Um amigo escreveu-me por “WhatsApp”: “O mais grandioso não é que o homem tenha pisado a Lua, mas que Deus tenha pisado a Terra”.
Paulo VI juntava as duas coisas, porque, quando Cristo Se fez Homem, Deus passou a fazer parte da história dos homens como protagonista, não só como Criador. Na noite de 20 para 21 de Julho de 1969, do observatório astronómico de Castel Gandolfo, próximo de Roma, enviou uma mensagem pessoal aos astronautas, poucos minutos depois de eles pisarem a Lua. Saudou-os poeticamente como «conquistadores da Lua, luz pálida das nossas noites e dos nossos sonhos» e encarregou-os de entregar, nesse local de beleza e de sonho, uma mensagem a Deus: «Levai aí, com a vossa presença viva, a voz do Espírito, o hino a Deus, nosso Criador e nosso Pai».
Às vezes, o homem esquece-se de que é a voz da criação inteira, de que “foi constituído senhor de todas as criaturas terrenas, para as dominar e se servir delas, dando glória a Deus” – como diz o Concílio Vaticano II (“Gaudium et spes”, 12). De que serve ao homem dominar a natureza se não souber captar nela a voz de Deus? Se não fizer dela instrumento de louvor a Deus?
São Paulo descreveu aos romanos esta expectativa do Universo: «A criação aguarda ansiosa a revelação dos filhos de Deus. De facto, a criação foi submetida à vaidade (…), na esperança de ser libertada da escravatura da corrupção, em ordem à liberdade da glória dos filhos de Deus» (Rom., 8, 19-21).
Os últimos Papas têm-se referido muitas vezes a esta tensão, considerando-a especialmente actual. João Paulo II comentava, na sua Encíclica programática: “Não nos convencem a nós, homens do século XX, as palavras do Apóstolo das Gentes, pronunciadas com uma arrebatadora eloquência, acerca da ‘criação inteira que geme e sofre, em conjunto, as dores do parto, até ao presente’ e ‘espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus’, acerca da criação que ‘foi submetida à caducidade’? O imenso progresso (…) no domínio sobre o mundo não revela acaso (…) em grau nunca dantes conhecido aquela multiforme submissão à caducidade? (…) O mundo das conquistas científicas e técnicas, jamais alcançadas, não será ao mesmo tempo o mundo que ‘geme e sofre’ e ‘espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus?’” (“Redemptor hominis”, 8).
Esta vaidade ou caducidade da natureza é toda a máquina decadente que oprime os homens: as armas de guerra que matam, os egoísmos que roubam às crianças uma família de amor em que possam crescer, a ganância que descarta os pobres, os doentes, os imigrantes e suja a água e a atmosfera. São Paulo diz que, por causa desta corrupção, «toda a natureza geme e sofre em conjunto as dores do parto, até ao presente» (Rom., 8, 22).
Numa audiência aos peregrinos, naquele Julho de 1969, a propósito da corrida à Lua, Paulo VI aludiu a este drama cósmico que corre o risco de oprimir o homem. «Toda esta eficácia traz vantagem ao homem? Fá-lo melhor, mais humano? Ou o instrumento aprisiona o homem que o produz e torna-o escravo de um sistema de vida que o instrumento impõe ao seu senhor? Tudo depende do coração do homem». Quanta amargura, nestes gemidos lancinantes do Universo!
Resta-nos a consolação de que Cristo entrou na nossa história «em ordem à liberdade da glória dos filhos de Deus» (Rom., 8, 21). Ao fazer-Se homem e ao redimir-nos, Cristo abriu a porta. Tornou-se, como escreveu São Paulo aos romanos e aos colossenses, o «Primogénito de muitos irmãos» (Rom., 8, 29), o «Primogénito de toda a criação» (Col., 1, 15).
No regresso da viagem, os três astronautas que pisaram a Lua (Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins) conseguiram uma audiência com Paulo VI no Vaticano. Disse-lhes que lhe lembravam «os Reis Magos, viajando atrás de uma estrela, até encontrarem Jesus, Deus feito Homem».
José Maria C.S. André
Professor no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa