QUIN VA

«Se houvesse mais recursos, a cobertura poderia ser muito maior»

QUIN VA, PRESIDENTE DO CONSELHO DIRECTIVO DA CRUZ VERMELHA DE MACAU

O surto epidémico do novo coronavírus abriu uma nova frente de combate para a Cruz Vermelha de Macau. A organização tem estado, desde Fevereiro, na linha da frente no âmbito dos esforços de despistagem dos casos positivos de Covid-19, com intervenções no Aeroporto Internacional de Macau e no Posto Fronteiriço da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. A instituição, que ajudou a canalizar para a República Popular da China quase um milhão de máscaras, quer agora ajudar os Países de Língua Portuguesa a combater a pandemia. Quin Va, presidente do Conselho Directivo da Cruz Vermelha de Macau, em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIMDe que forma a Cruz Vermelha de Macau está a viver esta crise de saúde pública? Como é que este surto epidémico afectou o quotidiano e o trabalho desenvolvido pela Cruz Vermelha no território?

QUIN VA– O que nós fizemos foi, digamos, uma adaptação às circunstâncias. E essa adaptação influiu, sobretudo, em certos trabalhos que têm que ser feitos diariamente, principalmente no que toca ao transporte dos doentes entre casa e o hospital, e do hospital para casa, principalmente os que precisam de tratamento de hemodiálise. Esta é uma tarefa que tem que ser feita devido às condições de saúde destes doentes. E tem que ser feita quaisquer que sejam as circunstâncias, haja tufão ou o que quer que seja. Nós continuamos a assegurar este serviço. A única diferença é que os doentes têm que estar atentos aos dias em que têm as consultas médicas. A Cruz Vermelha faz uma calendarização de acordo com as consultas e operamos o transporte. Temos vindo a prestar este serviço todos os dias. Em termos de operações, esta tarefa é constante. O aspecto do funcionamento em que a Cruz Vermelha foi mais afectada é em relação à Escola de Primeiros Socorros que, a exemplo do que sucedeu com todas as outras escolas, suspendeu as aulas.

CLEntão as aulas estão suspensas desde o início de Fevereiro?

Q.V.– Sim, exacto!

CLTem uma ideia de quantas pessoas a Cruz Vermelha apoia com o transporte dos pacientes para hemodiálise?

Q.V.– Geralmente, são cerca de 120 por dia. Agora é um pouco menos porque o serviço está dependente da remarcação das consultas por parte dos hospitais. Este é um aspecto que está fora do nosso controlo.

CLE no que diz respeito a recursos, a Cruz Vermelha está bem munida para servir essa população?

Q.V.– Se tivéssemos mais recursos, poderíamos fazer melhor, sem dúvida. Felizmente, com os recursos que temos, podemos dar uma certa cobertura. Não podemos dizer que conseguimos satisfazer a cem por cento as necessidades da população e isso seria o ideal, mas por agora estamos a cobrir uma boa parte das necessidades da população. Naturalmente, se houvesse mais recursos a cobertura poderia ser muito maior.

CLEm termos de contingências financeiras, de que forma a Cruz Vermelha foi afectada? Esta pandemia implicou algum esforço financeiro adicional?

Q.V.– Felizmente estamos precavidos nesta situação. E o modo de trabalharmos também é diferente. A despesa mais significativa são as rendas que temos que pagar, mas este aspecto já está incluído no orçamento. No que diz respeito aos professores, alguns são trabalhadores da Cruz Vermelha e outros são voluntários. No caso dos voluntários, não há um compromisso no sentido de lhes dar um determinado vencimento todos os meses. São pagos de acordo com as aulas que dão. Neste aspecto somos mais maleáveis, digamos assim. No caso dos que fazem parte dos quadros da Cruz Vermelha, quer eles tenham aulas, quer não tenham aulas, temos de lhes garantir um vencimento e, neste caso, em vez de darem as aulas, eles têm de fazer os preparativos para as aulas, a fim de quando for possível recomeçar estejam devidamente preparados. Estão a rever toda a matéria e aquilo que têm a fazer.

