5º DOMINGO COMUM – Ano C – 9 de Fevereiro

5º DOMINGO COMUM – Ano C – 9 de Fevereiro

O incrível poder do chamamento de Deus

Depois de um momento de adoração eucarística na escola de Santa Rosa de Lima, uma menina, talvez com seis ou sete anos de idade, aproximou-se de mim e afirmou: «Disseste que Jesus fala connosco, mas eu não O consigo ouvir». As crianças desta idade vão muitas vezes directamente ao cerne da questão, fazendo perguntas que podem ser difíceis de responder. Eu respondi simplesmente: «Jesus fala dentro do teu coração». Felizmente, a menina não fez mais nenhuma pergunta, mas não sei se ficou satisfeita com a minha resposta.

E quanto a nós? Conseguimos ouvir a voz de Deus? Como é que sentimos a Sua presença? Como é que discernimos a Sua vontade para connosco? A vocação do profeta Isaías e o chamamento dos primeiros discípulos no Evangelho de Lucas abordam a questão da manifestação de Deus para connosco.

Após a morte do rei Uzias, Isaías experimenta a glória de Deus no Templo de Jerusalém. Este encontro com o poder majestoso e a santidade de Deus transformou a sua vida para sempre. Tornou-se um profeta do Senhor, um homem chamado a partilhar a intimidade de Deus, que lhe revelou o seu plano para renovar e purificar o seu povo.

Como outros profetas, Isaías sentia-se indigno e temia experimentar a manifestação da presença gloriosa de Deus: “Estou condenado! Porque sou um homem de lábios impuros, que vive no meio de um povo de lábios impuros”. Mas porquê falar dos lábios? E o que é que a purificação tem a ver com o facto de uma brasa ter tocado a boca de Isaías?

Um profeta em Israel é um homem da Palavra de Deus. Esta Palavra transforma-o de tal forma que toda a sua vida e o seu ser transmitem a mensagem de Deus ao povo. A boca e os lábios representam a nossa capacidade de exprimir o que está no nosso coração. Como disse Jesus: «O que sai do homem é o que o contamina» (Mt., 15, 18). O livro dos Provérbios também nos ensina que «quem guarda os seus lábios preserva a sua vida, mas quem fala sem reflectir será arruinado» (Pv., 13, 3); lábios impuros revelam a realidade de um coração pecador. Isaías reconhece perante o Senhor a sua indignidade e a de Israel para lidar com a Palavra de Deus. Como pode ele ser testemunha da vontade de Deus para Israel, se não consegue ser coerente com o que é suposto pregar?

Deus responde à insuficiência de Isaías purificando-lhe a boca com uma brasa. Este tipo de purificação pelo fogo não é um momento mágico e instantâneo, mas um processo em que o Senhor testa os nossos corações: «o ouro e a prata são provados pelo fogo, mas é o Senhor que revela quem as pessoas realmente são» (Pv., 17, 3).

É o Senhor, na sua misericórdia e com o seu poder maravilhoso, que nos santifica e nos dá força para escutar a sua Palavra, assimilá-la e ficarmos livres e disponíveis para sermos enviados ao mundo. O Santo de Israel, como Isaías muitas vezes lhe chama, consagra o seu profeta em dois momentos. Primeiro, manifestando o seu poder e chamando o seu servo para estar no seu lugar santo, que neste caso é o Templo. Para Moisés, foi a sarça ardente: «Não te aproximes! Tira as sandálias dos pés, pois o lugar em que estás é terra santa» (Ex., 3, 5). O segundo momento é o envio para uma missão: Deus pergunta: «Quem hei de enviar e quem há de ir por nós? E eu disse: “Eis-me aqui, envia-me a mim!”» (Is., 6, 8). Esta dupla dimensão da vida de um profeta faz dele um mediador da Palavra de Deus. Torna-se um homem de Deus, que se identifica com a visão que Deus tem do mundo, é muito sensível à realidade do pecado do seu povo e está empenhado em provocar a mudança e a esperança.

No Evangelho de Lucas, encontramos um tema semelhante. Jesus, a Palavra de Deus encarnada, vem ao encontro das pessoas na margem do lago da Galileia. As pessoas que iam lá para ouvir os seus ensinamentos estavam a teimar com ele. Jesus é mais do que um profeta: Ele é o sacramento perfeito da Palavra de Deus presente no meio do povo. Escolheu a barca de Simão para ser a sua “cathedra”, o lugar de autoridade a partir do qual ensina o povo. A barca de Pedro representa a Igreja. Jesus construiu a sua Igreja sobre o alicerce dos apóstolos, aqueles que ele fez “pescadores de homens”.

Tal como os profetas, os aspirantes a discípulos de Jesus são chamados a aprofundar a Palavra de Deus. Lucas apresenta esta realidade de forma figurativa: Jesus pede a Simão que vá até às águas profundas e lance as redes para a pesca. Tal como Isaías, Simão apresenta a sua objecção: “Trabalhamos toda a noite e não apanhámos nada”, mas acaba por decidir obedecer: “mas à tua ordem”, que também se poderia traduzir por “à tua palavra, lançarei as minhas redes”. As redes representam a sua capacidade de apreender a mensagem de Deus e de discernir a sua vontade. Esta capacidade é aquilo a que chamamos o dom da fé.

Estamos dispostos a aventurar-nos em águas profundas, ou preferimos viver uma vida superficial? Este é um desafio para todos nós: embarcar na barca de Pedro, meditar na Palavra de Deus, ouvir os ensinamentos da Igreja e mergulhar nas profundezas da Sua santa vontade, descobrindo o nosso verdadeiro eu e a nossa vocação. Podemos também experimentar a Sua presença reconfortante: “Não tenhais medo”, e depois estar totalmente disponíveis para O seguir e cumprir a missão que Ele nos confia: «Deixaram tudo e seguiram-no» (Lc., 5, 11).

Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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