RUTH HAYHOE, ANTIGA DIRECTORA DO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE HONG KONG

RUTH HAYHOE, ANTIGA DIRECTORA DO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE HONG KONG

«Oferecer aos alunos um maior entendimento da Bíblia é algo muito valioso»

Conhece como poucos a pedagogia chinesa e foi uma das arquitectas do sistema educativo de Hong Kong nos anos que se seguiram ao regresso da antiga colónia britânica à soberania de Pequim. Fundadora e antiga directora do Instituto de Educação de Hong Kong, instituição de Ensino Superior direccionada para a formação de docentes, Ruth Hayhoe esteve recentemente em Macau, onde evocou a influência das universidades cristãs na China. Docente na Universidade de Toronto, a académica defende que o ensino de matriz cristã oferece aos alunos algo que o dinheiro e o sucesso não conseguem comprar.

O CLARIM – Esteve recentemente em Macau, tendo aqui realizado duas palestras. Antes de abordar essa questão, gostaríamos de lhe perguntar acerca da sua experiência em Hong Kong, onde viveu dezassete anos. Como vê o sistema educativo na agora Região Administrativa Especial?

RUTH HAYHOE – Bem, eu ajudei a moldá-lo. Fui directora [do Instituto de Educação de Hong Kong] entre 1997 e 2002. Conduzimos uma reforma profunda no sistema educativo, que eliminou os dois exames que existiam entre o quarto e o sétimo ano. Essa reforma ajudou a tornar o sistema um pouco mais flexível e aberto, um pouco mais semelhante aos sistemas da América do Norte e da China. Estive envolvida nesse processo e, ao mesmo tempo, ajudei a estabelecer uma nova Universidade [o Instituto de Educação de Hong Kong]. Foi uma missão de monta, mas foi um processo maravilhoso.

CL – Como já referimos, proferiu duas palestras em Macau, ambas focadas na história da educação na China…

R.H. – Na verdade, não consegui preparar nada de muito novo. Recorri a uma conferência que fiz há uns anos em Hong Kong. Fui convidada pela doutora Alice, antiga responsável pela Comissão de Concessão de Bolsas Universitárias, para realizar uma palestra com estudantes que diziam que não eram chineses, que eram “Hong Kongers”. Havia uma espécie de rejeição da sua herança chinesa que estava, obviamente, relacionada com questões políticas. Aproveitei a palestra para dar a conhecer o meu próprio percurso pessoal. Sempre desejei aprender a língua e foi assim que me familiarizei com a cultura chinesa. Vivi com uma família chinesa durante seis anos. Essa é uma das razões pelas quais consigo falar [Chinês]. Evoquei diferentes períodos da minha vida e os aspectos positivos com que me deparei. Escrevi imensos livros sobre a educação chinesa e sempre fui da opinião que há pedagogos maravilhosos. Um dos meus livros tem como título “Retratos de Educadores Chineses Influentes”. Na palestra referi três mulheres e dois homens que foram educadores verdadeiramente exemplares. Alguns ainda estão vivos, outros já não. Dou alguns exemplos nesse livro: Lu Jie, professora da Universidade Normal de Nanjing, ou Xie Xide, que foi presidente da Universidade Fudan. Tudo pessoas que conheço muito bem, com quem tive o privilégio de trabalhar.

CL – E na segunda palestra, o que abordou?

R.H. – A segunda foi sobre as universidades de matriz cristã na China. Teve por base o livro “Liberal Arts and the Legacy of China’s Christian Universities”. Havia dezasseis universidades cristãs: três católicas e treze protestantes. Por exemplo, a Universidade de Fu Jen, que está agora em Taiwan, estava originalmente situada em Pequim e era uma universidade católica. A Universidade de Yanjing deu origem à actual Universidade de Peking. Alguns dos mais belos campus universitários da China pertenciam originalmente a universidades cristãs. Basicamente, este livro tem por base uma série de traduções, mas é um tema que me interessa muito. Um dos meus alunos de Doutoramento sentiu-se, a determinada altura, muito inspirado pelas pessoas que frequentavam a sua igreja, em Xangai, sobretudo por mulheres de uma certa idade. Disse-me: «– Sempre as considerei muito capazes, brilhantes mesmo». Mais tarde, descobriu que se tinham formado em universidades cristãs antes de 1949. Entretanto, mudou-se para o Canadá e dedicou a sua tese de Mestrado ao plano curricular das universidades cristãs de origem estrangeira. Depois, completou o Doutoramento sobre as ciências sociais em universidades que eram, originalmente, universidades cristãs. Em Hong Kong temos a Universidade de Lingnan que, originalmente, era uma universidade cristã em Guangzhou.

