Os pastores vigiam, os pastores trabalham
Aconteceu durante uma das viagens internacionais do Papa São João Paulo II: O avião da comitiva papal, onde também seguiam jornalistas, tinha acabado de passar a Linha de Mudança de Data sobre o Alasca, alterando assim a data para um dia antes. Com o seu proverbial humor, o Santo Padre disse aos jornalistas: «agora terão que decidir o que vão fazer com o dia extra que vos foi concedido».
João Paulo II era conhecido como um trabalhador incansável. Ele conhecia o valor do trabalho, ao qual dedicou uma Carta Encíclica – “Laboren Exercens”. Escreveu que «o Homem foi feito para ser, no universo visível, à imagem e semelhança do próprio Deus, e foi assim colocado de forma a submeter a terra. Desde o início que (o Homem) foi chamado a trabalhar. O trabalho é uma das coisas que distinguem o Homem do resto das criaturas».
A História do Natal diz-nos que quando Jesus nasceu «nessa região estavam alguns pastores no campo, a tomar conta e cuidando dos seus rebanhos, durante a noite (Lucas 2:8)».
Os pastores vigiavam, não estavam a dormir e a sonhar. «A principal diferença entre alguém que sonha e alguém que está acordado é que o sonhador se encontra num mundo só seu. O seu “eu” está confinado ao seu mundo de sonho e assim sendo não comunica com as outras pessoas. Acordar significa deixar esse seu mundo privado, só seu, e regressar à realidade comum; a verdade é que sozinho não pode unir todas as outras pessoas. Conflitos e falta de reconciliação no mundo resultam do facto de nos encontrarmos confinados aos nossos interesses e opiniões próprias, enclausurados dentro do nosso pequeno mundo privado. O egoísmo, tanto individual como colectivo, torna-nos prisioneiros dos nossos interesses e dos nossos desejos que se levantam contra a verdade e nos separam uns dos outros» (Bento XVI, Homilia, 24 de Dezembro de 2009).
Todos podemos cair numa espécie de Hikikomori Espiritual. Hikikomori é um fenómeno que, no Japão, afecta cerca de um milhão de jovens. É caracterizado pelo desinteresse total de interacção com as outras pessoas e a clausura voluntária nos seus quartos, durante largos períodos de tempo que chegam a meses e mesmo anos. Tornamo-nos assim «auto-referenciais», segundo as palavras do Papa Francisco.
Os pastores estava vigilantes… e esse era o seu trabalho – vigiar. No trabalho de vigia necessita-se de foco, necessita-se de atenção.
O facto de estarem de vigia predispôs os pastores a ouvirem o balir do rebanho, o piscar das estrelas, e a voz dos Anjos. Para algumas pessoas do mundo moderno o trabalho é um obstáculo a ouvir-se a voz do Senhor. Para os pastores foi uma oportunidade.
Através do trabalho podemos ouvir e falar com Deus, de quem copiamos o seu trabalho de criação. Através do nosso trabalho servimos a nossa família, a nossa sociedade e a Igreja. Pelo trabalho desenvolvemos a nossa personalidade, crescemos em muitas das virtudes: diligência, constância, pensamento lógico, paciência para com os outros, boas maneiras, prudência, justiça, determinação e temperança. Através do trabalho tornamo-nos semelhantes a Cristo, o Deus-Homem trabalhador. Pelo trabalho tornamo-nos santos.
O que é necessário para o santificar (ao trabalho)?
Primeiro, temos que estar em estado de graça santificante, que nos torna agradáveis a Deus. Segundo, devemos tentar fazer – seja o que for que precisemos fazer – o melhor que podermos, dentro das nossas limitações, esforçando-nos a atingir a excelência, e mesmo assim tentando melhorar em relação aos nossos trabalhos anteriores, dia após dia. E, finalmente, devemos fazer tudo o que fazemos, não para nós, mas para a Glória de Deus. «Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu (Mateus 5:16)».
Pe. José Mario Mandía
(Tradução: António R. Martins)