Padre Lawrence Lee, Chanceler da Diocese de Hong Kong, fala de exorcismo

«O Diabo não controla as almas».

Contundente nas palavras, o padre Lawrence Lee desmistifica as práticas de exorcismo realizadas no seio da Igreja Católica. Explicando as diferenças entre infestação, opressão e possessão demoníaca, o chanceler da Diocese de Hong Kong refere, em entrevista a’O CLARIM, que o Diabo pretende convencer as pessoas que ele não existe ao confundi-las de várias maneiras, algumas das quais por via dos horóscopos, da adivinhação e das práticas esotéricas. Lembrando que Deus criou-nos livres, acrescenta que todos podemos ser salvos, independentemente de sermos cristãos, budistas, muçulmanos, hindus, judeus… ou ateus.

O CLARIMNos últimos 25 anos realizou vários exorcismos a pedido da Diocese de Hong Kong. Como teve conhecimento desses casos?PE. LAWRENCE LEE – Alguns chegaram-nos através de sacerdotes e outros de fiéis, ou porque [os visados] entraram em contacto directo connosco. Comecei por ser assistente de padres que faziam este ministério. Agora só há mais um sacerdote, mas como tem idade avançada e falta de tempo disponível tenho eu próprio conduzido os exorcismos com maior regularidade. Trata-se apenas de um ministério, um serviço pastoral. Não sou exorcista a título oficial. No entanto, o Vaticano disponibiliza um curso com as práticas de exorcismo. O que sei deve-se à experiência adquirida, embora também siga as instruções da Igreja.

CLQue diferenças há entre infestação, opressão e possessão demoníaca?

P.L.L. – A infestação dá-se quando um lugar ou alguns objectos estão sob a influência ou são afectados por espíritos malignos, como, por exemplo, quando uma mesa, um prato ou alguns copos se movem autonomamente, sem qualquer tipo de intervenção humana. Há depois os cheiros estranhos, sejam bons ou maus, que não se encontram no meio ambiente normal. A opressão, uma categoria inferior, dá-se quando uma pessoa é afectada fisicamente e apresenta, por exemplo, alguma cicatriz, dores no corpo, irritação ou comichão, sem haver razão médica para isso. Pode também sofrer infecções internas, por vezes nas glandes, ou distúrbios emocionais, tais como a ansiedade ou a depressão. Os piores casos são as possessões demoníacas, quando o corpo de uma pessoa está sob o controlo de algum espírito maligno, que pode agir através desse indivíduo como se fosse um instrumento. A pessoa pode tornar-se agressiva. Não significa que queira adoptar este comportamento, mas não consegue libertar-se da sua influência. Em termos teológicos, a alma não está controlada por qualquer espírito maligno. O Diabo, ou os demónios, não são capazes de controlar a alma de uma pessoa. O controlo é apenas físico.

CLComo sabe se uma pessoa sofre de problemas psicológicos ou está sob influência demoníaca?

P.L.L. – Quando uma pessoa é atingida por algum espírito maligno a primeira coisa que a Igreja faz é certificar-se do seu estado de saúde, através de relatórios médicos para saber se há antecedentes de doenças mentais ou distúrbios psicológicos. Mesmo havendo antecedentes ainda assim pode estar sob influência maligna. Procedemos sempre com cuidado. Só aceitamos casos quando não há uma causa natural para os comportamentos estranhos, ou que aconteça algo fora do normal, e os exames médicos ou psiquiátricos nada revelem.

CLMuitos cristãos não acreditam no Diabo. Para eles é tudo superstição. Porque será?

P.L.L. – O Diabo foi um anjo originalmente criado por Deus para fazer o bem, mas caiu em desgraça. Há também espíritos malignos; anjos que eram originalmente bons e fiéis a Deus, mas rebelaram-se e foram condenados. São os demónios. O seu objectivo é criar a maldade e levar os humanos a pecar. Há muitos cristãos e não-cristãos que não acreditam na existência do Diabo ou de demónios. Um factor está relacionado com o avanço da ciência e da tecnologia, por isso não acreditam em algo espiritual. O outro factor tem a ver com a falta de fé, porque muitas destas coisas de que falo não são “visíveis” em termos sensoriais [não se veem, não se tocam, não se cheiram e não se ouvem].

