Pedir, Procurar, Bater: a “audácia desavergonhada” da oração
«Pedi, e vos será concedido; buscai e encontrareis; batei e a porta será aberta para vós» (Lc., 11, 9)
Há muitos anos vi uma comédia, Evan Almighty, a história da luta interna de um político em crer e obedecer a Deus para que o mundo se pudesse tornar um lugar melhor.
Lembro-me particularmente de um diálogo. A mulher deste político orou fervorosamente a Deus para que ela, o seu marido e os seus filhos se tornassem mais próximos uns dos outros, como uma família. Logo depois, porém, os problemas começaram a afectar a carreira do marido e o seu relacionamento enquanto casal, pelo que sentiu que a sua oração não fôra ouvida. Incapaz de lidar com os problemas do marido, a esposa decidiu, a certa altura, deixá-lo. Enquanto estava a comer num restaurante, Deus apareceu-lhe, na forma de empregado de mesa, que ao se aperceber da sua ansiedade a questionou, procurando saber se estava bem.
Depois de ouvir a sua dolorosa história, o seu desapontamento por Deus não ter, aparentemente, respondido à sua oração, aquele respondeu: «Se alguém orar por paciência, acha que Deus dá-lhe paciência? Ou Deus dá-lhe a oportunidade de ser paciente? Se uma pessoa rezou por coragem, Deus dá coragem àquela pessoa, ou dá-lhe a oportunidade de ser corajoso?». Depois, sabendo Deus que a oração tinha como propósito tornar aquela família melhor, acrescentou: «Se alguém rezou para que a sua família fique mais próxima, acha que Deus os presenteia com sentimentos difusos, ou dá-lhes a oportunidade de se amarem uns aos outros?».
A mulher entendeu e voltou para casa a fim de apoiar o marido. Foi então que se apercebeu que o enfrentar dos problemas familiares era a oportunidade para que toda a família crescesse no amor e na fé…; e o marido contribuiu para que o mundo se tornasse um lugar bem melhor.
«Digo-vos, pedi e ser-vos-á dado»; «procurai e achareis»; «batei e abrir-se-vos-á»; «porque todo aquele que pede, recebe»; «quem procura, encontra, e ao que bate, abrir-se-á». Estas palavras de Jesus, extraídas do Evangelho deste Domingo (Lucas 11:1-13), são tanto uma garantia, como também um teste à Fé. Rezámos durante muito tempo para que a pandemia terminasse. Rezamos agora para que a guerra na Ucrânia possa acabar em breve. E, certamente, muitos de nós também estamos agora a rezar para que a Economia recupere, para que as doenças que nos afectam sejam curadas e os nossos relacionamentos, uma vez “estragados”, sejam consertados. Contudo, parece que as mudanças tardam em chegar. Será que Deus não nos está a ouvir? Será que a nossa fé é insuficiente? Será que estamos a pedir de forma errada?
Estas são perguntas legítimas. A oração é uma das expressões mais básicas e espontâneas da natureza humana e, no entanto, parece que nada pode ser dado como garantido no modo como nos relacionamos com Deus. Não admira que o Catecismo da Igreja Católica descreva, por duas vezes, a oração como um “drama”; um drama que se desenrola, com voltas e mais voltas, ao longo da História da Salvação (CIC nos 2567 e 2598). A oração é um drama porque é um apelo recíproco: na oração, Deus chama a Humanidade a escutar e, por sua vez, clamamos a Ele. Há uma urgência dramática na oração porque as nossas necessidades são também urgentes, mas também há atrasos porque Deus tem um tempo diferente. Portanto, persistência, ou como o Evangelho de hoje o descreve, “audácia desavergonhada”, é um aspecto importante neste drama.
A oração é dramática porque é uma luta; a nossa luta para obter de Deus o que queremos, e a luta de Deus para convencer os nossos corações a confiar n’Ele porque Ele sabe do que precisamos. Na verdade, muitas vezes tentamos manipular Deus, tal como a mãe do João e do Jaime a tentar condicionar as suas carreiras, ou tal como o publicano que tenta entender Deus acerca da Sua própria justiça. Quando tal acontece, Deus responde com silêncio, desolação e desafios que desvendam os nossos esquemas e dá-nos a possibilidade para ajustarmos os nossos pedidos. Mas, afinal, o que realmente queremos e precisamos de Deus?
Quando os discípulos pediram a Jesus que os ensinasse a rezar, Ele implicitamente respondeu a esta pergunta. Mais do que simplesmente dar uma fórmula ou um método, Jesus partilhou connosco a Sua relação com “Abba’, Pai’”, um Deus que é Todo-Poderoso e ao mesmo tempo atento a cada detalhe das nossas vidas: «Quando rezares, dizei: Pai…» (Lc., 11, 2).
“Ser pai implica introduzir as crianças na vida e na realidade. Não as segurando, sendo super-protector ou possessivo, mas sim tornando-as capazes de decidir por si próprias, desfrutando da liberdade e explorando novas possibilidades” (Papa Francisco, Patris Corde 7). Mais do que um Deus que resolve os nossos problemas e poupa-nos dos desafios da vida, precisamos de um Deus que nos acompanhe e nos guie enquanto os enfrentamos; e nos ajude a crescer através deles. Precisamos de um Deus que, como um bom Pai, garanta que tenhamos o nosso pão de cada dia, mas também que o partilhemos com os nossos irmãos e irmãs. Um Pai que nos assegure que tenhamos um lar para voltar quando nos “desviarmos”.
Vamos continuar a pedir, procurar e bater. O Espírito Santo ser-nos-á certamente concedido para podermos assegurar que todos os aspectos da nossa vida, incluindo o Covid-19, para além de todos os outros problemas, possam tornar-se numa oportunidade para crescermos na fé e, no processo, para ajudarmos o mundo a tornar-se num lugar também melhor.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