«Não podemos pactuar com agendas ideológicas»
Depois de vários anos como vigário regional do Opus Dei em Portugal, o padre José Rafael Espírito Santo divide actualmente o seu tempo entre Lisboa e Roma. No rescaldo da Jornada Mundial da Juventude, o monsenhor recebeu O CLARIMem sua casa, tendo falado sobre os diferentes contornos do encontro dos jovens com o Papa na capital portuguesa, e de que forma a Igreja a todos pode acolher, inclusivamente aqueles que contra ela agem. Segundo o padre José Rafael, a resposta está no Evangelho.
O CLARIM– Terminada a Jornada Mundial da Juventude, que balanço faz aos dias que vivemos em Lisboa?
PADRE JOSÉ RAFAEL ESPÍRITO SANTO –Ainda é cedo para fazer um balanço. É preciso deixar que tudo vá assentando e seja reflectido. À partida, o efeito de todas estas Jornadas é o testemunho da alegria e da fraternidade. É unânime constatar a alegria, o olhar limpo, o olhar alegre dos jovens; todos muito diferentes, mas todos unidos e com o desejo de aprofundar a sua amizade com Cristo. Nas entrevistas que foram feitas, o testemunho foi unânime: “vim aqui para aprofundar a minha fé, para aprofundar o meu encontro com Cristo; e depois, então, conseguir viver melhor a fraternidade e enfrentar todos os desafios”. Desafios que os jovens têm… por exemplo, do ponto de vista do trabalho e da sustentabilidade. Tudo isto a partir de Cristo.
CL– Qual foi o contributo que o Opus Dei em Portugal deu para a realização da Jornada?
P.J.R.E.S. –Muitas pessoas do Opus Dei estiveram na organização desde o início. Através das paróquias, através do conhecimento que tinham das pessoas que estavam na organização, houve um grupo significativo de chefes de voluntários. Muitas dessas pessoas estão conectadas com o Opus Dei. Foi, pois, dos grupos mais numerosos que vi. Contribuíram para a formação dos voluntários e para a organização da logística, de todos os pontos de vista.
CL– Quando for elaborado o documento com as conclusões da Jornada de Lisboa, quais os pontos que considera virem a ser abordados pelos seus redactores?
P.J.R.E.S. –Sei que a organização vai dedicar os próximos dias a recolher as experiências vividas. Há pessoas do Opus Dei também envolvidas nesta tarefa e que têm estado a recolher testemunhos para agora conseguirem redigir o documento. Quanto aos temas que serão abordados, as pessoas que lá estão saberão dizê-lo.
CL– Um documento que será também importante e a ter em conta para o Sínodo dos Bispos em 2024…
P.J.R.E.S. –Toda esta dinâmica está inserida na dinâmica sinodal. A sinodalidade é algo intrínseco à Igreja. E o Papa Francisco não quer que seja apenas algo vivido de um modo rotineiro, mas também com a consciência de que é algo que faz parte da Igreja. Todo o envolvimento dos jovens nas diversas realidades da Igreja e na preparação da Jornada foi um exemplo concreto do que é a sinodalidade.
CL– Os jovens não são propriamente os melhores leitores e este Papa já tem alguma obra publicada. Fala-nos de Ambiente com a Laudato si, mais recentemente redigiu um documento em que pede uma maior inclusão das minorias, e não podemos esquecer a “Economia de Francisco” – o documento final da Conferência de Assis. Serviu também esta Jornada para transmitir aos jovens estas mensagens e outros ensinamentos publicados no actual Pontificado?
P.J.R.E.S. –Penso que se notou ao longo da Jornada; são temas que estão presentes na sensibilidade da Juventude: a preocupação pelo Ambiente, pela Sustentabilidade e pela Solidariedade são assuntos que tocam muito no coração dos jovens. Daí que um jovem que viva a sua fé não fique alheio a estas questões e procure resposta a todas elas no Evangelho. Como é evidente, muitas vezes os jovens não lêem os documentos do Santo Padre, mas este tem a preocupação de estar em sintonia com aquilo que preocupa a Juventude. Isto manifestou-se no Sínodo sobre os Jovens. Há, pois, um entendimento entre aquilo que o Papa diz e o que os jovens querem e aquilo que conseguem captar sobre o que o Papa lhes está a querer dizer. E isso torna-se presente no dia-a-dia. E encaram-no não como uma mensagem ideológica, naturalista, mas sim com a percepção de que a Criação é um dom de Deus, e que Deus nos deu para cuidar. Depois também há as questões laborais e as questões da fraternidade, de relacionamento e de solidariedade, que os jovens olham à luz do Evangelho. E tal está sempre presente na mensagem que se deve transmitir. O Papa ajuda a sublinhar alguns aspectos que poderiam estar subentendidos e torna-os explícitos. Ajuda a que as pessoas tomem consciência da sua fé, não de modo implícito, mas explícito.
