Memórias
A vida de um piloto de alta competição, à semelhança da vida dos mais comuns dos mortais, é constituída por altos e baixos emocionais. Mas num piloto de alta competição os altos, são mais altos, e os baixos, muito mais baixos, devido à pressão inerente ao tipo de “trabalho” executado.
Um piloto de alta competição, ao contrário do que quase todos pensam, não é livre, e muitas vezes tem que apresentar um grande sorriso onde sente as lágrimas.
Pneus impróprios, afinações erradas, companheiros de equipa de outro nível e a Deusa da Sorte implicam, e muito, no trabalho de um piloto de carros de corrida.
O “nosso” André Couto, nesse aspecto, não difere de ninguém, sendo absolutamente humano e sensível. Relembrando um passado ainda recente, foi-nos dizendo que alguns dos piores momentos da sua carreira como piloto foram invisíveis para os espectadores, muitas vezes mesmo para os membros da sua equipa ou dos próprios familiares.
Começou pelo que, possivelmente, mais o chocou, ou magoou – uma lista construída com o correr das ideias e não com qualquer tipo de escalonamento dos sentimentos, estamos em crer.
No Japão foram alguns anos perdidos com carros competitivos, mas “calçados” com pneus que não eram os ideais, a lutar por lugares intermédios, sabendo que se mudassem os pneus – algo impossível devido às obrigações para com os patrocinadores – o carro seria muito capaz, sem grandes melhorias técnicas, de lutar por vitórias e lugares nos pódios.
A sua infeliz passagem pela equipa francesa de F3000, do penta-campeão do mundo de pilotos de Fórmula 1 Alain Prost marcou-o bastante. Aparentando ser uma boa equipa, o reconhecido chauvinismo francês foi muito importante no tratamento dado a um piloto francês em detrimento de André. Chegaram ao ponto de lhe trocarem o carro ao se qualificar melhor que o seu companheiro de equipa, num carro por ele “acertado”. Alain Prost não hesitou em ordenar que trocassem os números dos carros, entregando o carro de André ao outro piloto. Outros episódios se seguiram, incluindo um chuveiro com combustível, que não mereceu quaisquer comentários por parte da equipa.
Em Macau, apesar de tudo o que lhe foi acontecendo ao longo dos anos, refere que não tem más recordações do Circuito da Guia, nem do território. E assim se passou ao lado alegre e recompensador da sua carreira.
Em primeiro lugar vem, sem sombra de dúvida, a estreia na Fórmula 3, com um Dallara F395 Opel. Foi o mais jovem piloto de Fórmula 3 a correr em Macau e logo na estreia nesta categoria. Algo que muito poucos teriam a coragem de o fazer.
A vitória no GP de Macau, à sexta participação, é o segundo ponto alto da carreira, apesar de algumas vozes terem surgido a denegrir o feito do “filho da casa” no seu circuito, devido ao facto dos seus dois mais directos rivais, Naraiin Karthikaian e Tacuma Sato, terem batido na primeira manga e deixado o caminho aberto para o sucesso.
O segundo lugar da classificação no Campeonato de Super GT no Japão em 2004 é relembrado com carinho evidente, mas, também sem sombra de dúvida, a vitória nas 24 Horas de Tokachi é o ponto mais alto no palmarés de André Couto. A equipa onde foi pedra fundamental cometeu a proeza de, pela primeira vez no mundo, levar um carro híbrido à bandeira de xadrez, em confronto directo com carros equipados com motores convencionais.
A vitória nos 1.000 quilómetros de Suzuka, uma prova mítica no panorama do desporto motorizado japonês, também tem muito peso nas boas memórias do piloto de Macau.
Para finalizar as melhores recordações, um regresso ao passado: a primeira aventura com carros de fórmula, a seguir à aprendizagem dos karts, os Fórmula Vauxhall-Lotus e a vitória no Estoril, em Portugal. E, ainda melhor, o domínio e vitória da equipa portuguesa, constituída por André Couto e Manuel Gião, na Taça das Nações da Fórmula Opel em 1995.
Tudo o resto – segundo André – são, ou foram, «apenas factos normais de uma profissão extremamente exigente», mas onde o nome deste menino de Macau brilha alto, levando a bandeira da Região Administrativa Especial a subir muitas vezes nos mastros dos pódios pelos circuitos onde tem passado…
Manuel dos Santos