“Cristo é banhado em Luz; deixemo-nos também ser banhados pela Luz”
No passado Domingo, a Igreja Católica celebrou a Festa do Baptismo do Senhor. A comunidade de língua portuguesa de Macau, que viveu este dia litúrgico na igreja de São Domingos, foi levada pelo padre Daniel Ribeiro – presidiu à celebração eucarística – a uma reflexão sobre o Baptismo, tendo enfatizado o amor de Deus. O Senhor se fez homem, e na sua humanidade e divindade dá o exemplo; institui o Sacramento do Baptismo, levando o cristão a uma purificação e união da criatura ao Criador com a finalidade de cada um alcançar a vida eterna. Jesus disse a Nicodemos e diz a todos nós: «Amém, amém te digo: Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus» (João, 3:3).
O padre Daniel Ribeiro, na homilia dominical, destacou que para se compreender o Baptismo do Senhor é necessária uma compreensão de toda a Sagrada Escritura. Lembrou o sacerdote que esta fala do amor de Deus para com o ser humano e se dá no acto da Criação. Pela queda no pecado (desobediência) – recordou – a nossa união com Deus ficou quebrada e entrou a morte no homem, e depois com a morte não se deu o encontro com Deus. O padre Daniel Ribeiro enfatizou que foi preciso alguém ser Deus e humano, que tivesse as mesmas características que nós, os mesmos sentimentos, as mesmas tentações e dificuldades e não pecasse. «Jesus veio, e com a sua morte e ressurreição o Céu é aberto, o ser humano se reencontrou com Deus. E como que reencontrar-se com Deus atinge a nossa vida? Através do Baptismo. No momento do Baptismo somos perdoados dos nossos pecados, como se fossemos inseridos, mergulhados em Jesus», explicou. E prosseguiu, destacando que o Baptismo deve ser entendido de duas formas diferentes: «Havia um Baptismo que acontecia antes de Jesus. Um Baptismo de preparação de espera. Havia várias pessoas que se baptizavam; sabiam que o Salvador viria e queriam estar purificadas. Depois de Jesus, acontece o Baptismo como Sacramento, como uma realidade que perdoa os pecados. Jesus não foi baptizado em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Jesus não precisava ser baptizado, porque ele não precisava de se colocar à espera, porque ele era o esperado; ele não precisava de se preparar, porque ele era o motivo da preparação de todos. Mas quando Jesus se colocou na fila do Baptismo e foi baptizado por João Baptista, o autor do Baptismo foi baptizado. Quem ama é humilde; quem ama dá o exemplo».
O padre Daniel Ribeiro concluiu a reflexão enaltecendo o mistério da união a Deus pelo Sacramento do Baptismo; que fomos unidos de tal forma a Deus que a nossa união não é destruída com o nosso pecado, apenas aumenta e alcança a sua plenitude no Céu. Referiu ainda que os pais devem cuidar dos filhos com amor, e nesse cuidado – onde entram muitas decisões – não se pode adiar o Baptismo tão vital para a vida cristã, deixando-o como uma decisão da criança para uma idade mais adulta.
“O ESPÍRITO E A ÁGUA” PELOS PADRES DA IGREJA
Dos primeiros séculos do Cristianismo subsistem relatos de como era sentida e vivida a importância do Baptismo pelos Padres da Igreja. São Gregório de Nanzianzo (Século IV), teólogo ilustre, orador e defensor da fé cristã, disse num dos seus sermões: “Cristo é banhado em luz; deixemo-nos também ser banhados pela luz. Cristo é baptizado: desçamos com Ele às águas para com Ele subirmos. João baptiza e Jesus se aproxima, talvez para santificar igualmente aquele que O baptiza e, sem dúvida, para sepultar nas águas o velho Adão.
João reluta, Jesus insiste. ‘Eu é que devo ser baptizado por Ti’ (Mateus, 3:14), diz a lâmpada ao Sol; a voz à Palavra; o amigo ao Esposo.