CLOs funcionários da Cruz Vermelha são todos locais? Ou também empregam trabalhadores não-residentes?

Q.V.– Temos também trabalhadores não-residentes. Nesse aspecto, fizemos um ajustamento e conseguimos resolver os problemas que as contingências decretadas por causa do novo coronavírus nos causaram.

CLTem uma ideia de quantos foram afectados? De quantos desses trabalhadores não residiam em Macau e se viram impedidos, dadas as medidas de contingência, de entrar no território?

Q.V.– Essa questão agora já não se coloca com a mesma relevância. No início de Fevereiro o impacto foi mais significativo porque alguns dos funcionários foram de férias devido ao Ano Novo Chinês. Naquela altura, o funcionamento foi um bocadinho afectado, mas a partir de determinada altura começaram a regressar e estão a trabalhar, excepto um ou outro que tiveram de permanecer junto da família por causa de problemas familiares. Esses acabaram por ficar nos locais de origem, não por causa do covid-19, mas por causa de problemas familiares e agora, mesmo que queiram voltar, estão impedidos.

CLA Cruz Vermelha tem-se mostrado sempre muito receptiva a pedidos de ajuda formulados por instâncias internacionais. Em 2008, por exemplo, a Cruz Vermelha foi uma das organizações de Macau que mais se mobilizou para ajudar as populações afectadas pelo terramoto de Sichuan. Desta feita, houve algum pedido de ajuda vindo da província de Hubei, no pico da epidemia? De que forma é que se mobilizaram para ajudar?

Q.V.– A Cruz Vermelha associou-se a outras associações locais. Uma das parcerias mais activas que desenvolvemos, numa altura em que havia escassez de máscaras, foi com a Associação Geral dos Chineses Ultramarinos. Conseguimos adquirir 900 mil máscaras e oferecemo-las à província de Hubei. Outra associação, a dos naturais de Sichuan residentes em Macau, ofereceu 72 mil a uma outra província.

CLPara além do trabalho desenvolvido com os pacientes que necessitam de hemodiálise e para além da Escola de Primeiros Socorros, que outro tipo de serviços desenvolve a Cruz Vermelha? É presença frequente em tudo o que são grandes eventos…

Q.V.– As outras iniciativas são precisamente essas que referia. Os eventos desportivos – ou eventos de grande magnitude – em que é necessário que uma equipa de primeiros socorros esteja a postos, esteja em “stand-by”. Não havendo agora eventos desportivos ou culturais, esse trabalho voluntário em termos de primeiros socorros também deixou de ser necessário. Esta foi outra forma em que o trabalho da Cruz Vermelha foi afectado pelo surto epidémico. Estamos a fazer um compasso de espera até que estes eventos se realizem e os nossos voluntários possam voltar a fazer o seu trabalho.

CLA actividade da Cruz Vermelha está, então, semi-paralisada por causa do novo coronavírus…

Q.V.– Não digo paralisada. Estamos sempre activos. As nossas equipas estão em “stand-by”. Uma vez que as actividades sejam relançadas, estamos prontos para as conduzir a qualquer momento.

CLA abordagem adoptada desde o início pelo Governo de Macau acabou por minimizar aquele que poderia ter sido o trabalho da Cruz Vermelha e de outras organizações de solidariedade, caso o número de infectados em Macau tivesse sido maior?

Q.V.– Sem dúvida que o trabalho desenvolvido pelo Governo de Macau foi excelente. O Governo organizou-se bem, deu cobertura a todas as eventuais possibilidade de contágio e acautelou todas as formas como Macau poderia ser afectado. Até à data, esta cobertura está a ser excepcional. O trabalho da Cruz Vermelha continua a fazer-se na rectaguarda, digamos assim.

CLHá planos, por parte da Cruz Vermelha, para diversificar as actividades que desenvolve? Ou é algo que não faz parte das perspectivas da organização?

