O ano de todos os perigos.
Donald Trump na presidência dos Estados Unidos; o Reino Unido a sair da União Europeia; já foram as eleições na Holanda, segue-se a França e a Alemanha. 2017 é o ano de todas as incertezas e de todos os riscos. O maior de todos é o da ascensão de forças políticas extremistas a posições de poder na Europa.
O futuro da União Europeia pode depender muito do que se irá passar em 2017. Três dos seus países fundadores atravessam processos eleitorais este ano e há fortes probabilidades de partidos e candidatos de extrema-direita alcançarem votações muito expressivas, ou até mesmo formarem Governo.
Essa hipótese é especialmente forte em Franca, que terá eleições presidenciais a 23 de Abril (1.ª volta) e 7 de Maio (2.ª volta), seguindo-se pouco depois eleições legislativas. Algumas sondagens colocaram Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional, de extrema-direita, virtualmente empatada no primeiro lugar com o candidato do centro-direita, François Fillon.
Caso Le Pen chegue à presidência, ela convocará um referendo sobre a permanência da França na União Europeia. A sua opinião sobre o tema não podia ser mais clara: «Sim, é possível mudar as coisas», disse em Setembro do ano passado. «Olhem para os britânicos, eles escolheram o seu destino e escolheram a independência… Podemos ser outra vez um povo livre, orgulhoso e independente».
Outro dos pontos muito claros do programa eleitoral de Marine Le Pen e da Frente Nacional é o que diz respeito aos imigrantes – pelo menos aqueles de origem não europeia. Para além de fechar as fronteiras a novas entradas, Le Pen propõe também a retirada de direitos e benefícios aos imigrantes que já estão em Franca, especialmente os que estão em situação ilegal.
Exemplo disso é a proposta que apresentou em Dezembro passado para que os filhos dos estrangeiros não legalizados deixem de ter direito a educação gratuita. Nessa altura, Le Pen avisou: «Se vêm para o nosso país, não esperem que nós tomemos conta de vocês, que vos tratemos (no nosso sistema de saúde) e que os vossos filhos sejam educados de graça».
Noutros tempos, dir-se-ia que posições como estas eram não só extremistas como claramente minoritárias entre o eleitorado, mas essa já não é a realidade – longe disso. Uma sondagem realizada há pouco mais de um ano indicou que mais de 60 por cento dos franceses estavam a favor de que se acabasse com a assistência médica gratuita para os imigrantes ilegais. Um ano depois, outra sondagem mostrou que 62 por cento dos inquiridos não querem que a França receba refugiados da Síria.
Esta situação empurrou os partidos tradicionalmente mais moderados para posições cada vez mais próximas daquilo que a Frente Nacional defende; Le Pen, por seu lado, adoptou um discurso mais polido e menos agressivo do que aquele que era praticado pelo seu pai, Jean-Marie Le Pen, o fundador do seu partido. A aproximação programática entre esta extrema-direita mais “civilizada” e as outras forças do espectro político tende a esbater diferenças entre elas e a tornar menos repulsivo o voto na Frente Nacional.
Assim sendo, não admira que seja cada vez mais provável que Marine Le Pen passe à segunda volta das eleições presidenciais e que tenha uma boa possibilidade de as ganhar. Essa poderá ser ainda maior se a Franca continuar a ser alvo de ataques terroristas, que tendem a exacerbar os sentimentos anti-islâmicos na população.
A Alemanha, que terá eleições legislativas em 2017, vive uma situação que tem algumas semelhanças com a francesa, mas que diverge desta em aspectos fundamentais. O primeiro é que, ao contrário do que acontece em França, onde o Presidente Hollande está tão desprestigiado que nem sequer se atreveu a tentar a reeleição, a Chanceler Angela Merkel, do partido democrata-cristão CDU-CSU, continua a ter um forte apoio entre os alemães. Tão forte, aliás, que tudo indica que será reeleita para um quarto mandato à frente do Governo. As sondagens mais recentes dão uma clara intenção de voto no seu partido, a vários pontos percentuais da segunda força mais votada, os sociais-democratas do SPD.
Outra diferença entre a França e a Alemanha é que a Frente Nacional não tem um equivalente directo alemão, quer em termos de popularidade, quer em termos de propostas políticas. A Alternativa para a Alemanha (AfD) tem tido um grande crescimento e está em terceiro lugar nos estudos de opinião, mas tem poucas ou nenhumas perspectivas de poder assumir uma posição de poder, mesmo tendo em consideração que a CDU-CSU quase certamente terá de fazer uma coligação de Governo.
Além disso, a AfD assume-se como pró-europeia, muito embora defenda o fim do euro e esteja contra os resgates financeiros a países como Portugal e Grécia. No que é muito semelhante à Frente Nacional é na retórica anti-imigrantes, anti-refugiados e anti-Islão.
Se a AfD conseguir o grande resultado que se antevê nas eleições de Outubro, o cenário político alemão irá fatalmente transformar-se e nem Angela Merkel conseguirá evitar que a malha se vá apertando cada vez mais para os estrangeiros que querem fazer da Alemanha a sua casa.
Enquanto isso, a Holanda já foi a votos. O Partido para a Liberdade (PVV), liderado por Geert Wilders, foi a segunda força mais votada, tendo conquistado vinte assentos no parlamento dos Países Baixos. Apesar de Wilders se distanciar publicamente de partidos mais extremistas, a verdade é que muitas das suas propostas são iguais ou semelhantes às de forças como a Frente Nacional francesa. Tal como esta, também ele é contra a União Europeia e defende controlos muito apertados sobre a população islâmica.
Por a Holanda ser um país relativamente pequeno, há uma certa tendência para desvalorizar a importância dos resultados eleitorais que ali ocorrem. Nada mais errado. Se o PVV tivesse vencido as eleições e Geert Wilders chegasse a Primeiro-Ministro, a Europa sofreria um enorme choque, de consequências imprevisíveis. Se a Holanda, país tolerante e liberal por excelência, tivesse optado por inverter o rumo que tem seguido desde pelo menos 1945, o que seria do resto da Europa?
E o Brexit ainda nem sequer começou…
ROLANDO SANTOS
Família Cristã – Texto editado