O que espera Macau de 2024?
Mais tempo em família, mais solidariedade e maior capacidade para enfrentar as adversidades. Com a entrada do novo ano, repetem-se votos e intenções, e a esperança ganha uma força renovada. Com o Leste da Europa e a Terra Santa mergulhados em devastadores conflitos, “Paz” é uma das palavras de ordem para o ciclo que agora se inicia. Eis o que Macau espera de 2024.
«Gostava de passar o tempo todo com a minha família». Humilde, quase banal, esta é a maior benesse que Samara Marques, doze anos de idade, gostava de ver cumprida no ano que agora inicia. Aluna do sétimo ano da Catequese em língua portuguesa da paróquia da Sé, a jovem acolheu 2024 na companhia da família e de amigos, no que se prefigurou como um momento verdadeiramente excepcional, no sentido inequívoco da palavra.
Antes ainda do primeiro dia de 2024 se esgotar, e ao fim de pouco mais de uma semana de plenitude familiar, Samara viu a mãe e o irmão regressarem a Portugal, para onde foram empurrados por uma sequência singular, quase mirabolante de eventos. Docente de profissão, a mãe de Samara foi brindada, no Verão de 2022, com um golpe do destino. Ao fim de vários anos de concursos e tentativas frustradas, entrou para o quadro do Ministério da Educação em Portugal e alcançou a estabilidade institucional que continua a iludir milhares de professores no País. Mas o lampejo de sorte cedo se revelou um presente envenenado. Também docente, o marido falhou a colocação e a situação profissional estável que mantinha no território levou a família a apostar na cautela e a ponderar uma solução temporária: dividir-se por continentes e fusos horários diferentes até que a reunificação se tornasse possível, preferencialmente em Macau.
As mudanças nas regras de admissão e a exigência, por parte das autoridades de Lisboa, de um período probatório de um ano para consolidar a efectividade, trocou as voltas ao casal e empurrou Samara, aluna da Escola Portuguesa de Macau, para a estranha circunstância de quase sentir saudades dos incertos dias em que o território vivia sob a ameaça da Covid-19, mas em que a sua família sorria, amava e sonhava debaixo de um mesmo tecto. «O que desejo para 2024? Gostava de passar o máximo de tempo possível com toda a minha família e gostava que tudo corresse bem com as minhas notas. Mas gostava principalmente que a minha família fosse feliz e tivesse saúde», explicou a jovem, em declarações a’O CLARIM.
Separada da mãe por dez mil quilómetros e oito horas de distância, Samara tem, ainda assim, a perfeita noção de que a exigente situação em que se encontra não se compara em nada às provações com que se deparam as crianças sujeitas ao flagelo da fome e da guerra. É a pensar nelas que a jovem aluna do sétimo ano da Catequese da Sé pede a quem tem poder para isso um esforço sério e concertado em prol da paz, quer no Leste da Europa, quer no Médio Oriente. «Espero que tentem acabar com a guerra e deixem as crianças, principalmente, viver. Sinto muita pena delas, sobretudo dos bebés», disse. «Por outro lado, gostava que quem passa fome possa ver um maior número de voluntários a tentar ajudar, para que alguns dos seus problemas desapareçam ou sejam minimizados», rematou.
UMA MELHOR HUMANIDADE
Um ano «menos conflituoso» é o que exigiria Amélia António a 2024 se o ano que agora começa tivesse o dom de a ouvir e de responder aos seus desejos. A presidente da Casa de Portugal em Macau reconhece que em nenhum outro período do ano a esperança se faz tão palpável como nos dias festivos do Natal e do Ano Novo e acredita que a quadra faz sobressair o que de melhor há nas pessoas. A dirigente associativa apenas lamenta que o espírito de comunhão e o sentimento de plenitude e de renovação que permeia a entrada num novo ciclo não se mantenha durante os doze meses do ano. «É sobretudo um momento de fraternidade, um momento de solidariedade, um momento em que as pessoas, de certa forma, param um bocadinho. A vida perde um bocadinho do seu ritmo acelerado, vemos uma maior aproximação entre a família e os amigos e isso, parece-me, devia levar a que as pessoas pudessem pensar, de uma forma mais alargada, esse espírito de solidariedade, esse espírito de comunhão e a encarar com outros olhos a paz que devia imperar no mundo, em vez da desgraça toda que se vê», referiu a causídica. «Há as grandes guerras, que são lamentáveis, mas há também as guerrinhas pequeninas. Muitas vezes, porque a vida não corre bem, é fácil embirrar com o vizinho do lado, fazer da quezília uma arma, só porque a vida nos confronta com contrariedades. Eu acho que o espírito do Natal e as boas intenções que todos formulámos no Ano Novo devia levar a que cada um equacionasse o quão importante é viver harmoniosamente com aqueles que nos rodeiam, ser solidário quem precisa. Devia ser esse o chamamento do Natal, o chamamento desta quadra e eu tenho pena que não seja», admitiu Amélia António.
Numa nota mais pessoal, a presidente da CPM gostava que 2024 abrisse novas perspectivas à maior associação de matriz portuguesa do território. Arrumar a casa, sustentou, é uma prioridade, antes da inevitabilidade da passagem de testemunho. «Eu gostava muito de ver resolvidos os problemas da Casa de Portugal. Estou a atingir daqui a pouco os oitenta anos e acho que é altura de ter juízo, de pensar que já não tenho a mesma capacidade, a mesma força e gostava de deixar muita coisa resolvida. Todos os anos digo isto e não sei quando é que consigo cumprir», acentuou.
A exemplo do que sucede com Amélia António, os desejos e as expectativas de Stephen Chan Teng Fong para 2024 são menos ensejos pessoais, do que projecções colectivas. O director executivo da Comissão Diocesana da Educação Católica pede que 2024 possa favorecer o sentido de resiliência dos estudantes das escolas católicas do território, para que se possam desenvolver de forma mais integral e holística. «Desejo aos professores, aos alunos e aos funcionários das escolas católicas de Macau o melhor, tanto no seu trabalho, como nos seus estudos. Que possam continuar a manifestar o amor e a paz de Cristo no seu percurso de ensino e de aprendizagem. Desejo também que os nossos adolescentes possam exibir uma vontade forte e possam aprender a cultivar a capacidade para enfrentar a adversidade, para que possam desenvolver o corpo, a mente e o espírito de forma holística», adiantou Stephen Chan.
«Por fim, desejo que o mundo tenha paz e que se desenvolvam relações harmoniosas entre nações, para que as guerras, que tanto sofrimento causam, possam ser evitadas», concluiu o responsável.
Marco Carvalho