A Terra Santa – IX

O Renascimento da Palestina Judaica

Estamos no período final da dominação otomana da Palestina. Que se consumará em 1916. Antes, tudo tende cada vez mais para o renascimento judaico. Ou a nova fase da vida judaica na Palestina. Com efeito, são cada vez mais prementes os factores que a tal conduzirão. Progroms (perseguições e matanças) anti-judaicos na Rússia em 1881-82, o início do caso Dreyfus, um oficial judeu francês perseguido em França em 1894, dois anos antes da publicação do Estado judaico por Theodor Herzl, o grande activista sionista do renascimento judaico. O Sionismo (movimento de retorno da diáspora judaica à Palestina ancestral) está activo, principalmente depois do seu 1º Congresso de Basileia. Ao mesmo tempo, assiste-se à primeira aliya (1890-1913, vaga de imigração judaica na Palestina). Uma outra desenvolve-se paralelamente, mantendo-se até 1914. Estava-se ainda sob o jugo da Sublime Porta, ou do seu canto do cisne. A diplomacia já burilava, traçando destinos…

Hoje em dia parece quase anedótico, curioso, mas a Palestina não se impôs então, naquela fase, como o único lugar possível para reunir as comunidades judaicas dispersas. Mesmo existindo uma perene e ancestral, milenar, comunidade judaica residente na Palestina. Senão vejamos: Uganda (em boa verdade, era o Quénia…), a Argentina, Madagáscar ou a Nova Caledónia (estas colónias francesas, então), foram os primeiros projectos, entre trinta e seis, de regiões no mundo para acolher uma solução para o “problema judaico”. O de estabelecer numa terra, futura pátria, as comunidades judaicas no mundo. Num ou noutro momento, ou circunstâncias, foram muitas as propostas para a solução territorial.

A má vontade otomana e as perseguições violentas na Europa Oriental aos judeus ahkénazys forçaram a decisão dos Sionistas. Herzl, o próprio, decidiu-se pela solução do Uganda, perante proposta ao mais alto nível dos britânicos, na pessoa de Lloyd George, Primeiro-Ministro. Herzl morreria entretanto em 1904. Pouco depois, o VII Congresso Sionista de Basileia decide-se pelo encerrar da proposta ugandesa, embora sem consensos. As cisões aparecem, mas o Sionismo mantém-se vivo. E Sião (Palestina, ou Israel), a pátria amada e da saudade judaica, na sua carga messiânica e davídica, assume-se como o zénite de todos os melhores esforços dos seguidores de Herzl. Destino judaico: o regresso à Palestina, a Sião.

 

Um processo histórico

Em boa verdade, estamos perante um processo histórico iniciado em 1881, que terminou em 1948. Político, diplomático, foi também revolucionário. O Eretz-Israel regressa ao imaginário judaico, como centro incontestável de um povo, uma fé, uma nação, porque desejado para a espera messiânica. Na década de 80 do século XIX os primeiros fluxos migratórios não foram os mais expressivos, mas permitiram quase duplicar a população residente na Palestina, no yishouv, ou “comunidade judaica da Palestina”. Em 1880 já vimos antes que seriam entre 40 a 60 mil almas. Em 1900 eram quase o dobro. A colonização não parou. Em duas gerações o yishouv passaria de “lar nacional” (conceito sionista) a Estado soberano. Em 1948, eram cerca de 700 mil os judeus na Palestina.

É de facto impressionante a evolução demográfica, sempre em crescendo. A principal causa reside na mudança de estatuto da Palestina na história de Israel. A província obscura e periférica do império otomano tornou-se a partir da década de 80 num foco de imigração de comunidades judaicas. Na sua maioria provenientes da Europa Oriental. Que proporcionaram um crescimento demográfico jamais visto na região. Estava-se desde 1916 num protectorado britânico, ou sob um mandato destes, resultante dos acordos de Sykes-Picot, nos quais se criou o “Médio Oriente” (ou “Próximo Oriente”), numa partilha territorial entre ingleses (Palestina, Jordânia, por exemplo) e França (Síria, Líbano), além dos interesses russos na região, que a essa época remontam.

A Palestina seria militarmente ocupada por tropas britânicas em 1917, às ordens do general Allenby, que entrou triunfal em Dezembro em Jerusalém. Antes, nesse ano, a 2 de Novembro, na declaração Balfour o Governo britânico reconhecia o direito do povo judaico a estabelecer um “lar nacional” na Palestina. O Sionismo internacional e o mandato britânico formam o contexto causal que promove a imigração maciça judaica e a inevitabilidade de criação do futuro Estado de Israel.

 

Palestina, cada vez mais judaica

O pessimismo crescente dos judeus quanto à sua integração nos países da Europa Oriental, combatida pelos ferozes nacionalismos eslavos, onde campeava um anti-semitismo decorrente, a nível popular como estatal, era causa também do empobrecimento das comunidades judaicas. Centenas de milhares de judeus lançaram-se de facto nas estradas da Europa de Leste depois dos grandes progroms russos de 1881-82, enxameando muitas vezes de forma indigente e miserável. Por isso, a ideia de um “lar nacional”, com terras e oportunidades, era superlativamente fascinante e atractiva.

Mas também é importante recordar que este sionismo é amplamente insuflado de ideias modernas, de matriz laica, que se impõem sobremaneira ao tradicional messianismo religioso, que aspirava por Sião. As elites religiosas e tradicionalistas são substituídas por novas elites, progressistas, laicizadas, que aspiram antes a um território, a uma pátria, lugar de “materialização da unicidade nacional e cultural” judaica, como referem autores da época.

É justo também recordar que a vaga migratória judaica entre 1881 e 1914 não se dirigiu toda para a Terra Prometida. De facto, dos 2,5 milhões de judeus emigrados da Europa, apenas cinco por cento se dirigiu para a Palestina. Todavia, seriam importantes para a preparação do acolhimento das vagas de imigração futuras, após a declaração Balfour (1916). Estas eram já menos sionistas, com menor fervor ideológico, mas alimentaram o desenvolvimento e progresso na região durante o mandato britânico, que foi confirmado na conferência de San Remo (Itália), em 1920. Passou-se depois a um Governo não militar, mas sob uma autoridade judaica protegida pelos britânicos: o “Governo da Palestina Ertz-Israel”, com Herbert Samuel como primeiro Alto-Comissário. Estava tudo preparado, todos os dias, na Palestina judaica. Para quando o Nazismo e a falência das democracias europeias tornassem a Palestina como um porto seguro, de salvação para os judeus perseguidos. Israel é já a seguir!

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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