As aventuras do “pato” Donald

De cada vez que me refiro a Donald Trump recordo-me de uma alegre figura da banda desenhada que dava pelo nome de “Pato Donald”. Não tanto pela semelhança do seu carácter com Trump (o pato era muito mais sociável), talvez pela “penugem” da cabeleira, mas muito mais pela fortuna acumulada por este Donald, associada à sua controversa personalidade, que o torna um verdadeiro “pato bravo”, reencarnando o papel de Tio Sam, mas transformado em Tio Patinhas.

Mas, embora irrascível, ignorante e egoísta, Trump não é estúpido ou não quer passar por sê-lo.

Nesta sua viagem pela Europa, “qual cavaleiro andante em defesa da sua donzela” ou, melhor dizendo, “como cowboy em luta pela sua manada de vacas americanas” (sem ofensa para as vacas), Trump conseguiu duas enormes “vitórias”.

Ao barafustar e tratar incorrectamente os líderes europeus, na cimeira da NATO, fez com que eles decidissem (finalmente) tomar conta dos seus próprios destinos, sem esperarem pela “autorização” americana.

Ao retirar-se do Acordo de Paris, relativo às mudanças climáticas, Trump isolou os Estados Unidos no combate às alterações do clima (à excepção de alguns dos seus Estados que decidiram continuar fiéis ao Acordo), combateu as suas indústrias de ponta, que produzem e utilizam energias alternativas, colocou-se em contradição com grande parte da população americana, para quem as novas tecnologias há muito que estão associadas ao “planeta verde” e, ponto de honra, contribuiu para a liderança mundial da China, nesta e noutras matérias, acabando a servir o tradicional prato chinês, “Canard à Pekinoise”…

Mas se estas “vitórias” parecem desconcertantes, o que dizer da sua viagem aos países do Golfo, nomeadamente à Arábia Saudita!?

O mundo ficou muito recentemente a saber que seis países do Golfo Pérsico, entre os quais a Arábia Saudita, tinham cortado relações diplomáticas, consulares, e por terra, mar e ar, com o vizinho Qatar, com a justificação de que este país auxilia os movimentos terroristas do autoproclamado Estado Islâmico, o Daesh.

Se bem que comentar o que se passa nesta zona do mundo é extremamente difícil, face à trapalhada de problemas e de influências regionais, externas e internas, que o condicionam e ao espaço que tenho disponível, há no entanto algumas questões locais, tidas até agora como verdades, que justificam alguma reflexão: riqueza baseada no petróleo e gás natural; conflito secular entre sunitas e xiitas pelo domínio da região; venda de armas pelas potências ocidentais e Rússia; Al-Qaeda e Daesh, embora já rivais mas ambos sunitas, tal como a Arábia Saudita (até agora acusada, tal como outros países sunitas da região, de financiar o Daesh); e Israel mais preocupado com os movimentos xiitas que operam nas suas fronteiras, mas igualmente receando a hegemonia sunita. Enfim, enumerei apenas algumas das contradições que envolvem o Médio Oriente e Norte de África, cuja acção bélica ocidental na zona, acabou despertando um autêntico ninho de vespas.

Voltando às “aventuras do Tio Patinhas”, que foi ele fazer à Arábia Saudita? A Casa Branca deu a resposta: os Estados Unidos acabaram de vender armas à Arábia Saudita, no valor de 110 mil milhões de dólares!

Para convencê-los a combater o terrorismo sunita?

Não! Para combater o Irão e os xiitas (que compram armas à Rússia).

Mas o que é que tem o Qatar a ver com tudo isto?

O que é que este pequeno país de 11 mil e 500 quilómetros quadrados, com cerca 2,3 milhões de habitantes de maioria sunita, mas onde todos os muçulmanos sunitas e xiitas podem praticar as suas religiões, bem como os não muçulmanos (embora com algumas restrições), produtor de petróleo, com a maior mina de gás natural do mundo e seleccionado para sede do Campeonato do Mundo da FIFA, em 2022, tem a ver com tudo isto?

A história de que um pirata informático tenha divulgado a informação de que as autoridades do Qatar pagaram a forças iranianas e à Al-Qaeda para libertar alguns membros da família real, que tinham ficado reféns no Iraque, parece-me pouco inverosímil e, mesmo que verdadeira, não suficiente para detonar este conflito. Por outro lado, acusarem o Qatar de apoiar “grupos terroristas sustentados pelo Irão” que actuam nas suas fronteiras, quando os grupos são sunitas, tal como os sauditas e os catarianos, e fazer deste pequeno país o inimigo de todos os seus poderosos vizinhos é um argumento que me levanta muitas dúvidas.

Só espero que Trump, para desviar a atenção dos americanos das suas duvidosas relações com a Rússia e a hipótese da sua destituição, aproveitando a sua viagem à Arábia Saudita e o volume de armas vendidas e a vender, não esteja a inventar motivos para mais uma guerra, à semelhança daquela que o seu antecessor George W. Bush inventou para o Iraque.

Se tudo isto não passa de uma manobra dos sunitas contra os xiitas, para que os Estados Unidos não intervenham no conflito contra o Qatar, apenas me apetece dizer: quá!… quá!…

Se assim for, espero que alguém do seu “staff” o tenha avisado que, no Qatar, os Estados Unidos têm o seu comando para o Médio Oriente (o CENTCOM), albergando dez mil homens…

LUIS BARREIRA

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