«Estamos com o Papa no esforço para normalizar as relações com a China»
A ligação entre a China e os Jesuítas é quase tão antiga como a própria Companhia de Jesus. O Império do Meio permanece um importante desígnio para os membros da ordem religiosa fundada em 1534 por Santo Inácio de Loyola. Os Jesuítas, garante o padre Pierre Belanger, continuam comprometidos com a ideia de servir o povo chinês, não obstante as dificuldades que surgiram após a fundação da República Popular da China. Nascido no Canadá, Pierre Belanger integra o Departamento de Comunicação da Cúria Geral da Companhia de Jesus e acompanhou, no final da semana passada, a breve visita que Arturo Sosa, Superior-geral da Companhia, fez ao território. O padre Pierre Belanger em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM– O Superior-geral esteve presente na cerimónia das bodas sacerdotais dos padres Yves Camus, Luís Sequeira e Gregory Koay. Que importância teve esta celebração, não só para eles, mas para própria Companhia de Jesus? Testemunhámos a jubilação de um sacerdote francês, de um sacerdote português e de um sino-malaio, num retrato perfeito daquilo que a Companhia de Jesus sempre foi…
PIERRE BELANGER– Antes de mais, é preciso que se diga que esta celebração ocorreu por ocasião da visita do Superior-geral à província chinesa: primeiro a Macau, depois a Hong Kong e, uns dias depois, a Taiwan. As visitas constituem, para ele, a oportunidade de estar com os Jesuítas de diferentes partes do mundo. Faz várias visitas por ano, a diferentes partes do planeta. A província chinesa, que tem o padre Stephen Chow como provincial, decidiu aproveitar a visita do Padre-geral para que pudéssemos celebrar com os jubilados. Na província chinesa, como referia, há de facto Jesuítas oriundos de várias proveniências, mas não se trata de uma excepção. De Roma, para esta visita, vieram quatro pessoas, também elas de quatro países diferentes ou mesmo de diferentes partes do mundo. O nosso Padre-geral é da Venezuela, o padre Magadia é das Filipinas, o padre D’Cunha é da Índia e eu sou do Québec, no Canadá. É necessário insistir no facto de que ninguém – a exemplo do que sucedeu com os três sacerdotes que foram homenageados – entrega a sua vocação a uma dada província da Companhia de Jesus, mas sim à Companhia de Jesus tida como uma entidade universal. Colocámo-nos pois ao serviço da Companhia de Jesus. Esta celebração constituiu uma oportunidade para sublinhar, para destacar esta universalidade. Foi uma das razões que nos levou a organizar esta celebração em Macau.
CL– Macau sempre teve uma importância particular na história da Companhia de Jesus. Foi uma das primeiras portas para a China. A China continua a ser um desígnio importante para os Jesuítas?
P.B.– A China? Sim! Desde os tempos de São Francisco Xavier que a China é alvo da nossa atenção. Os Jesuítas não são perfeitos, mas estão dispostos a aprender, o que é algo bom. É uma orientação que ainda hoje seguimos. Francisco Xavier não conseguiu entrar na China, mas pouco depois dele, Matteo Ricci compreendeu qual era a porta indicada para se entrar na China. E qual era ela? Uma porta de intercâmbio ao nível cultural, uma porta que pressuponha um envolvimento total com o povo da China naquele tempo. Esta perspectiva continuou a ser um aspecto importante da presença jesuítica na China durante o percurso da Companhia. No século XX, desde o início do século XX até 1949, Jesuítas de diferentes partes do mundo estavam espalhados pela China. A China era vista como uma parte importante do futuro da Humanidade. Sabíamos que existiam muitos chineses [católicos e não católicos] e que no futuro seriam ainda mais. Mesmo depois das dificuldades que enfrentaram com a chegada de Mao Zedong ao poder e da fundação da República Popular da China, os Jesuítas nunca abriram mão da ideia de servir o povo chinês. É algo que tem sido feito de diferentes formas e que continua a ser feito, de acordo com as possibilidades do mundo em que vivemos, sempre com a discrição que é necessária para servir. O mais importante é encontrar a melhor forma de servir o povo chinês, de forma a que possa tirar proveito da nossa experiência ou do que o conhecimento que a Companhia de Jesus lhe pode providenciar, quer do ponto de vista espiritual, quer do ponto de vista humano.
CL– A Igreja, enquanto entidade universal, enfrenta uma crise de vocações, pelo menos no chamado “velho mundo”. Este problema é partilhado pela Sociedade de Jesus? Ainda há jovens interessados em seguir os passos de Inácio de Loyola ou de Francisco Xavier?
