Uma vida em prol dos mais desfavorecidos
Por ocasião do 50.º aniversário do assassinato do Padre Carlos Mugica, foi lido um trecho da carta do Papa Francisco durante Missa realizada a 12 de Maio passado, no estádio Luna Park, em Buenos Aires – cerimónia eucarística presidida pelo arcebispo de Buenos Aires, D. Jorge García Cuerva, e concelebrada, entre outros, pelo presidente da Conferência Episcopal Argentina, D. Oscar Ojea, e por monsenhor Gustavo Carrara, vigário geral da Arquidiocese.
Na missiva, o Santo Padre exorta-nos a fortalecer “em cada bairro uma comunidade que se organize para acompanhar a vida do nosso povo” e desafia-nos a lutar contra todos os tipos de injustiça, e a manter um diálogo inteligente com o Estado e a sociedade. Lembra-nos também que não nos devemos deixar levar pela colonização ideológica, nem pela cultura da indiferença. Resumindo: “Pedimos ao Senhor que os princípios da Doutrina Social da Igreja dêem frutos nas nossas comunidades e, através delas, em toda a nação”.
Sublinha ainda o Pontífice que qualquer celebração eclesial é “muito mais do que uma comemoração histórica”; ela é, de facto uma oportunidade para renovar a nossa presença fraterna e comprometida “com aqueles que carregam pesadas cruzes”. Francisco exorta e encoraja-nos, portanto, a continuar a colocar-nos de corpo e alma ao lado “daqueles que sofrem de todos os tipos de pobreza”, a procurar lugares de integração, excluindo aqueles que desqualificam os outros, a colmatar a lacuna existente “não através do silêncio e da cumplicidade, mas olhando nos olhos uns dos outros, reconhecendo os erros e erradicando a exclusão”.
Na homilia que proferiu, o arcebispo de Buenos Aires recordou que o Padre Carlos foi “um Pastor da Igreja que dedicou a sua vida a Jesus e ao Evangelho, na convulsiva e violenta Argentina das décadas de 1960 e 1970”. Depois, inspirando-se numa oração do Padre Mugica, “Meditacion en la villa”, aproveitou para destacar alguns aspectos da realidade que permanecem actuais cinquenta anos depois: a situação das crianças e dos jovens, o tráfico de drogas, a pobreza, o ódio social, os confrontos, a corrupção, o individualismo, a injustiça, a fome…
A fé de Carlos Mugica levou-o à frequente e profunda experiência da oração; aspecto que muitos daqueles que admiravam a sua actividade e bondade não apreciaram. Cinquenta anos depois – lembrou D. Jorge García Cuerva na sua homilia – “viemos pedir a ajuda de Deus, porque reconhecemos, como Carlos, a nossa fragilidade. Não somos heróis. Somos homens e mulheres de fé que queremos ser fiéis ao Evangelho; não podemos fazê-lo sozinhos, e é por isso que, como o Padre Mugica, dizemos: ‘Ajuda-nos, Senhor, não nos deixes cair’”.
O Padre Carlos Mugica (nascido em Buenos Aires a 7 de Outubro de 1930; assassinado a 11 de Maio de 1974) era originário de uma família abastada. Matricular-se-ia na faculdade de Direito, mas logo após uma visita a Roma, “para o Jubileu em 1950”, sentiu a chamada de Deus e entrou para o Seminário. Ordenado sacerdote nove anos depois, passou os primeiros dias de ministério entre as famílias mais desfavorecidas dos bairros populares. Uma vez professor universitário, ficaria famoso pelas suas homilias semanais transmitidas na rádio municipal. Fundou o Movimento dos Padres do Terceiro Mundo e o movimento “Cura Villeros”. As suas posições pessoais e os cargos governamentais que ocupou provocaram as críticas nos jornais argentinos mais conservadores, e inclusivamente de alguns clérigos. Foi até alvo de ameaças à sua vida.
A 11 de Maio de 1974, o Padre Carlos acabava de celebrar Missa quando Rodolfo Almirón, agente da Aliança Anticomunista Argentina (AAA), disparou cinco tiros na sua direcção. Levado com urgência para um hospital próximo, o sacerdote sucumbiria aos ferimentos pouco depois. Dele diria o Papa Francisco: “Foi um grande sacerdote que lutou pela justiça”.
Para comemorar os cinquenta anos da trágica morte do Padre Carlos, uma série de eventos aconteceram durante o designado “Mês de Mugica” subordinado ao lema: “O Padre Mugica vive no coração do seu povo”. Foi também produzido um vídeo sobre a sua vida.
“Naquela noite, há cinquenta anos, depois de celebrar Missa, depois de beber o sangue de Cristo no cálice, o Padre Mugica também derramou o seu sangue pelos seus amigos”, recordou D. Gustavo Carrara, vigário geral da arquidiocese da capital argentina, durante a missa que celebrou a 11 de Maio, na paróquia Cristo Obrero, onde, desde 1999, estão sepultados os restos mortais do sacerdote. No mesmo dia, aconteceu outra celebração na paróquia de São Francisco Solano, no bairro Villa Luro, onde o Padre foi assassinado. “O Padre Carlos Mugica não foi generoso apenas com os mais pobres, foi-o com toda a gente”, disse D. Carrara.
A verdadeira abordagem evangélica não consiste apenas em ser generoso, mas em fomentar a amizade, em partilhar a vida. “É por isso que Padre Carlos deu a vida pelos amigos, deu a vida por este bairro, deu a vida pela causa dos mais pobres e humildes. E esse é o seu legado”, concluiu D. Carrara.
Joaquim Magalhães de Castro