Q.V.– Essa diversificação já está a ocorrer, de certa maneira. Estamos a cooperar com a Direcção dos Serviços de Saúde nos postos fronteiriços. Começámos com a prestação de primeiros socorros no Aeroporto Internacional de Macau e conduzimos a medição da temperatura na Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. Por outro lado, estamos a cooperar com os Serviços no sentido de instalar desfibriladores em diversos locais de Macau. Já instalámos no Aeroporto, nos Terminais Marítimos e nos Serviços de Identificação de Macau, e o nosso objectivo passa por disponibilizar desfibriladores nas cabines dos Terminais Automáticos de Levantamento de Dinheiro (ATM) dos bancos. Como mencionei numa entrevista que concedi recentemente à Imprensa, estamos a falar com o Banco da China e também com o BNU com o intuito de identificar os locais disponíveis e aqueles em que é possível instalar este tipo de equipamentos.

CLA Cruz Vermelha integra, assim, este esforço desenvolvido pelas autoridades do território com o objectivo de identificar e despistar eventuais casos que cheguem a Macau? Mencionava o trabalho desenvolvido no Aeroporto e na Ponte do Delta…

Q.V.– Sim. Não fazemos esse trabalho no Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, onde as medidas de despistagem são asseguradas pelos Serviços de Saúde. Em relação aos dois outros pontos – o Aeroporto Internacional de Macau e a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau – somos nós que estamos a conduzir o processo. Para além de termos cooperado com outras associações de Macau na aquisição de máscaras, a Cruz Vermelha também está a trabalhar por iniciativa própria na compra de máscaras e de outros equipamentos de protecção. Por exemplo, coordenámos a aquisição das máscaras mais solicitadas, de outra gama, que é a N95, que são as máscaras de protecção médica que se destinam aos hospitais. Conseguimos proceder à aquisição destas máscaras e oferecemos às autoridades de Wuhan. Adquirimos ainda outras máscaras, que fizemos chegar ao Governo de Macau, no sentido de ajudar a aumentar o inventário de Macau para que o Governo as possa distribuir pelos residentes ao preço de custo.

CLTudo iniciativas muito meritórias…

Q.V.– A Tong Sin Tong também fez a mesma coisa. Ofereceu à província de Guangdong, oferta que foi canalizada através da Cruz Vermelha de Macau. As máscaras foram oferecidas pela Tong Sin Tong e a Cruz Vermelha não foi mais do que um veículo para fazer chegar as máscaras ao seu destino.

CLDizia que a Cruz Vermelha, no âmbito das parcerias internacionais que mantém, não recebeu pedidos de ajuda por parte das autoridades chinesas e que enviou as máscaras para Hubei por mote próprio. E a nível internacional? Houve solicitações ou pedidos de ajuda formulados por outros núcleos da Cruz Vermelha à Cruz Vermelha de Macau? Ou não?

Q.V.– Houve uma solicitação para encontrar e localizar fornecedores. Demos uma lista de fornecedores, por exemplo, à Cruz Vermelha Portuguesa, no sentido de permitir que adquirissem os materiais de que necessitavam. Actualmente, estou no processo de procurar ajudar diferentes núcleos da Cruz Vermelha nos Países de Língua Portuguesa. Este processo ainda está numa fase muito prematura, digamos assim, mas já temos uma ideia do que podemos fazer. A grande dificuldade é a parte logística.

CLPoder-se-á dizer que é o aspecto mais difícil, neste momento?

Q.V.– Exacto. É a parte logística. E é por isso que não quero estar a avançar com informações mais concretas, porque em última análise vai tudo depender da parte logística. A Cruz Vermelha tem que perceber se este aspecto logístico é viável ou não. O que temos visto é que em muitos casos o transporte até é mais caro do que o produto em si.

CLA ideia seria enviar equipamentos de protecção?

Q.V.– Em princípio sim. Mas vamos ver o que é possível fazer.

Marco Carvalho

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