“Cristo, pão da vida” e os Jogos Olímpicos
A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 apresentou uma cena particular com “drag queens” e dançarinos alinhados ao longo de uma longa mesa. Alguns espectadores acharam que se assemelhava desrespeitosamente à obra “A Última Ceia” de Leonardo da Vinci. Os organizadores, de forma não muito convincente, esclareceram que a cena se referia a deuses gregos reunidos num banquete com Dionísio, o deus do vinho, da fertilidade e do êxtase, e que se destinava a celebrar a diversidade e a inclusão.
Coincidentemente, enquanto esta polémica explodia nos Meios de Comunicação Social, os Evangelhos de Domingo continuavam a propor o tema “Cristo como pão da vida”. Jesus não é certamente contra os banquetes e a inclusão: o seu primeiro milagre foi transformar a água em vinho e juntou-se muitas vezes aos pecadores nos banquetes. Também utilizou a metáfora do banquete para explicar o Reino dos Céus. Mas a comida que ele está a oferecer é certamente diferente de um banquete de bacanal que envolve indulgência na comida, na bebida e na folia.
O bispo D. Robert Barron, dos Estados Unidos, salientou um contraste fundamental entre as representações das divindades nas mitologias antigas e a compreensão cristã de Deus. Os deuses gregos eram frequentemente retratados como seres poderosos que se envolviam em comportamentos violentos e caprichosos. Eram imprevisíveis e por vezes malévolos, personificando a natureza caótica e brutal da vida. O Cristianismo, pelo contrário, apresenta um Deus caracterizado pelo amor, pelo perdão, pela compaixão e pela não-violência. Este Deus, tal como revelado na pessoa de Jesus Cristo, encarna um compromisso com a paz e a reconciliação, contrastando fortemente com os deuses frequentemente violentos e retributivos dos mitos antigos.
De qualquer modo, a alimentação consumida pelos atletas na preparação das suas competições está longe de ser um banquete de luxo, pois é meticulosamente medida e adaptada para optimizar o seu desempenho. A disciplina necessária para aderir a estas orientações alimentares rigorosas reflecte a fortaleza mental necessária para se destacar no desporto. Quando o nosso apetite é posto à prova, também o é a nossa vontade de perseverar.
As leituras deste Domingo podem ser lidas neste contexto. Na Primeira Leitura, Elijiah, assustado e exausto, é tentado a desistir da sua missão e a pôr termo à sua vida. Um anjo dá-lhe um bolo cozido em pedras quentes e um jarro de água. Disse a Elijiah: “Levanta-te e come, senão a viagem será demasiado longa para ti”. Elijias levantou-se, comeu e bebeu; “depois, fortalecido por esse alimento, caminhou quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus” (1Reis 19, 4-8). Aí, Elijia encontrou o Senhor e recuperou a força e a motivação para continuar a sua missão. Somos feitos de matéria e espírito: Elijia precisava de ser alimentado, mas também de palavras de encorajamento. Deus preparou-lhe a dieta certa para o acompanhar na sua viagem.
No Evangelho (João 6, 41-51), os judeus mencionam o “maná”, o alimento que Deus lhes enviou para sustentar a sua longa viagem rumo à liberdade. Viam no maná o sinal do cuidado amoroso de Deus nos momentos de necessidade e a expressão concreta da Aliança que Deus fez com eles. Mas não foi fácil para o Povo de Israel aceitar as exigências desta Aliança, que requer honestidade, disciplina e perseverança. É interessante notar que a sua dificuldade em aceitar estas exigências começou por se queixar da sua alimentação: “Lembramo-nos dos peixes que comíamos de graça no Egipto, dos pepinos, dos melões, dos alhos-porros, das cebolas e dos alhos; mas agora as nossas forças secaram, e não há senão este maná para ver. (…) Detestamos esta comida miserável!” (cf. Nm., 11,5-6; 21,5) Aquela geração não estava preparada para entrar na terra prometida, a “medalha de ouro” de todo o caminho espiritual e símbolo da verdadeira liberdade.
No Evangelho deste Domingo, Jesus propõe-Se a Si próprio como o alimento que nos permite cumprir a Aliança e ganhar vida e liberdade. Ele convida-nos a alimentarmo-nos do seu amor, do seu perdão e da sua misericórdia. Os judeus eram bastante cépticos em relação à dieta proposta por Jesus: “Eu sou o pão vivo da vida” (Jo., 6, 48-51). No entanto, aqueles que a experimentaram, como São Paulo na Segunda Leitura, asseguram-nos que esse alimento é delicioso: «Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados, e vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou por nós em sacrifício a Deus, como aroma perfumado». (Ef., 5, 2). O “aroma perfumado” é a primeira caraterística de uma cozinha requintada.
A carta aberta que a Santa Sé enviou aos atletas dos Jogos Olímpicos emana o “aroma perfumado” de Cristo. Nela se diz que os atletas devem encarnar os verdadeiros valores do desporto: paixão, inclusão, fraternidade, espírito de equipa, lealdade, redenção, empenho e sacrifício. O desporto é um percurso de vida que nunca se faz sozinho e deve manter o espírito amador da gratuidade, esse estilo de simplicidade que trava a busca desmedida do dinheiro e do sucesso a todo o custo. Os Jogos Olímpicos, diz a carta, “podem ser estratégias de paz e antídotos para os jogos de guerra. Para ganhar, todos devem trabalhar em conjunto e a medalha ganha é a da fraternidade”. É este o banquete de que a Humanidade tem fome.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