CL– Desde o início do seu Pontificado, o Papa Francisco tem abordado a questão das periferias. Depois das últimas edições da Jornada Mundial da Juventude terem sido realizadas em países mais periféricos, agora o Papa veio também a Lisboa, a capital mais periférica da Europa, com a particularidade da Igreja em Portugal não ser periférica, mas bem central no que respeita à Igreja universal…
P.J.R.E.S. –A escolha de Lisboa resultou da iniciativa do Patriarcado de Lisboa, a qual foi aceite. Tenho a impressão que uma das razões para a escolha de Lisboa terá sido a nossa vocação missionária, ou seja, a Igreja em Portugal tem historial de ir às periferias; não ficamos fechados na nossa realidade, mas olhamos para o mundo. E tudo o que o Papa disse significa que Portugal, com o seu Oceano, abre-nos para o mundo – “nascemos em Portugal, mas morremos no mundo”, como disse o Padre António Vieira. Ninguém está excluído, todos são chamados, como o Papa referiu. E todos são chamados depois a confrontar a sua vida com o Evangelho. Umas das coisas que me chamou a atenção foi a quantidade de vezes que o Papa, nas suas intervenções, disse para pensarmos em silêncio. No fundo, é confrontar a nossa vida com Cristo; em Fátima, por exemplo, disse para confrontarmos a nossa vida com aquilo que a nossa Mãe quer dizer a cada um de nós. Todos, mas todos, somos chamados a esse encontro pessoal com Cristo, não sendo uma coisa genérica, episódica, mas que vai ao fundo do coração.
CL– O Papa Francisco falou em “todos, todos, todos”. No entanto, muitos desses “todos” são responsáveis pela queda de muitos jovens, por meio de movimentos que promovem as agendas LGBTI e Woke. De que forma os líderes e os seguidores destes movimentos têm lugar na Igreja, cujos princípios eles próprios procuram destruir?
P.J.R.E.S. –É preciso ler bem o que o Papa disse. Na oração de vésperas com sacerdotes e religiosos, o Papa falou da cultura de “todos”, sendo necessário dialogar, convidar ao arrependimento e ajudar a resolver os problemas. No fundo, o Papa quis dizer que a Igreja não é uma alfândega; a Igreja a todos acolhe e depois ajuda à sua conversão. Este acolhimento não é uma aceitação dos seus ideais, pois tal seria renunciar ao Evangelho. O Evangelho é uma proposta concreta de conversão, logo, não é cada um ficar como está. O Papa fala de arrependimento, fala de resolver os assuntos. Não se rejeita ninguém! Dialoga-se e faculta-se o diálogo com Cristo por meio da proposta do Evangelho.
CL– Podemos então depreender que estes movimentos surgiram porque há muito que estas pessoas se sentem discriminadas?
P.J.R.E.S. – A questão não é nada fácil e exige uma reflexão profunda dentro da Igreja. É preciso anunciar o Evangelho com os seus valores e ao mesmo tempo saber compreender a situação de cada pessoa. Compreender é perceber e ao mesmo tempo propor o Evangelho. Qualquer pessoa que esteja numa vida com valores contrários ao Evangelho também precisa de ser acolhida e ajudada a percorrer o caminho da conversão; no fundo, ser ajudada a encontrar a verdadeira alegria. Compreender as suas dores e mostrar-lhe a esperança é possível. É importante que haja este acolhimento, mas é preciso ter presente que não podemos pactuar com agendas ideológicas.
CL– São linhas que ficam para o Opus Dei em Portugal, uma vez que estão muito ligados ao Ensino. É toda uma mensagem que podem levar para dentro das vossas escolas…
P.J.R.E.S. – Isso sempre se faz, ou seja, temos a preocupação de transmitir o amor ao Papa, a fidelidade ao Papa; e, portanto, é importante que os seus ensinamentos cheguem a todos. São Josemaría [Escrivá] tem um livro intitulado “Forja”, em que diz que devemos fazer chegar a todos os ensinamentos do Papa, e até usa a palavra periferia – devemos fazer chegar a todas as periferias o que diz o Papa e fazer chegar todas as periferias ao Papa.
CL– O Papa Francisco emitiu o documento “Ad carisma tuendum” em que reformula o estatuto do Opus Dei. De que forma o Opus Dei em Portugal encara as mudanças promovidas?
P.J.R.E.S. –Desde o princípio que o Prelado do Opus Dei tem toda uma obediência filial ao Papa. O Papa determinou que o Opus Dei tenha mais presente o carisma de São Josemaría, e isso é algo que interessa ao Opus Dei. As alterações que o Papa fez envolvem a figura das prelaturas pessoais. Ora, o Opus Dei é a única existente e às vezes pode confundir-se uma medida para as prelaturas pessoais com a realidade do Opus Dei. Houve uma reorganização da Santa Sé e as prelaturas pessoais passaram a depender do Dicastério do Clero, o que implicou alterações, uma vez que o Opus Dei dependia da Congregação dos Bispos. Mas o aspecto essencial – o carisma do Opus Dei – quer o Papa que fique mais realçado. Como há uma boa confiança entre o Papa e os vários organismos da Santa Sé este é mais um assunto que será bem resolvido, sem causar grandes perturbações.
José Miguel Encarnação
Em Portugal