KAZUO MIYATA

«Que a visita do Papa sirva de alarme para os católicos do Japão»

KAZUO MIYATA, DIRECTOR DE OPERAÇÕES DO MUSEU E MONUMENTO DOS VINTE E SEIS MÁRTIRES DE NAGASAKI

Cidade de mártires e de martírio, Nagasaki continua a estar para muitos no centro do Catolicismo japonês. A cidade acolheu no Domingo o Papa Francisco e foi a partir do local onde caiu a segunda bomba atómica, a 9 de Agosto de 1945, que o Sumo Pontífice endereçou um forte apelo em prol do desarmamento nuclear. Na cidade japonesa que mais tempo permaneceu aberta ao mundo, a visita do Santo Padre trouxe a esperança de um reforço da fé católica no Japão. Em Nagasaki, lamenta Kazuo Miyata, director de Operações do Museu e Monumento dos Vinte e Seis Mártires, o Catolicismo já não tem a força que tinha.

O CLARIMÉ a segunda vez que o Museu recebe o líder da Igreja Católica. O Papa João Paulo II esteve na colina de Nichizaka quando visitou Nagasaki, em 1981, e agora o Papa Francisco fez o mesmo. Este é um local muito importante para a Companhia de Jesus e Francisco é o primeiro jesuíta eleito Papa. Que importância teve esta visita, não apenas para o Museu, mas também para os católicos de Nagasaki?

KAZUO MIYATA– Este local é muito importante para os jesuítas porque estes 26 mártires são os primeiros mártires asiáticos. Foram crucificados nesta colina em 1597 e entre eles estavam três jesuítas. Os mártires eram sobretudo franciscanos. Este grupo tinha feito um trabalho muito importante na divulgação do Evangelho na zona de Quioto. Três jesuítas foram presos com eles e foram enviados para Nagasaki, onde acabaram por ser martirizados. Destes três membros da Companhia de Jesus, São Paulo Miki é o mais conhecido. Era o líder do grupo e era um pregador extraordinário. Ele e os companheiros estão entre os primeiros mártires jesuítas. Foram, pelo menos, os primeiros jesuítas martirizados na Ásia. Nesse sentido, este local é muito importante para os jesuítas. Todos os membros da Companhia de Jesus sabem quem é São Paulo Miki, os seus companheiros e os restantes mártires. Quando o Papa Francisco era jovem, estudou a vida dos mártires de Nagasaki, ao ponto de a determinada altura ter sonhado em vir para o Japão como missionário.

CLSe tivesse vindo para o Japão, hoje provavelmente não seria Papa…

K.M.– Seria um missionário se tivesse vindo para este país, mas foi-lhe diagnosticado um problema nos pulmões. Viu gorar-se a possibilidade de se tornar missionário. Cinquenta anos depois a oportunidade de vir a Nagasaki materializou-se. Foi um momento memorável, não apenas para nós mas também para o Papa Francisco.

CLNagasaki sempre foi sinónimo de Catolicismo no Japão. Esta dimensão católica foi reconhecida no ano passado pela UNESCO, que declarou um grupo de doze Sítios Cristãos Escondidos como Património Mundial na zona de Nagasaki. O quão importante é esta visita do Papa para os católicos de Nagasaki?

K.M.– O reconhecimento por parte da UNESCO destes locais pode, de facto, ter o ónus de conferir alguma atenção à Igreja Católica, pelo menos no âmbito de uma perspectiva histórica. É apenas a minha opinião, mas parece-me que os católicos começam a esquecer os seus mártires. Um mártir é um mártir e, aqui em Nagasaki, tivemos 26. A população católica está a diminuir de ano para ano e o número de peregrinos japoneses que visitam o Museu acompanha a tendência. Temo que as pessoas tenham esquecido do quão importante é a memória dos mártires. Considero muito importante que as pessoas tenham atenção à memória e à história dos “Cristãos Escondidos”, mas preferia que as pessoas se lembrassem da história dos católicos, da história dos “kirishitan” de uma forma mais global. Que se lembrassem, por exemplo, das relações fortes que existiam entre Nagasaki e Macau. O reconhecimento da história dos “Cristãos Escondidos” é bom, mas lembrar apenas a história não é suficiente. O Papa Francisco enfatizou a importância da memória dos mártires e espero que a mensagem que nos deixou nos possa lembrar que estamos no cerne da fé católica no Japão. Na minha opinião, esta visita do Papa constitui uma grande oportunidade, de modo a que as pessoas se possam lembrar dos mártires e do seu martírio. Espero que esta visita papal possa ser um sinal de alarme para os católicos japoneses, dado que são muitos os que estão a perder a fé.