CL – Durante os anos que trabalhou em Hong Kong, foi acompanhando a realidade de Macau?

R.H. – Na verdade, não sei tanto quanto isso. Desta vez, tive a oportunidade de visitar uma escola e de aprender mais algo. No passado, estive muitas vezes em Macau. Fiz parte da Comissão Internacional da Universidade de Macau nos anos em que Wei Zhao foi reitor. Vinha a Macau todos os anos, mas as visitas estavam relacionadas com o desenvolvimento do novo campus da Universidade e com a adopção de novas ideias. Mas tenho a noção de que a educação católica é muito importante em Macau. Acho maravilhoso que as escolas católicas sejam tão activas e tão dinâmicas. Pelo que sei, não há um sistema de ensino centralizado e o Governo dá liberdade às escolas para desenvolverem o seu próprio currículo.

CL – Num local como Macau, que importância têm, no seu entender, as escolas de matriz cristã?

R.H. – Bem, a China alcançou ao longo das últimas décadas um grande sucesso económico, mas ter dinheiro não basta. Adquirir bens de consumo e a última moda de artigos não é suficiente para fazer com que as pessoas fiquem satisfeitas. Todos necessitam de orientação espiritual. E, por isso, parece-me que oferecer aos alunos um maior entendimento da Bíblia e da fé cristã é algo muito valioso e muito importante. Eu ensinei numa escola anglicana em Hong Kong durante muitos anos.

CL – No seu entender, que características deve ter um professor para ser um bom pedagogo?

R.H. – Que características? Bem, tem de ser versado em Pedagogia, obviamente. Tem que ser atencioso com os estudantes. Tem que ser capaz de identificar os diferentes talentos e as diferentes necessidades dos alunos. Cada aluno pode ter diferentes capacidades. Quando estive à frente do Instituto de Educação de Hong Kong, tínhamos um lema: optimizar o potencial de cada uma das crianças através da alegria partilhada do ensino e da aprendizagem. Este desígnio presume que temos que reconhecer que alguns alunos podem ser bons a Matemática, mas podem não ser tão bons a aprender línguas, por exemplo. Outros, podem ser muito bons em línguas, mas pouco versados a Matemática. Se o professor os souber encorajar para que tenham bons resultados na área em que são bons, esse entusiasmo e essa capacidade pode, eventualmente, ser transferida para outras áreas. Os professores têm de ser muito observadores e compreender os diferentes tipos de talentos e de capacidades das crianças, aquilo que as entusiasma e como podem ultrapassar bloqueios durante o processo de aprendizagem.

CL – Em Macau, sobretudo nos anos da pandemia, houve um número anormalmente elevado de jovens que cometeram suicídio. O que podem as escolas fazer a este propósito?

R.H. – Temos de perceber que tipo de razões levam a isso. Que tipo de desespero pode levar os jovens a cometer suicídio? Na minha opinião, é muito importante que os professores tenham preparação para que tenham atenção a eventuais sinais e possam facultar apoio a um nível mais pessoal. Debitar matéria e expandir o conhecimento académico deixou de ser suficiente. Mas, para que esta ligação mais pessoal seja possível, é importante que as turmas não sejam demasiado grandes. Só assim se pode garantir que os professores estejam disponíveis. É importante também ter psicólogos e assistentes sociais que possam ajudar os alunos que se possam deparar com distúrbios de natureza mental ou emocional. Estes são aspectos muitíssimo importantes.

Jasmin Yiu com Marco Carvalho

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