“Senhor, por favor, envie-me alguém”, a história de Zaqueu
“Anyone” é uma música da cantora americana Demi Lovato, uma artista que lutou muito tempo contra o vício e a depressão. A música foi gravada em 2018 apenas quatro dias antes de uma overdose de drogas quase lhe ter sido fatal. Uma vez recuperada, escolheu cantar esta música na 62.ª edição dos Grammy Awards, a 26 de Janeiro de 2020, na que foi a sua primeira apresentação desde o episódio de overdose.
A letra da música descreve primeiro a sua solidão e o desespero (tradução livre de Inglês para Português): “Tentei falar com o meu piano / Tentei falar com a minha guitarra / Falei com a minha imaginação / Confiei no álcool / Contei segredos até a minha voz ficar dorida / Cansada de conversa vazia / Porque ninguém mais me ouve (…) Ninguém me está a ouvir / Sinto-me idiota quando rezo / Então, por que estou a rezar ainda assim? / Se ninguém me está a ouvir”.
Então, de tanto desespero, a música termina com uma oração de “partir o coração”, um pedido de ajuda: “Alguém, por favor, envie-me alguém / Senhor, há alguém? / Eu preciso de alguém… eu preciso de alguém…”.
Acho que todos nós temos este choro dentro do coração. Todos precisamos de um “alguém” que possa entender a fragilidade e a solidão que estão por detrás de uma aparência superficial positiva; um “alguém” que possa ficar ao nosso lado quando lutamos. E precisamos que esse “alguém” seja uma pessoa real, não apenas um produto da nossa imaginação, como Demi Lovato bem expressa na letra da música. Mesmo um Deus vago, relegado a algumas ideias abstractas ou a um moralismo complicado, é inútil para abordar tal profundidade de desespero.
Imagino que Zaqueu, um rígido cobrador de impostos, tivesse a mesma necessidade e a mesma oração no seu coração. Ouviremos a sua história no Evangelho deste Domingo (Lc., 19, 1-13).
Aparentemente, Zaqueu tinha poder e dinheiro suficientes para aproveitar a vida. Na realidade, poderá ter sentido um vazio, dentro do qual nada nem ninguém o poderia preencher, nem mesmo os religiosos piedosos que o julgavam um pecador impuro e irredimível. Mas naquele dia, apesar do seu status, não teve vergonha de subir a um sicómoro só para ter um vislumbre de Jesus. Talvez a mesma oração tenha explodido no seu coração: “Alguém, por favor, envie-me alguém / Senhor, há alguém? / Eu preciso de alguém… eu preciso de alguém…”. Esse “alguém” era, de facto, Jesus.
Um olhar foi suficiente para Jesus ver claramente o coração de Zaqueu e ouvir a sua oração, e para que Zaqueu aceitasse com alegria o convite de Jesus: «Zaqueu! Desce depressa, pois preciso ficar hoje em tua casa». Ele sentiu que Jesus, ao contrário de outras pessoas, havia visto muito para além dos seus pecados e erros, e o seu novo eu poderia finalmente emergir. Um futuro diferente era então possível.
Sabemos o resto da história. Jesus nem precisou de o repreender ou de avisá-lo sobre a necessidade de reparar os seus pecados. O próprio Zaqueu, tocado pela misericórdia de Deus, tornou-se uma pessoa misericordiosa: «Então, Zaqueu tomou a palavra e comunicou a Jesus: “Eis a metade dos meus bens Senhor, que estou doando aos pobres; e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais!”». Jesus concluiu:«Hoje, houve salvação nesta casa, pois este homem também é filho de Abraão. Porquanto o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido» (Lc., 19, 8-10).
É uma história tocante sobre uma pessoa transformada por Jesus, alguém que finalmente encontra a graça de Deus e o seu verdadeiro Eu. Razão para acreditar que uma nova vida é verdadeiramente possível a qualquer momento.
Mas se este Evangelho permanece apenas como uma história do passado, será assim tão útil como resposta ao nosso próprio grito de solidão e desespero. Como Zaqueu, também nós precisamos “hoje” de encontrar um “alguém”, de carne e osso, que possa olhar para nós com o mesmo olhar amoroso de Jesus, que abranja todas as nossas dores e abra novas portas para o nosso futuro.
É por isso que Jesus continua a “encontrar” – quando “procurado” – homens e mulheres de todas as épocas através da Igreja, Seu Corpo, feito de pessoas concretas como eu e o leitor que, como Zaqueu, às vezes experimentamos o poder transformador da misericórdia de Deus; porque “alguém” olhou para nós e nos abraçou com a mesma atitude misericordiosa de Jesus. Pode ser um membro da família, um professor, um amigo, um colega de trabalho, um médico, ou simplesmente um companheiro cristão no lugar certo, à hora certa. O nosso coração reconhece Jesus no Outro. Se eu olhar para trás, no que já foi a minha vida, sei que esse “alguém” me salvou literalmente de me perder.
O Cristianismo não é apenas a memória de eventos passados há muito tempo ou a repetição verbal de algumas doutrinas. É a possibilidade, dada a mim e a todos, de experimentar a presença de Cristo aqui e agora, nas circunstâncias actuais – por mais trágicas que sejam – através das palavras, das acções e das escolhas.
Eu sei que a Igreja é feita de pessoas muito humanas e muito pecadoras, como eu e Zaqueu. Mas mantenhamos os olhos abertos. Jesus pode vir ao seu encontro hoje, através de “alguém”. Não deixe de acreditar. E quem sabe, se hoje o leitor pode até ser o “alguém” por meio de quem um irmão ou irmã desesperados experimentarão a misericórdia de Deus. Acredite também nisso!
Pe. Paolo Consonni, MCCJ