na sua maioria membros das diversas missões diplomáticas.

“A taxa de alfabetização estava perto de zero quando aqui cheguei. Hoje é de quarenta por cento. Fundei a primeira escola secundária em Tashigaon; a seguir, uma instituição universitária conhecida pelo nome de Colégio Sherubtse”, informava o canadiano na entrevista à Asia Focus. Posteriormente, sob a sua direcção, o Butão abriria cinco instituições pré-universitárias, 21 escolas secundárias e duzentas escolas primárias. “O meu trabalho consistiu em estabelecer um sistema eficaz de educação escolar no Butão, supervisionando as escolas de modo a que estas funcionassem devidamente. Com essa finalidade visitei as escolas de todo o reino, viajando muitas das vezes a pé e a cavalo. Sirvo fielmente o país que me adoptou, sempre pugnando pelo desenvolvimento do seu sistema educativo, ao mesmo tempo que prego os valores morais e a ajuda mútua, pois essa é também uma forma de evangelizar”, concluia o jesuíta canadiano.

Joaquim Magalhães de Castro

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