Festa dos Tabuleiros é candidata a património da UNESCO
A Festa dos Tabuleiros, ou Festa do Divino Espírito Santo, é uma festa tradicional, de matriz religiosa, que acontece na cidade de Tomar, em Portugal, a cada quatro anos, no início do mês de Julho. É a festa mais importante da região de Tomar, sendo um dos eventos mais antigos desta região, com uma história plurissecular. Em 2019, a Procissão (ou Desfile) dos Tabuleiros, momento alto da festa, atraiu cerca de seiscentos mil visitantes; é um dos eventos que congrega maior número de pessoas em Portugal. No género, é também um dos maiores festivais do mundo. É, pois, um dos símbolos de Portugal, uma das suas imagens de marca, no turismo como na cultura e na história, estando em fase de candidatura a classificação pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Na realidade, a festa inicia-se no Domingo de Páscoa com a Festa das Coroas, decorrendo depois uma série de cerimónias em dias marcados até ao mês de Julho. É famosa pelas suas procissões coloridas e cerimónias religiosas. O ponto alto da celebração é a “Mordomia dos Tabuleiros”, um cortejo organizado com centenas de mulheres, vestidas na forma tradicional, a carregarem tabuleiros ornamentados com flores e pães pelas ruas da cidade. Os tabuleiros são empilhados na cabeça das mulheres, formando uma impressionante torre, com um peso considerável (uma arroba, ou quinze quilogramas), o que exige grande equilíbrio ao longo de cinco quilómetros, sob bastante calor. Esta tradição é vista como uma forma de agradecimento pela bênção das colheitas e também uma homenagem ao Espírito Santo.
A origem da festa é medieval. É provavelmente uma das mais antigas festas portuguesas. Radica nas chamadas “Festas do Imperador”, dentro do culto do Espírito Santo. Estas foram regulamentadas por D. Dinis e pela Rainha Santa Isabel, portanto, antes de 1325 (morte do monarca). A santa rainha terá sido, reza a tradição, a responsável pela roupagem cristã das festas. Estas são, de facto, a cristianização das antigas festas pagãs das colheitas, ou das primícias, que eram entregues à deusa da agricultura entre os romanos, Ceres. Faziam parte também dos cultos de fertilidade anteriores ao Cristianismo, embora tenham perdurado até à Idade Média, quando se revestiram de cerimónia religiosa. Uma das particularidades desta festa, comum às Festas do Divino Espírito Santo que se celebram nos Açores, são o bodo e a ceia comum, práticas que também remontam ao culto da deusa Ceres.
O culto do Espírito Santo, de matriz tardo-medieval, viria a definir a ambiência e práticas religiosas que dão forma e sentido à Festa dos Tabuleiros nos últimos séculos. A forma actual foi moldada pela regulamentação implementada pelo Concílio de Trento (1545-1563). O Concílio condenou então a cerimónia religiosa de entrega de oferendas ao Espírito Santo pelas suas reminiscências pagãs. No Século XIX encontram-se referências às Festas do Espírito Santo. Até 1895, o cortejo, anual, tinha lugar à sexta-feira, por volta do dia 20 de Junho. Depois de 1914, passou a fazer-se ao Domingo.
Da festa fazem parte várias cerimónias, por esta ordem: Cortejo das Coroas, Cortejo dos Rapazes (réplica do corte dos tabuleiros, mas feito por crianças e com outras dimensões), Cortejo do Mordomo (também apelidado de Chegada dos Bois do Espírito Santo), abertura das Ruas Populares Ornamentadas (no centro histórico da cidade), Cortejos Parciais (desfile de tabuleiros por freguesia), jogos populares, e Cortejo dos Tabuleiros e Bodo (ou Pêza). Este último, o Bodo, é uma refeição “sagrada” instituída pela Rainha Santa Isabel, com partilha de alimentos – pão, carne e vinho – pelos mais necessitados. Ocorre no dia seguinte ao Desfile dos Tabuleiros e marca o fim da festa.
No Cortejo dos Tabuleiros podem detectar-se facilmente os símbolos do Espírito Santo. Em cada tabuleiro, temos no topo do mesmo a pomba e a coroa, depois, de cima a baixo, os pães enfiados em cana (o povo confere-lhes virtudes milagrosas), flores de papel (a tradição aponta para as papoilas e malmequeres) e, ainda, espigas. Havia antigamente uma tradição do sacrifício dos bois, cuja carne seria depois distribuída pela população, que se manteve até 1895. Os bois regressaram ao Cortejo do Mordomo, em 1966, mas de forma simbólica, apenas.
Hoje em dia, a Festa dos Tabuleiros tornou-se numa grande romaria popular, um grande cartaz nacional, e não só, com um carácter cíclico que acentua a espera, a expectativa e curiosidade pela próxima edição, além do esmero de quem a prepara nas várias facetas.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa