O futuro começa agora
A Região Administrativa Especial de Macau celebra este Domingo 21 anos de existência e, pela primeira vez em mais de duas décadas, realismo é a palavra de ordem. O primeiro ano de mandato de Ho Iat Seng como Chefe do Executivo foi pautado quase que por inteiro pela gestão da crise de saúde pública decorrente da pandemia do Covid-19. O líder do Governo passou o teste com distinção, mas o pior pode ainda estar para vir, dizem analistas ouvidos pel’O CLARIM.
É uma RAEM com os pés fincados no chão e envolta num véu de incerteza, aquela que entra no próximo Domingo no seu 21.º ano de vida. Macau devia ter-se tornado em 2020 a cidade com o maior rendimento per capita do mundo, mas a pandemia do Covid-19 trocou as voltas ao Governo e aos principais agentes económicos do território, inviabilizando as previsões do Fundo Monetário Internacional. De potencial cidade mais rica do mundo, 2020 despromoveu Macau ao estatuto de economia que mais sofreu com a pandemia na região da Ásia-Pacífico. De acordo com um relatório divulgado esta semana pela Organização Internacional do Trabalho, o Produto Interno Bruto de Macau foi o que mais se afundou entre as economias dos trinta países e territórios analisados pela agência da ONU: o nosso PIB conheceu uma contracção de mais de sessenta por cento, mais do que o dobro do tombo registado pelas Maldivas, país que surge na segunda posição na lista da OIT.
Uma gestão rápida e incisiva por parte do Governo nos alvores da pandemia ajudou a suavizar o impacto que o Covid-19 teve sobre a população e garantiu a Ho Iat Seng níveis de popularidade nunca vistos em Macau. A 24 de Janeiro, dois dias depois do primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus ter sido detectado pelos Serviços de Saúde, o Chefe do Executivo anuncia um plano de distribuição de máscaras a preços simbólicos através de uma rede comparticipada de farmácias, garantindo que nenhum residente ficaria privado de protecção. No entanto, a medida que agigantou Ho Iat Seng aos olhos da população surgiu a 4 de Fevereiro, quando o Chefe do Executivo ordenou a suspensão do funcionamento dos casinos por um período de catorze dias. «O período inicial da pandemia foi aquele em que Ho Iat Seng esteve melhor. Demonstrou que possui uma liderança carismática. É adepto do autoritarismo e a pandemia concedeu-lhe uma boa oportunidade para mostrar que este modelo pode ser bom para Macau», defende Leung Kai Yin, docente do Instituto Politécnico de Macau e especialista em Administração Pública.
A ordem para que os casinos fechassem portas foi a primeira de uma série de medidas de vulto que ajudaram a RAEM a passar de forma quase incólume pela pandemia. Em meados de Março, o Governo ordenou o encerramento das fronteiras com a China continental e a crise de saúde pública ganhou contornos de cataclismo financeiro. Com as salas de jogo virtualmente desertas e a economia a agonizar, o Executivo liderado por Ho Iat Seng não hesitou e lançou mão às gigantescas reservas financeiras do território com o intuito de mitigar o impacto da ameaça que se prometia abater sobre a população. «Parece-me que Ho Iat Seng teve um ano de 2020 relativamente bom, ainda que a sociedade de Macau, e de uma forma geral o mundo, continuem a sofrer com o Covid-19», considera Eilo Yu. «Na minha opinião, Ho Iat Seng conseguiu, em certa medida, lidar com o desafio com que o Covid-19 confrontou Macau. Apesar da economia estar a sofrer, devido às enormes reservas financeiras de que o Governo de Macau dispõe, as operações e os serviços do Governo deverão permanecer sustentáveis durante uma série de anos», acrescenta o professor de Ciência Política da Universidade de Macau.
DIVERSIFICAR É PRECISO
Um inovador plano de incentivo ao consumo, gizado com o intuito de salvaguardar as Pequenas e Médias Empresas e ajudar a manter a economia à tona, convenceu a população de que, nas horas mais críticas da RAEM, Ho Iat Seng é o homem certo, no lugar certo. «O sector da economia é uma parte muito importante de Macau. E é um sector importante porque é transversal a todas as camadas sociais. Era necessário injectar um novo impulso económico e a criação dos cartões de consumo veio alavancar o consumo e gerar algum movimento económico. Isto é fundamental numa altura como esta», reconhece o advogado Miguel de Senna Fernandes.
Mas sem crescimento económico e com os índices da actividade turística reduzidos a uma fracção dos valores registados nos últimos anos, as medidas decretadas pelo Governo poderão não ser mais do que acções paliativas – uma espécie de bomba retardatária, agravada pela pandemia. Em Setembro, o Governo tirou o véu ao Plano Director de Macau, peça central no puzzle da diversificação económica, mas para Sonny Lo a estratégia de desenvolvimento concebida para os próximos vinte anos pode não ser suficiente para que o território alcance as metas a que se propõe. «O Plano Director continua a ser ambíguo em relação a alguns aspectos cruciais, particularmente no que diz respeito à forma como Macau vai verdadeiramente diversificar a sua economia e potenciar as ligações com a ilha da Montanha», refere, sublinhando que «o Plano Director tem de ser concreto em termos de conteúdos e ter o devido acompanhamento por parte dos principais departamentos e das principais lideranças».
O cientista defende ainda que «o Plano não é uma tarefa para um homem só. É algo que exige a sabedoria colectiva das autoridades governamentais, que devem ajudar e auxiliar Ho Iat Seng com todo o seu potencial e todas as suas capacidades, de forma a impulsionar a inovação e a criatividade, e a viabilizar este plano com toda a determinação».
E antes de diversificar a economia, Ho Iat Seng e os restantes membros do Governo terão que garantir que ela volta a crescer. Este é, no entender de Leung Kai Yin, o grande desafio que aguarda o Chefe do Executivo em 2021. «O desemprego está a aumentar. Há muitas pessoas que foram obrigadas a submeter-se a licenças sem vencimento. E mesmo que os visitantes oriundos da China já tenham regressado, a economia de Macau não vai recuperar de imediato. Há quem se sinta insatisfeito com o Executivo. Até ao momento, não me apercebi de qualquer erro de monta por parte de Ho Iat Seng, mas se as condições económicas se continuarem a deteriorar, as pessoas vão começar a questionar as opções do Governo da RAEM», antecipa o especialista em Administração Pública.
Marco Carvalho