BBC PRODUZ REPORTAGEM SOBRE A UNIVERSIDADE DE SÃO JOSÉ

BBC PRODUZ REPORTAGEM SOBRE A UNIVERSIDADE DE SÃO JOSÉ

Projecto académico para ex-presidiários trouxe gigante da comunicação a Macau.

Não é propriamente uma novidade por outras paragens, mas no território é um caso inédito. Um antigo recluso do Estabelecimento Prisional de Macau está a frequentar o curso de Serviço Social ministrado pela Universidade de São José, depois de ter concluído alguns dos módulos da licenciatura enquanto ainda se encontrava a cumprir pena. O feito chamou a atenção da BBC, que esteve recentemente na RAEM para gravar uma reportagem sobre a universidade católica local.

São oito, têm idades compreendidas entre os 21 e os quarenta anos e estão apostados em contrariar a ideia de que quem passa pela prisão não tem uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão. Entre os oito reclusos do Estabelecimento Prisional de Macau que frequentam, por detrás das grades, o curso de Serviço Social da Universidade de São José (USJ), estão alguns dos que escreveram à instituição de Ensino Superior liderada pelo padre Peter Stilwell com o propósito de convencer a Universidade a reatar um inédito programa de apoio educativo lançado há cerca de uma década e entretanto interrompido.

Então dirigida pelo padre Dominique Tyl, a Faculdade de Ciências Sociais da USJ não fez orelhas moucas ao pedido e o pioneiro programa de “outreach” da instituição foi relançado há um ano, em Dezembro de 2018, com o objectivo de oferecer aos reclusos interessados a oportunidade de transformarem o calvário penal a que foram condenados num período de valorização pessoal.

«A grande diferença face ao programa original lançado há dez anos é a de que os conteúdo deste programa de “outreach” são muito similares aos conteúdos que são leccionados aos estudantes que frequentam o curso de Serviço Social nas instalações da Universidade», explicou Helen Liu em declarações a’O CLARIM. «Por outro lado, o processo de candidatura é tão rigoroso como o que conduzimos em condições normais. Exigimos ao candidato que escreva uma pequena biografia, de forma a que possamos ficar a conhecer o seu percurso pessoal e possamos perceber porque razão quer estudar Serviço Social. Queremos saber quais são as expectativas que alimentam e aquilo que querem fazer se concluírem a formação em Serviço Social», acrescentou a responsável pelo programa de “outreach” da Universidade de São José.

Helen Liu integra um grupo de quatro professores, dois por cada semestre, que se deslocam uma vez por semana ao Estabelecimento Prisional de Macau para levar aos reclusos a benesse do Conhecimento. Para Leung, nome fictício, as condições sob as quais se processou o regresso aos bancos da escola alteraram-se de forma radical, depois de cumprida a pena a que fora condenado. O residente do território tornou-se o primeiro ex-recluso a frequentar a Universidade de São José após ter encetado o Ensino Superior atrás dos muros da cadeira de Coloane. «Este aluno que começou este ano a estudar connosco aqui nas instalações da Universidade já trabalha a tempo inteiro numa organização não governamental. Tem um trabalho a tempo inteiro e estuda na USJ a tempo parcial. Ele não é um assistente social e foi contratado por essa organização para dar apoio aos assistentes sociais, mas eu acredito que, eventualmente, vai acabar por se licenciar», referiu Helen Liu.

Leong encontra-se a meio de um percurso que abrange três fases bem distintas. O ex-recluso, explicou-nos Vítor Teixeira, director da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de São José, não frequenta a licenciatura em Serviço Social propriamente dita, mas a obtenção do diploma está perfeitamente ao seu alcance: «Estes reclusos não estão inscritos na licenciatura. Aquilo que lhes garantimos numa primeira e numa segunda fase são módulos que integram o currículo do curso de Serviço Social. Ensinamos-lhes duas disciplinas por semestre, eles recebem um diploma por cada módulo que concluem e este diploma atesta os três créditos que correspondem à disciplina em questão. Numa primeira fase, os nossos professores deslocam-se à prisão para ensinar módulos ou disciplinas em que os reclusos se inscrevem de forma independente».

Leong é o primeiro e até agora único ex-recluso a atingir a segunda fase do projecto. Depois de libertado, o antigo prisioneiro tem de completar dois outros módulos antes de se poder inscrever na licenciatura, esclareceu Vítor Teixeira. «Neste caso específico, este aluno inscreveu-se em dois módulos, participa nas aulas com os demais colegas da Universidade, mas continua a não estar inscrito na licenciatura. Entendemos que a inscrição a tempo inteiro na Universidade pode constituir uma exigência demasiado elevada, uma vez ainda se encontra a ser acompanhado pelos serviços prisionais. Da nossa parte também preferimos fazer as coisas a um ritmo mais lento», revelou o académico. «Quando são libertados e se juntam a nós para frequentar as aulas nas nossas instalações temos o cuidado de proteger o percurso de vida destas pessoas. São apresentados como alunos que já completaram alguns dos módulos do curso no passado e que agora querem dar continuidade aos estudos. Se o processo chegar a bom porto, estes alunos vão receber um certificado académico como quaisquer outros assistentes sociais», assegurou ainda.

O programa de “outreach” da Universidade de São José é um dos tópicos em destaque de uma reportagem que a British Broadcasting Corporation (BBC) gravou recentemente na RAEM. O outro é o programa de reabilitação das zonas de mangal em que universidade católica local também está envolvida. «Temos professores que vão todas as semanas ao Estabelecimento Prisional de Macau para dar formação a reclusos e em Setembro recebemos pela primeira vez um antigo recluso que está a terminar connosco a sua formação em Serviço Social. Este foi um dos temas que a BBC optou por abordar numa reportagem que gravou recentemente no nosso campus. O outro foi o programa de recuperação das zonas húmidas e de reabilitação dos mangais. Também falámos um pouco sobre isto», revelou o reitor da Universidade de São José, padre Peter Stilwell, em Outubro, à margem do simpósio anual do Instituto Ricci de Macau.

Marco Carvalho

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