«O método de Duterte não é totalmente uma trapalhada».
Ex-major da Força Aérea das Filipinas, o padre Leonard Dollentas descreve como foi ser piloto e atirador militar antes de chegar a Macau, com espírito missionário. A’O CLARIM, o sacerdote diocesano da igreja da Sé Catedral também fala dos combates para libertar Marawi dos insurgentes islâmicos e da guerra contra a droga encetada pelo Presidente Rodrigo Duterte.
O CLARIM – Chegou a Macau em Novembro último. É padre diocesano da Sé Catedral. Porquê o território?
PE. LEONARD DOLLENTAS – Após servir a minha igreja local como sacerdote e o meu país por 17 anos, e depois de muitas orações, decidi dar a mim próprio um presente no meu 50º aniversário: ser missionário. Decidi acender o espírito missionário no meu coração. Assim sendo, deveria começar em Macau, pois fica perto das Filipinas. Aventurar-me como missionário e padre diocesano não é apenas uma aventura religiosa; é também um processo de aprendizagem para conhecer melhor a cultura macaense-chinesa e a língua chinesa, que sempre foi fascinante e desafiadora. Acima de tudo, é uma realização em como poderei contribuir para as necessidades da Igreja em Macau e para os fiéis que estão separados por línguas, várias origens e práticas culturais.
CL – Que opinião tem da fé católica em Macau?
P.L.D. – Tem uma origem histórica fascinante e significativa. Tal como nas Filipinas, há uma forte tradição católica. As sementes cultivadas pelos primeiros missionários em Macau estão agora a florescer, com influência para a população e até mesmo para pessoas de outras culturas que trabalham no território. Numa primeira impressão diria que Macau é predominantemente católica, porque as igrejas católicas estão em toda parte. Estas igrejas são testemunho dos enormes esforços feitos pelos missionários para levar Cristo à vida das pessoas. Os fiéis de Macau são fervorosos nas orações e devoções. Os dias solenes e festivos são ocasiões para mostrar a adoração e reverência a Deus.
CL – O materialismo fustiga Macau, principalmente através da indústria do Jogo, e não há quase espaço para a espiritualidade. Como combater esta chaga?
P.L.D. – O materialismo está presente em todas as partes do mundo e nos aspectos que afectam a vida humana. A indústria do Jogo propicia emprego e salários, mas escravizou as pessoas na oportunidade de ganharem e adquirirem riqueza num instante. A Igreja ensina-nos a incutir em nós a prática da virtude, da temperança e dos apegos moderados aos bens deste mundo. Os padres e religiosos de Macau são fundamentais para manter a estabilidade religiosa e espiritual das pessoas. As famílias, e os pais em particular, também são fundamentais para combater a chaga através da educação e do catecismo. A igreja de Macau está a fazer o melhor que pode para levar Deus à nova geração de crianças, por via do catecismo dominical.
CL – Recebeu treino militar básico e avançado, como major na força de reserva da Força Aérea das Filipinas. Foi piloto e um atirador altamente treinado. Foi difícil esse trabalho, se tivermos em conta que também era padre?
P.L.D. – O facto de me interessar pela aviação levou-me a pedir ao meu bispo uma permissão especial para me submeter ao treino, com o intuito de fazer parte do corpo de aviação da Força Aérea. E como fazer caça com espingarda era o meu passatempo, foi com a ajuda do meu pai, que era um ex-polícia, que adquiri alguma destreza na pontaria. Participei em várias competições militares e ganhei alguns prémios, razão pela qual me foi endereçado um convite para me submeter ao treino formal de tiro, mais uma vez contando com a permissão especial do meu bispo. Estou ciente de minha identidade como padre, mesmo com toda esta destreza e conhecimentos. Sou, primeiramente e acima de tudo, um padre de Jesus, que por sinal até foi piloto e atirador.
CL – Que avaliação faz à investida militar do Presidente Rodrigo Duterte em Marawi?
P.L.D. – A parte sul das Filipinas, em particular Mindanao, é predominantemente muçulmana. Os muçulmanos são boas pessoas. Há alguns que interpretam ideologicamente os ensinamentos de Alá de forma mais agressiva e combatente, acreditando que matar infiéis os levará ao céu. O ISIS desencadeou o ataque em Marawi com a crença de poderem controlar a cidade. Não havia outra opção, senão usar o poder militar para enfrentar o inimigo e implementar a lei marcial para impor um domínio mais efectivo no local. Os membros do ISIS receberam avisos para abandonarem de forma pacífica, mas sem sucesso. Por isso, os militares tiveram que expulsar o inimigo com recurso à força. Foi prestada ajuda aos que foram evacuados, tanto do Governo, como civis. Nas missas dominicais das igrejas paroquiais rezou-se pelas pessoas que foram apanhadas no meio deste conflito armado e pediu-se apoio financeiro para ajudar os mais necessitados. Todo este conflito foi revoltante e hediondo, mas também vimos misericórdia e compaixão, algo que torna os filipinos mais fortes.
CL – E o que tem a dizer da luta contra a droga e os senhores do crime?
P.L.D. – O Presidente Duterte considera a droga como a principal fonte de problemas no País. Todavia, para resolver o problema não precisa apenas de poder, autoridade e armas. Precisa da lei e do devido processo [judicial]. Toda a máquina e acção para abordar o problema precisam de ser traçadas e apontadas às raízes. Cortando as raízes principais, os ramos vão morrer. E cortando o abastecimento, as necessidades vão enfraquecer e eventualmente desaparecer. O seu método inclui eliminar os suspeitos sem o devido processo, matando aqueles em que acredita que estão envolvidos, sem lhes dar qualquer chance de se defenderem. Mas tirando isto, o seu método não é totalmente uma trapalhada. Hoje há senhores da droga presos e também há polícias e militares envolvidos na droga que estão a braços com a Justiça. Ele precisa de aprofundar as raízes do problema, em vez de actuar apenas na parte saliente desse mesmo problema.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com