A Terra Santa – III

De Salomão à Diáspora

Na semana passada falámos da unificação política de Israel, depois da criação do reino por Saul e da sua afirmação plena com David, o grande rei. Um rei, um reino, uma capital, Jerusalém, o perigo filisteu afastado, tudo apontava para a estabilidade e a paz. Objectivos estes que tinham uma base religiosa, monoteísta, judaica pode-se dizer. Jerusalém é mais do que uma cidade e uma capital, é a sede do grande templo, que o filho de David, Salomão, sublimou do ponto de vista arquitectónico, mas principalmente espiritual e religioso, como o coração de um povo estribado na sua fé num deus único.

O grande reino de David (1010-970 a.C.) foi herdado por Salomão, que governou por um longo período (970-931 a.C.), em paz, prosperidade, com as armas a dar lugar à diplomacia e ao comércio, às construções, à arte, à cultura e à afirmação religiosa. Mas o advento de Salomão foi sangrento, a partir de conjuras palacianas e ajustes de contas. Mas Salomão, que já nasceu em Jerusalém, aplacou as dissidências e lutas, venceu e impôs uma administração central, forte, coesa, sob a sua autoridade. Fixou definitivamente as doze tribos de Israel, descendentes de Jacob, transformando-as em províncias.

Salomão era um rei sábio, mais diplomata que guerreiro. Era prudente e avisado, mandou abrir escolas e inspirou uma literatura dita de “sabedoria”. Era um construtor incansável, também, sendo o responsável pela construção do templo e palácio Real, em Jerusalém, que ampliou e dignificou. Além de fortificar, claro, pois as vizinhanças do reino não eram propriamente pacíficas e o apetite pelas terras verdes e aquosas de Israel, como que um oásis junto ao mar Mediterrâneo, era pois insaciável e imorredouro entre os povos belicosos e sedentos do Médio Oriente. Mas não deixou de encetar relações comerciais com as nações com quem traçou a paz, de onde vinham ouro e produtos exóticos, a troco de produtos agrícolas. E técnicas de construção eram também importadas.

Salomão cedeu territórios, como a faixa costeira a norte do monte Carmelo (o sul do Líbano, grosso modo), além de outras terras na região de Damasco, por exemplo. Ou seja, desenhou um reino, um Estado, num território, com um povo e uma religião, um conjunto de tradições e relações comerciais e diplomáticas: Israel, onde é mais ou menos o actual Estado homónimo. Reinado de paz, mas com dificuldades no seu final, financeiras e internas, devido em parte a esse redesenhar do reino e cedências fronteiriças. Se fez a paz para fora, semeou dentro revoltas e tensões. E o Sul, Judá, tinha também maior preponderância que o norte de Israel, a Galileia…

 

Divisões e lutas

Salomão morreria em 928 a.C. Com a sua partida, não lhe sobreviveria a união das doze tribos, a malha que o rei fiou para sustentar politicamente Israel. Também por razões religiosas e económicas, culturais, tudo desmoronou, dividindo-se a divisão em dois reinos, Israel a Norte e Judá a Sul. Alguns reinos antes conquistados declaram-se independentes (Moab, Amon…), a unidade nacional urdida para enfrentar os filisteus desagregava-se. É importante recordar aqui que a mais importante das razões deste desmoronar do reino de Salomão, herdado de David, foi talvez de ordem económica: Salomão impôs pesados tributos à vida faustosa e religiosamente digna de censura. Ou seja, impostos sobre riqueza.

O rompimento foi imediato, revelando a fragilidade da unidade do reino de Israel. Judá manteria porém alguma da grandeza do antigo reino, mas o Norte, apesar de uma certa prosperidade entre 885 e 841 a.C e depois 790-749 a.C., irá entrar em decadência e ruir. Os assírios foram os grandes responsáveis, civilização guerreira ímpar e numericamente avassaladora face ao pequeno Estado de Israel, que cairia às mãos de Sargão II em 721, com a conquista da Samaria. O reino de Israel (Norte) passaria a ser uma província assíria. Mas os Hebreus, apesar de deportações cíclicas e chacinas, tumultos, mantiveram-se sempre em Israel e Judá, refira-se.

 

Judá resiste, mas cai…

 

O reino de Judá, como já dissemos, conservou o essencial da herança de David, da cultura e religião judaicas, além do Templo de Salomão, na sua soberana e magnífica capital, Jerusalém. Acossado pelos assírios, de quem ficam vassalos, pagando pesado tributo para não serem ocupados e dominados, Judá acolhe muitos refugiados do Norte, aumentando a população, mas também as dificuldades económicas, agravadas com o tributo oneroso, arruinando o reino. A par deste enfraquecimento político, assiste-se a um desmoronar também da integridade religiosa monoteísta, além de um empalidecer o prestígio e influência do Templo.

A idolatria ressurge, trazendo um período sombrio ao reino. Só com o rei Josias (640-609 a.C.) se regressou à verdadeira religião e a alguma estabilidade e maior independência política, também devido ao declínio dos assírios depois da morte de Assusbanípal em 627 a.C. Josias denunciou o pagamento do tributo e deixou de o pagar, expulsou as divindades assírias e respectivos cultos do Templo, estendeu a sua autoridade às tribos do Norte e centralizou o culto em Jerusalém. Respirou-se alguma paz e renascimento na civilização judaica.

Mas Josias morreu prematuramente e em 609 a.C. o seu reino, a ressurgir, ficaria rapidamente “entalado” entre o poderoso Egipto e a emergente Babilónia, dois Estados fortíssimos. A Bíblia conta-nos directa e indirectamente a voragem destes tempos difíceis. Jeremias, o profeta, é o porta-voz da iminência do castigo divino, ou seja, da nova derrocada. Os Egípcios perderiam esta contenda, pois o possante Nabucodonosor II acabaria por conquistar Jerusalém em 597 a.C., deportando o rei Joaquim e a família real, além do grande profeta Ezequiel. Depois de vários anos de conflitos, Jerusalém cai de vez às mãos da Babilónia em 587 a.C. e em 582 a.C. dá-se a terceira grande deportação, ou cativeiro da Babilónia. Ou a ruína de Israel.

Este exílio na Babilónia tem um grande significado histórico, religiosos e cultural para os judeus. Muitos consideram-na como o momento de preparação da grande diáspora judaica, outros entenderam-na como uma ruptura que apela ao retorno à pureza das origens sagradas do povo de Israel. Muitos profetas acompanharam os deportados, como Jeremias ou Ezequiel, apoiando a definição do ideal religioso dos exilados, que encontram na fé a unidade e a relação com a pátria sagrada e Israel. Até 538 a.C. os exilados mantiveram-se na Babilónia. Nesta data, a maior parte regressou a Israel. Mas não todos: alguns por lá ficaram, outros rumaram a outras paragens na região, iniciando a dispersão (em Grego, “diáspora”) judaica. Mas sempre animados pela vontade divina de “reunir todos os povos”, os que estavam “dispersos entre as nações”, como anunciavam os profetas.

Vítor Teixeira 

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