CLComo referia, o número de católicos está a diminuir…

K.M.– Sim. Mesmo em Nagasaki. Não somos mais do que vinte mil. Comparado com 1981, quando o Papa João Paulo II visitou o Museu, perdemos muitas, mas mesmo muitas pessoas. Parece-me que não há muito que possamos fazer, de certo modo. Tenho muito receio do que possa vir a acontecer.

CLTrês gerações de uma mesma família católica participaram na breve cerimónia que foi organizada em Nichizaka Hill. A fé cristã ainda é transmitida em família? Há uma nova geração de católicos a aparecer em Nagasaki e no Sul do Japão?

K.M.– Bem, é provável que o mesmo esteja a acontecer um pouco por todo o mundo. É provável que esteja a acontecer no seu próprio país ou em Macau. Não vemos muitos jovens nas igrejas e este cenário também é bastante comum em Nagasaki. Vivemos num tempo em que não é muito fácil salvaguardar a nossa fé. Há muitas tentações e Nagasaki não constitui uma excepção. Nagasaki é uma cidade pequena, longe de Tóquio e situada numa zona rural, mas ser-se cristão, e em particular católico, é muito difícil: é uma chatice rezar e assistir à Missa é entediante. Os nossos jovens deixaram de se juntar a nós. Um dos sacerdotes que trabalham connosco no Museu, o padre Domenico Vitali, está sempre a enfatizar este aspecto: à Igreja cabe a maior responsabilidade no crescimento da fé, mas ao mesmo tempo as famílias têm de fazer a sua parte para atrair as gerações mais jovens. O problema é que deixaram de se esforçar para ser um bom exemplo para os mais novos e é por isso que lhe dizia que há cada vez menos católicos de ano para ano. Este é um momento crucial para a Igreja Católica no Japão. Nesse sentido, a visita papal constitui uma boa oportunidade para a Igreja Católica no Japão. No Parque da Paz, o Papa Francisco falou, como esperava, de paz e aqui, em Nishizaka, disse algo que considero muito importante: ele disse aos fiéis católicos que o martírio e o sacrifício nada têm que ver com a morte. Têm, sim, que ver com viver a vida de acordo com as nossas crenças. Essa mensagem é importante porque chega num momento em que a Igreja Católica no Japão enfrenta uma situação muito, muito difícil.

CLDizia que o Museu não recebe muitos peregrinos japoneses. De onde chegam os visitantes então?

K.M.– Agora? Agora são principalmente coreanos. Na Coreia, como sabe, a Igreja Católica ainda está a crescer. São muitos os coreanos que vêm cá, ainda que esse número tenha caído recentemente devido ao aumento das tensões entre a Coreia do Sul e o Japão. Ainda assim, continuamos a receber muitos coreanos. Os católicos japoneses que visitam o museu são uma minoria.

CLNão deixa de ser estranho, uma vez que os mártires de Nagasaki são um dos pilares centrais do Catolicismo japonês…

K.M.– Como lhe dizia, estamos a testemunhar uma situação muito difícil. A Igreja Católica no Japão está a passar por tempos muito difíceis. As pessoas costumam dizer que Nagasaki está no cerne do Catolicismo no Japão. Não deixa de ser verdade, mas mesmo em Nagasaki o panorama não é dos melhores. Reparou na reacção das pessoas ao Papa Francisco? Não foi como em outros lados, onde as pessoas o aclamaram. Aqui as pessoas permaneceram quietas, em silêncio. Nunca gritaram o seu nome. Teria pago para ver isso acontecer.

Marco Carvalho, no Japão

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