P.B.– Será que há mesmo uma crise de vocações? É verdade que há cada vez menos vocações para o sacerdócio, menos pessoas interessadas em seguir o percurso tradicional de entrada numa ordem religiosa. Nós acreditamos que estamos a viver num tempo novo, no sentido em que é tempo de partilhar responsabilidades com um grande número de pessoas que assumiram a vocação de servir a Igreja de diferentes formas, mesmo não sendo sacerdotes ou não sendo parte de uma ordem religiosa. Agora, nesta era da igualdade entre homens e mulheres, as vocações não devem ser vistas apenas como a vocação dos padres ou de outras figuras religiosas. No meu entender, há cada vez menos pessoas disponíveis para seguir esse trajecto, mas há muitas mais vocações, muitas mais pessoas interessadas em servir o mundo e a Igreja através das mensagens dos Evangelhos. Na Companhia de Jesus, sim, são cada vez menos os que nos procuram. O que o Padre-geral já deixou claro por várias vezes é que essa não é a sua maior preocupação. A sua maior preocupação é que os Jesuítas possam estar presentes no momento em que os jovens escolhem a sua vocação. Essa vocação não tem que ser igual à nossa.
CL– Esse é um dos desafios com que se depara a Companhia de Jesus. Quais são os outros?
P.B.– A proximidade com os pobres é um dos aspectos importantes para o futuro. Durante muito tempo, os Jesuítas foram identificados como aqueles que formavam as elites em diferentes partes do mundo. As escolas dos Jesuítas eram vistas como as melhores. Hoje em dia as melhores escolas não são aquelas que formam estudantes para que tenham os melhores salários ou para que entrem nas melhores e nas maiores empresas. São aquelas que formam quem se coloca ao serviço dos outros de diferentes formas, as que olham para os desafios que actualmente enfrentamos – desigualdades económicas, questões ambientais – e se propõem resolvê-los. O maior desafio para a Companhia de Jesus passa por garantir que não fica agarrada ao passado, a uma altura em que os Jesuítas eram vistos como uma espécie de elite. Não. De facto, teremos de ser aquilo que nos propomos ser – de acordo com Santo Inácio de Loyola, somos companheiros de Jesus – e temos que estar com as pessoas. É esta a imagem que o Superior-geral passa quando está com as pessoas. Ele nada tem que ver com os Superiores-gerais do passado, que eram vistos quase como Papas. Se reparar, é assim que o Papa Francisco age com o povo de Cristo. O Papa mostra-nos o caminho.
CL– O facto do Papa Francisco ser Jesuíta reforçou a posição da Companhia de Jesus?
P.B.– Bem, é algo que agradecemos. Não estávamos à espera que assim fosse; é uma graça pela qual estamos agradecidos. O Papa não esconde o facto de que é um Jesuíta, mas também não se gaba. Diria que ele mostra uma vivência muito própria da espiritualidade Inaciana na forma como recorre ao discernimento para agir como age, mas essa espiritualidade reflecte-se também na sua oração e na doutrina que defende. A experiência Inaciana e a espiritualidade emergem de forma muito clara, mas ele não se gaba de que é um Jesuíta. Nós, na Companhia de Jesus, temos consciência de que a nossa espiritualidade se manifesta na forma como ele age e como ele fala. Sentimo-nos encorajados a mostrar ao mundo esta espiritualidade porque temos a sorte do líder da Igreja Católica assumir essa orientação: a atenção aos pobres, o interesse pelo Ambiente. Este aspecto constituiu uma tomada de posição forte para todos e não apenas para os católicos. A atenção que o Papa dedica à questão das migrações e aos refugiados também é algo novo para um Pontífice e é algo que diz muito aos Jesuítas, que criaram o Serviço Jesuíta aos Refugiados, activo um pouco por todo o mundo, mas em particular na Ásia.
CL– O Papa Francisco foi também o primeiro Pontífice a procurar entender-se com a China. O acordo assinado em Setembro entre Pequim e a Santa Sé pode significar um regresso da Companhia de Jesus à China? Como é que uma tal possibilidade é vista pelos Jesuítas?
P.B.– O que lhe posso dizer é que aqui, em Macau, há Jesuítas que estão melhor capacitados do que eu para responder a essas questões. Trabalho a partir de Roma, viajo por todo o mundo e tento saber o que se passa nas diferentes províncias, mas a informação de que disponho não é suficiente para responder a essa questão. Digo-lhe apenas que estamos com o Papa e com o Vaticano no esforço que empreenderam para normalizar as relações com a China, em geral, e especificamente com o Governo chinês. O que lhe posso dizer é que os Jesuítas que aqui estão, nesta região do planeta, na província chinesa, vão evidentemente dar o seu contributo e fazer o seu melhor para colaborar com este processo.
Marco Carvalho