Jesus sai das águas, elevando consigo o mundo que estava submerso, e vê abrirem-se os céus de par em par, que Adão tinha fechado para si e sua posteridade, assim como o paraíso lhe fora fechado por uma espada de fogo.
O Espírito, acorrendo Àquele que Lhe é igual, dá testemunho da Sua divindade. Vem do céu uma voz, pois também vinha do céu Aquele de quem se dava testemunho. E ao mostrar-se na forma corporal de uma pomba, o Espírito glorifica o corpo de Cristo, já que Este, por Sua união com a divindade, é o Corpo de Deus. De modo semelhante, muitos séculos antes, uma pomba anunciara o fim do dilúvio.
Nada agrada tanto a Deus quanto o arrependimento e a salvação do homem, para quem se destinam todas as Suas palavras e mistérios. Sede como luzes no mundo, isto é, como uma força vivificante para os outros homens. Permanecendo como luzes perfeitas diante da Grande Luz, sereis inundados pelo esplendor dessa Luz que brilha no céu e iluminados com maior pureza e fulgor pela Trindade. Dela acabastes de receber, embora não em plenitude, o único raio que procede da única Divindade, em Jesus Cristo, Nosso Senhor, a quem pertencem a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém” (retirado do Sermão da Santa Luz).
São Máximo (Século V), bispo de Turim, considerado o fundador da diocese de Turim, do seu grande empenho apostólico dão testemunho numerosos sermões e homilias. Num dos seus sermões falava deste modo do Baptismo do Senhor: “O Evangelho nos conta que o Senhor foi ao Jordão para ser baptizado e quis ser consagrado neste rio por sinais do céu. Não é sem razão que celebramos esta festa pouco depois do dia do Natal do Senhor, já que os dois acontecimentos se verificaram na mesma época, embora com diferença de anos; julgo que também ela deve chamar-se ‘festa do Natal’.
No dia do Natal, Cristo nasceu entre os homens; hoje renasce pelos sinais sagrados. Naquele dia, nasceu da Virgem; hoje, é gerado pelos sinais do céu. No Natal, ao nascer o Senhor segundo a natureza humana, Maria, sua mãe, o acaricia em seu colo; agora, ao ser gerado entre os sinais celestes, Deus, seu Pai, o envolve com a Sua voz, dizendo: ‘Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus todo o meu agrado. Escutai-o’ (Mateus, 17:5). A Sua mãe o traz nos braços com ternura; o Seu Pai lhe presta o testemunho de amor.
Talvez alguém diga: ‘Se Ele era santo, por que quis ser baptizado?’ Escuta: Cristo foi baptizado, não para ser santificado pelas águas, mas para santificá-las e para purificar as torrentes com o contacto do Seu corpo. A consagração de Cristo é sobretudo a consagração da água.
Assim, quando o Salvador é lavado, todas as águas ficam puras para o nosso Baptismo; a fonte é purificada para que a graça baptismal seja concedida aos povos que virão depois. Cristo nos precede no Baptismo para que os povos cristãos sigam confiantemente o Seu exemplo. Vejo aqui um significado misterioso: também a coluna de fogo ia na frente através do mar Vermelho, para que os filhos de Israel a seguissem corajosamente no caminho; foi a primeira a atravessar as águas, a fim de abrir caminho aos que vinham atrás. Este acontecimento, como diz o Apóstolo, era uma figura do Baptismo.
Tudo isso foi realizado pelo mesmo Cristo Nosso Senhor, que agora, na coluna do Seu corpo, precede no Baptismo os povos cristãos, como outrora, na coluna de fogo, precedeu através do mar os filhos de Israel. Outrora abriu um caminho seguro entre as ondas; hoje, firma no Baptismo os passos da nossa Fé” (retirado do Sermão 100, da Santa Epifania).
Miguel Augusto
com Veritatis Splendor (Memória e Ortodoxia Cristãs)