De perdidos a salvadores
Conheço a sensação de estar perdido na vida, a tristeza de já não ter um lugar a que chamar “casa” e de não saber o que fazer a seguir. É uma experiência assustadora que pode paralisar qualquer pessoa. Por vezes perdemo-nos na vida devido a problemas externos ou à má influência de outros. Outras vezes porque seguimos um perigoso rasto de pensamentos ou agimos sobre pressupostos imprecisos. Depois descobrimos que existem de facto lugares muito escuros e labirintos extremamente intrincados dentro das nossas mentes e corações, dos quais só Deus nos pode salvar.
Perder na vida nunca é simplesmente uma questão pessoal porque a nossa desorientação afecta grandemente as nossas relações, especialmente as familiares e outras próximas. Torna-se, pois, também um problema social. Sociedades inteiras e mesmo civilizações podem perder a sua orientação moral. A História ensina-nos que houve períodos em que comunidades e nações inteiras decidiram enveredar pelo caminho da destruição. Nos últimos anos, a forma como emergências sanitárias, conflitos internacionais, perigos nucleares e a crise climática – para mencionar apenas algumas questões recentes – têm sido tratadas, faz-me pensar se não nos estaremos a perder mais uma vez. O Papa Francisco comentou recentemente, com tristeza: “Ressaltamos que […] se verifica uma deterioração da ética, que condiciona a actividade internacional, e um enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade. Tudo isto contribui para disseminar uma sensação geral de frustração, solidão e desespero, […] nascem focos de tensão e se acumulam armas e munições, numa situação mundial dominada pela incerteza, pela decepção e pelo medo do futuro e controlada por míopes interesses económicos. Assinalamos também as graves crises políticas, a injustiça e a falta duma distribuição equitativa dos recursos naturais. […] Perante tal panorama, embora nos fascinem os inúmeros avanços, não descortinamos um rumo verdadeiramente humano” (Fratelli Tutti29).
Este Domingo iremos ler três fortes parábolas no Capítulo 15 do Evangelho de Lucas, todas elas centradas no tema de “estar perdido e ser encontrado”. Os objectos das histórias são a ovelha perdida, a moeda perdida e o filho perdido. Todos simbolizam a “peça que falta”, sem a qual os seres humanos carecem de sentido, direcção, pertença ou propósito. Ansiamos por um amor que possa abraçar as nossas vidas dispersas e torná-las inteiras novamente (a ovelha perdida reunida com as outras). Um amor que nos pode ajudar a recuperar o valor do que somos e do que fazemos (a moeda perdida). Um amor que pode redimir os nossos erros passados e oferecer um novo começo num lugar a que podemos chamar casa (o filho perdido).
Mas o verdadeiro protagonista das três parábolas, no entanto, não é “o perdido” mas “o encontrado”. O pastor tem a coragem de deixar as 99 ovelhas no deserto para encontrar a perdida, a mulher procura diligentemente no escuro a preciosa moeda, o pai sai à pressa para acolher ambos os filhos: primeiro o jovem rebelde de regresso a casa, e depois o filho mais velho ressentido, que não se quer juntar à festa.
Deus é aquele que procura, por isso esperamos que encontre cada um de nós. Como é consolador saber que no fim das nossas tortuosas experiências de vida, em que facilmente nos perdemos, só a alegria permanecerá no coração de Deus. Toda a dor e as lágrimas causadas pelo nosso estilo de vida egoísta, narcisismo espiritual, rigidez moral ou rebelião teimosa para com Deus – as causas habituais do nosso espanto – irão derreter-se na felicidade da celebração: «Porém, nós tínhamos que celebrar muito à volta deste teu irmão e regozijarmo-nos, porque ele estava morto e reviveu, estava sem esperança (perdido)e foi salvo (encontrado)!» (Lc., 15,32). Só a alegria permanecerá no final. E a celebração tem de ser comunitária uma vez que, como membros da família humana, os nossos destinos estão todos interligados. Tudo será redimido pelo amor misericordioso de Deus, se permitirmos que Deus nos encontre.
É por isso que a busca é contínua. Deus continua a busca da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho perdido através de nós, a Igreja. É uma missão que a Igreja não pode descartar, porque está no cerne da sua existência. Recordo uma passagem comovente da primeira Encíclica de São João Paulo II, Redemptor Hominis: “A Igreja não pode abandonar o homem, cuja ‘sorte’, ou seja, a escolha, o chamamento, o nascimento e a morte, a salvação ou a perdição, estão de maneira tão íntima e indissolúvel unidos a Cristo. […] Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes aquilo que não quer e não realiza o que desejaria fazer. […] É este homem assim que é a via da Igreja; via que se encontra, de certo modo, na base de todas aquelas vias pelas quais a Igreja deve caminhar: porque o homem — todos e cada um dos homens, sem excepção alguma — foi remido por Cristo; e porque com o homem — cada homem, sem excepção alguma — Cristo de algum modo se uniu, mesmo quando tal homem disso não se acha consciente” (RH14).
Todos os homens e mulheres, sem excepção alguma, são procurados por Cristo através da Igreja, incluindo eu e vós, por muito perdidos que estejamos. Esperando que uma vez achados, possamos, nós mesmos, tornarmo-nos “buscadores”, pois ninguém se salva sozinho.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