16º DOMINGO COMUM – Ano C – 17 de Julho

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Marta, Maria e como encarar o teste Covid

Os meus passos apressados, a vontade de “fazer rápido”, a impaciência de estar na fila traem a ansiedade que sinto ao fazer os testes Covid (NAT), que se vão realizando por toda a cidade. A verificação compulsiva das notícias de última hora no meu telemóvel é outro sinal de que esta onda de Covid, a ameaça de confinamento total e a mudança repentina do ritmo de vida me desequilibraram. São realmente tempos “stressantes”.

Acredito que o “stress” também seja um dos principais temas da história de Marta e Maria no Evangelho deste Domingo (Lc., 10,38-42), mais do que a contraposição entre oração e acção. Marta fez o certo: alguém precisava de trabalhar para bem receber Jesus em sua casa. Maria não o fez e os homens geralmente são inúteis nestas circunstâncias. Daí que Marta tenha carregado o fardo nos seus ombros.

O temperamento de Marta pode ter contribuído para causar descontentamento. Parece ser uma pessoa com um forte sentido de responsabilidade e justiça (todos devem fazer um pouco), alguém que gosta de ter tudo em ordem e sob controlo. No entanto, não é o seu temperamento o ponto principal da história.

Há sinais de que algo não estava bem “dentro” dela. Parece ansiosa, sobrecarregada, ressentida, isolada e incapaz de controlar os seus sentimentos. Todos estes são sintomas de “stress”. O “stress” é, de facto, algo que nos pode afectar, não importa o nosso temperamento. Quando estamos “stressados”, não há como nos concentrarmos na tarefa que estamos a realizar, e muito menos gostar de executá-la. Ficamos tão absorvidos com os nossos sentimentos negativos, que não podemos avaliar adequadamente as situações e exageramos facilmente perante um determinado pormenor. Corpo e mente estão sintonizados para que não sintamos sensações desconfortáveis. Contudo, sentimo-nos sós. Estamos cada vez mais familiarizados com este sintoma.

Na verdade, Jesus não repreendeu Marta. Pelo contrário, Ele agiu com misericórdia e de forma terapêutica, a fim de curar o seu mal-estar. Primeiro, chamou-a pelo seu nome duas vezes, para que ela pudesse entender a dimensão do momento que iria vivenciar. Então, Jesus falou-lhe de forma assertiva, mas gentil, sobre o estado em que esta se encontrava (“Estais ansiosa e preocupada com muitas coisas”), para que pudesse ver mais claramente.

Depois, Jesus mostrou a Marta que havia algo em Maria que também a iria ajudar, se quisesse encontrar novamente paz e bem-estar (“Só falta uma coisa. Maria escolheu a melhor parte…”).

E qual foi essa “melhor parte” escolhida por Maria? Jesus não o descreveu de forma explícita. Contudo, a quietude de Maria sentada aos pés do Salvador, a sua atitude de escuta e o seu foco na pessoa de Jesus indicara estar totalmente embrenhada no momento presente, com o corpo e alma em harmonia, com o seu eu interior aberto a Jesus. É a oração no seu sentido real: não como apenas mais uma tarefa a ser cumprida ou um dever a ser cumprido, mas como uma “relação viva” (活生生的關係). É o que chamamos de “contemplação”: “A contemplação é a expressão simples do mistério da oração. É um olhar de fé fixo em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um amor silencioso” (CIC nº 2724).

O verdadeiro convite de Jesus a Marta é para que mantenha o estado contemplativo de Maria, mesmo enquanto trabalha e se ocupa com os muitos assuntos em questão.

Na Ásia, muitas vezes somos expostos à prática budista da “atenção plena”. Executar as tarefas com “atenção plena” significa realizar cada acção, mesmo as mais comuns, como escovar os dentes ou cozinhar, com a clara consciência do que está a acontecer aqui e agora, dentro e fora de nós mesmos, aceitando pacificamente tudo o que acontece. No Budismo, tal é alcançado principalmente através da prática da meditação e da respiração consciente.

Na nossa tradição católica, a “atenção plena” – e a paz que dela deriva – brota da percepção de estarmos sempre na presença amorosa de Deus, porque a oração cristã é sempre relacional (de relação com Deus). A respiração consciente, a recitação de ladainhas ou a simples “elevação da mente e do coração a Deus” (CIC 2556) podem-nos ajudar a ser “contemplativos na acção” e não deixar que as emoções fortes nos dominem.

O Catecismo, por exemplo, sugere que “a invocação do santo Nome de Jesus é o caminho mais simples da oração contínua. […]. Esta [oração] é sempre possível porque não constitui uma ocupação a par de outra, mas é a ocupação única, a de amar a Deus, que anima e transfigura toda a acção em Cristo Jesus” (CIC nº 2668). A oração deverá estar sempre presente mesmo quando realizamos as habituais tarefas domésticas e profissionais.

Assim, Maria ensinou-me uma lição. Ao caminhar para o centro de testes, tento agora andar com mais calma. Enquanto espero na fila, respiro devagar, sinto a presença (e as preocupações) das outras pessoas que na fila estão comigo, o cansaço dos trabalhadores, e faço uma pequena oração por todos eles. Ao ter essa consciência, experiencio Jesus e a Sua Misericórdia ao meu redor e fico em paz. Dentro de mim, Marta e Maria podem finalmente reconciliar-se uma vez mais.

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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