CLPor outro lado, há quem veja o Diabo em todo o lado e lhe preste grande atenção…

P.L.L. – Há até quem queira estar em contacto com os espíritos demoníacos através de ramos do esoterismo. Querem contactá-los e saber o que existe. As pessoas de hoje não são iguais às dos séculos passados, que acreditavam e confiavam em Deus quando passavam por dificuldades várias. Agora, muitas pessoas não prestam atenção a Deus e não acreditam Nele. Precisam, no entanto, de ter alguma sensação de segurança nas suas vidas, seja em termos monetários ou de poder, entre outras. Voltam-se agora para os horóscopos, para os adivinhos e para as práticas esotéricas, coisas que no passado eram consideradas superstições, seja porque se sentem inseguras ou porque desejam o conhecimento, o poder ou ter a certeza sobre o que fazer. Todas estas entidades, ou práticas esotéricas, são alguns meios para ajudá-los a atingir os seus objectivos.

CLTrata-se do jogo do Diabo?

P.L.L. – Sim, sim! A melhor forma do Diabo induzir as pessoas em erro é convencê-las que ele não existe. Se um inimigo não existe, as pessoas sentem-se seguras, mas se ele existe e ataca…

CLPor que Deus não elimina o Diabo e os demónios para o bem de todos nós?

P.L.L. – De acordo com os ensinamentos católicos, Deus criou tudo de bom. É impossível que tenha criado algo maligno. No entanto, [devido a Adão e Eva] somos pecadores. Um argumento teológico é que, apesar de ter criado tudo de bom e de algumas criaturas se terem rebelado, Deus não quer eliminar o que criou, razão pela qual ainda existem como testemunho do Plano Divino de Deus, que é bom desde o início [dos tempos]. Há também o livre-arbítrio, de escolher entre o bem e o mal. Até mesmo os demónios, que escolheram ficar contra Deus, tiveram a liberdade de escolher o mal e por isso foram condenados por Ele. Deus criou-nos livres. A escolha cabe a cada um de nós, por isso temos as consequências dos nossos actos.

CLAs suas palavras estão de alguma forma relacionadas com o conceito do Paraíso e do Inferno?

P.L.L. – Claro que sim. Deus criou o Homem e deu-lhe o livre-arbítrio. O Paraíso é o objectivo final.

CLO que pensa dos ateus?

P.L.L. – Os ateus não são necessariamente más pessoas. De acordo com a sua consciência não acreditam em Deus. Há diferentes circunstâncias para isso acontecer. Talvez por causa das injustiças, das guerras no mundo, das influências do mal, etc.

CLE dos teístas?

P.L.L. – Nós, cristãos, acreditamos que a fé religiosa é uma dádiva de Deus. Até mesmo aos teístas Deus deve ter-lhes dado alguma iluminação na consciência para acreditarem que o bem existe neste mundo e que há um Criador. Não quer dizer que haja pecado nisso ou que pratiquem o mal. Cada credo religioso supõe uma opção pessoal. Até mesmo quem é da família cristã pode tornar-se ateu ou teísta. Depende das circunstâncias da sua vida.

CLEstarão todos os não-cristãos condenados ao Inferno? Budistas, muçulmanos, hindus, judeus…

P.L.L. – Certamente que não. De acordo com o Plano Divino da Salvação é suposto que todos nós sejamos salvos. Deus oferece a salvação a todos, sem distinção de países, de raças e de extractos sociais. No que diz respeito à Igreja Católica, Deus confia nos melhores meios da Salvação através da Bíblia, dos sacramentos, dos ensinamentos católicos, das orações e da Igreja, com os seus bispos e sacerdotes, além do Papa. Deus comunica-nos todos estes meios mais eficazes da Salvação através da Igreja Católica. Quem é católico e pratica com sinceridade a fé tem o privilégio de utilizar esta bênção [dos melhores meios] para atingir a Salvação. Por outro lado, quem acredita noutras religiões, desde que pratique a sua fé com sinceridade, também será salvo, conforme o Plano da Salvação estabelecido por Deus, o único salvador do mundo. E quem não tem qualquer religião, desde que faça o bem e não o mal, também será salvo. Até mesmo para quem não acredita em Deus, como é o caso dos teístas, se for sincero na procura da luz do verdadeiro criador deste mundo também será salvo. Infelizmente, nem todos conseguiremos a salvação. Alguns estão perdidos.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

em Hong Kong

 

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