«Os leigos são os melhores missionários».
O galês Stephen Morgan é o novo responsável pela Faculdade de Estudos Religiosos da Universidade de São José. Diácono permanente e até agora ecónomo da diocese inglesa de Portsmouth, Morgan quer atrair uma maior variedade de alunos, entre os quais um maior número de estudantes leigos. Em entrevista a’O CLARIM, defende que a Igreja só tem a ganhar com leigos bem formados.
O CLARIM – Foi até recentemente o ecónomo da diocese de Portsmouth e abraça agora um novo desafio. O que se prefigura mais difícil: gerir a Casa de Deus ou o Povo de Deus?
STEPHEN MORGAN – No meu entender, estar ao serviço do Povo de Deus é essencial para se ser um bom ecónomo. Em Portsmouth fui o responsável pela acção social da Diocese. Tínhamos 250 empregados, quinze dos quais me estavam directamente subordinados. Lidar com pessoas sempre fez parte das minhas competências. No entanto, o trabalho académico sempre me cativou. Fiz um doutoramento em Oxford, onde depois ensinei. Dei aulas também num instituto católico chamado Instituto Maryvale, mas sempre de uma forma muito limitada. A minha vinda para Macau constitui a oportunidade de juntar as minhas capacidades administrativas e o meu desejo de ensinar, de investigar e de escrever teologia. Em vários aspectos, Macau possibilita a circunstância de exponenciar vários aspectos da minha experiência. Significa ter que rumar ao outro lado do mundo, mas como vivi em Hong Kong entre 1991 e 1995 esta parte do mundo não me é desconhecida. A maior dificuldade é o facto da minha família ter que permanecer em Inglaterra.
CL – É um diácono permanente, o que significa que a Faculdade vai voltar a ser liderada por um membro não ordenado da Igreja. Há alguma mensagem inerente a esta escolha? Os Seminários há muito que deixaram de estar focados em exclusivo na preparação de novos padres…
S.M. – É um facto. O meu antecessor, o professor Monera, é um leigo. Não é nem um sacerdote, nem um diácono. Mostrou grande empenho em alargar o espectro dos alunos que podem tirar proveito dos cursos oferecidos pela Faculdade de Estudos Religiosos no sentido de abranger os leigos. O objectivo é que a Faculdade seja, de facto, um local para formar novos padres e religiosos, mas que permita que os leigos interessados em conduzir estudos superiores em teologia também o possam fazer. Já temos alguns estudantes leigos na Faculdade, incluindo um casal que está a iniciar este ano o bacharelato em Estudos Cristãos. Espero que possam aumentar nos próximos anos. A minha tese de doutoramento é sobre a teologia de um pensador inglês, o beato John Henry Newman. Em 1851 Newman escreveu: “Eu quero leigos que conheçam a sua religião, que mergulhem nela. Que conheçam o seu credo tão bem que possam ser dele testemunhas. Quero leigos inteligentes e bem formados” (JHN, A Situação Actual dos Católicos na Inglaterra, p.390). A meu ver, a Igreja em Macau, a Igreja na Ásia, a Igreja por todo o mundo precisa desesperadamente de leigos bem formados e fico muito contente por ser parte deste processo.
CL – O futuro da própria Igreja pode estar dependente dessa circunstância? De existirem fiéis que possam compreender de forma mais profunda e rigorosa a Palavra de Deus?
S.M. – No que diz respeito à actividade missionária da Igreja no mundo, uma comunidade leiga educada é absolutamente essencial. Recordo-me de outro dos ensinamentos de Newman: quando lhe perguntaram porque estava tão preocupado com os leigos, respondeu que a Igreja se afiguraria ridícula sem eles. Newman está certo. O trabalho dos padres e dos religiosos tem sido de um valor incalculável na difusão da fé, mas todos sabemos por experiência própria que são os leigos quem nos introduz nos aspectos da fé. Normalmente, são os nossos pais. Eles são os nossos primeiros professores, os nossos primeiros guias pelos caminhos da fé e pelos caminhos da vida. É importante que a Igreja possa contar com leigos bem formados. O Concílio Vaticano II afirma que os leigos têm um importante conhecimento do mundo. A expressão latina é “indoles saecularis”. Eles sabem o que é viver no mundo e têm um manancial de experiência do qual aqueles que vivem e trabalham no seio da Igreja estão, de certo modo, afastados. É importante que a Igreja possa contar com leigos que compreendam a sua fé e possam comunicar com outros leigos. Eles são os melhores missionários.
CL – O principal papel da Faculdade, dizia, ainda é o de preparar novos sacerdotes e novas vocações. Qual é o actual panorama em Macau? Quantos dos alunos matriculados tencionam assumir um maior compromisso com Deus?
S.M. – Oitenta por cento dos estudantes da Faculdade são alunos ligados quer ao Seminário quer a ordens religiosas masculinas, quer a ordens religiosas femininas. O bispo D. Stephen Lee criou um novo Seminário, onde estudam seis seminaristas. Um deles já completou a sua formação académica, ainda que a sua intenção seja a de dar sequência aos estudos. Os outros cinco vão estudar na Faculdade de Estudos Religiosos. Três estão a iniciar os estudos em filosofia e os restantes dois, que já estudaram filosofia, vão agora iniciar os estudos em teologia.
CL – Algum deles é de Macau?
S.M. – Sim. Alguns são de Macau. O estudante que terminou o seu percurso académico é de Macau e um dos alunos que vão estudar filosofia também é do território. Dois outros alunos são de Hong Kong, um é das Filipinas e outro de Portugal. De certo modo, o Seminário é uma espécie de Macau em miniatura.
CL – A sua missão como director da Faculdade de Estudos Religiosos está agora a começar. O que se propõe fazer na instituição que ainda não tenha sido feito?
S.M. – É sempre uma grande bênção dar continuidade ao bom trabalho feito pelos meus predecessores, mas gostaria de ver a Faculdade ser bem sucedida no desígnio de atrair muitos mais alunos: mais alunos leigos e uma maior variedade de alunos. Gostava de ver a Faculdade de Estudos Religiosos diversificar a sua oferta em termos de cursos, de forma a que as pessoas que não se podem dar ao luxo de estudar a tempo inteiro também possam beneficiar do conhecimento que existe em Macau em termos de teologia. Sei que alguns dos membros da Faculdade estiveram envolvidos em projectos da índole e outros ainda estão. Gostava também de atrair mais estudantes de pós-graduação e de reforçar a relação entre a Faculdade e a sua Faculdade-mãe, a Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa.
Marco Carvalho