Marjory Vendramani, presidente da Associação Berço da Esperança

«Não podemos isolar a criança da família»

Macau é terra de muita riqueza, mas também de famílias com problemas estruturais, em que os mais pequenos são o elo mais fraco. Para Marjory Vendramini, presidente da Associação Berço da Esperança, os lares de acolhimento desempenham um papel importante, mas o ideal é não isolar a criança da família.

O CLARIMEm 1994 fundou a Associação Berço da Esperança que gere actualmente dois lares para crianças. Descreva-nos o percurso da instituição desde o início.

MARJORY VENDRAMINI – Quando começámos com o Lar Berço da Esperança a nossa visão era uma casa, um lar, para crianças até aos três anos de idade que iriam para adopção e estariam temporariamente connosco. Em 1996, ou 97, a situação mudou porque havia mais crianças com problemas familiares que não podiam ser adoptadas, muito menos voltar ao lar. Daí a necessidade de termos um novo espaço e de abrirmos o Lar Fonte da Esperança.

CLQual a vossa principal preocupação?

M.V. – O nosso foco é sempre a criança. E não podemos isolá-la da família. Gostamos também de fazer o trabalho de sensibilização ao nível das famílias, sempre voltado para a necessidade de entenderem o quanto importante é o seu papel junto das crianças. Temos vindo a organizar muitas conferências e “workshops” para famílias e profissionais que trabalham com crianças, porque a sensibilização deve abranger toda a sociedade.

CLQuais os casos mais graves?

M.V. – Em termos gerais, já tivemos crianças abandonadas, inclusivamente um bebé que foi encontrado num caixote do lixo, enquanto outras crianças foram abandonadas na rua ou numa ponte. Há depois crianças que passaram por problemas familiares, seja porque a mãe adoeceu ou porque o pai tinha vícios relacionados com a droga ou o jogo. Por vezes, acolhemos crianças que foram abusadas pela família, seja fisicamente, sexualmente (são poucos casos), ou deixadas sozinhas em casa sem água, nem comida, por alguns dias. Há ainda crianças de famílias com problemas mentais.

CLPor que razão sucede isto em Macau?

M.V. – Não é somente em Macau. É algo comum que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Em todas as sociedades do mundo há sempre a necessidade de haver instituições para adopção de crianças que ficaram órfãs ou que passaram por outro tipo de dificuldades.

CLA adopção é pouca divulgada em Macau…

M.V. – Na verdade não há muitas crianças para adopção, porque embora sejam de famílias com problemas não podem ser adoptadas. Daí a necessidade do Governo intervir e de procurar uma solução para estes casos. Mesmo assim, há um grande número de famílias de Macau interessadas em adoptar crianças.

CLE os órfãos?

M.V. – São muito poucos. O número é quase zero, mas quando existem são [canalizados para adopção]. A família chinesa também é muito de acolher a criança necessitada, por parte da avó, do tio… Talvez por isso não haja mais casos de adopção.

CLAs crianças que não são órfãs, mas fazem parte de famílias com problemas estruturais, têm contacto com os seus parentes?

M.V. – Convivem com as suas famílias. No nosso trabalho fazemos um estudo dos casos e tentamos ajudar as crianças a voltar um dia a casa. Este é o nosso principal objectivo. Desenvolvemos várias actividades com as famílias, tentando melhorar a interacção com os pais e, por vezes, resolver os problemas que existem entre eles. O Instituto de Acção Social também desenvolve um grande trabalho no acompanhamento das famílias. As nossas profissionais (assistentes sociais e psicóloga), por vezes, também efectuam o trabalho da terapia familiar.

CL – Deparam-se sempre com os mesmos casos?

M.V. – Cada caso é um caso. Por vezes, é apenas a família da criança que não tem um emprego ou uma habitação. Tentamos ajudar a resolver estes casos. Quando a criança entra na nossa instituição elaboramos um programa que é revisto de três em três meses, depois de seis em seis meses e, por fim, a cada ano. É tudo feito de acordo com o processo da criança. Mesmo que ela retorne à família, há sempre um tempo de avaliação.

CLQuais os casos mais difíceis de resolver?

M.V. – São todos de uma forma em geral, mas os mais difíceis são de crianças que foram muito abusadas pelas famílias. E há casos de famílias que não querem colaborar. Muitas vezes a polícia tem que intervir. Outras vezes, os casos estão em tribunal. Se perguntarmos a uma criança o que quer, mesmo que seja maltratada em casa, ela diz que quer voltar para a família porque é aí que está a sua identidade e o sentimento de pertença.

CLOs dois lares da Associação Berço da Esperança têm capacidade para quantas crianças?

M.V. – Aqui [no Lar Berço da Esperança] já atingimos a capacidade total de 34, enquanto no Lar Fonte da Esperança [na ilha da Taipa] estamos perto de esgotar o número limite de 50 vagas.

CLO vosso trabalho está, de alguma forma, articulado com o Governo?

M.V. – Trabalhamos em parceria com o Instituto de Acção Social, mas também recebemos muita ajuda dos Serviços de Saúde e da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude.

CLE o sector privado?

M.V. – A “International Ladies Club of Macau” tem-nos apoiado desde 1994, não só financeiramente, como também com voluntários e a nível profissional. Temos depois a Fundação Oriente, que nos doou este espaço em 2000 [na Rua do Regedor, perto das Portas do Cerco]. Gostaria também de lembrar a época do Governador Rocha Vieira, porque a sua esposa era directora da Obra das Mães e ajudou-nos com leite e fraldas até 1999.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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