«Uma União Europeia forte é óptimo para a China»
Foi eurodeputado durante dez anos e a passagem por Bruxelas serviu para reforçar as convicções europeístas de que sempre foi apologista. Vinte anos depois de ter deixado o Parlamento Europeu, Manuel Lopes Porto continua a defender que a União Europeia é o único modo da Europa se poder afirmar no mundo. O Brexit, reconhece o professor de Direito da Universidade de Coimbra, enfraquece o bloco europeu, mas não coloca em questão a continuidade do projecto. Uma União Europeia forte, defende Lopes Porto, é bom para os europeus e é bom para o mundo.
O CLARIM– Apresentou, nesta sua vinda a Macau, uma nova obra com comentários aos tratados fundadores da União Europeia. O Tratado de Lisboa foi assinado há doze anos, numa altura em que o bloco europeu se projectava com robustez no futuro e em que o Brexit se prefigurava como inimaginável. A saída do Reino Unido da União Europeia vai obrigar à revisão do Tratado? Ou mesmo à assinatura de um novo?
MANUEL LOPES PORTO– Há muito tempo que está definido pelos responsáveis europeus que não vão passar o tempo todo a mudar o tratado. Como é sabido, o Tratado de Roma é de 1957 e durou quase trinta anos, até ao Acto Único Europeu. Depois veio Maastricht, Nice, Amesterdão e Lisboa. Quer dizer, houve ali um período em que a cada três, quatro anos, se mudava o tratado. Não adianta nada. O essencial é que a casa esteja em ordem para que se possa manter o mercado único, a moeda única e aí por adiante. Mudar não adianta muito. Há um caso curioso que é a questão das regras da concorrência, que vêm desde 1957. Veja o tempo que já lá vai; o Tratado de Roma tem cinquenta e tal anos. Isto para lhe dizer que estas regras ainda se mantêm em vigor com outra numeração. No fundo, o Tratado de Roma nesse aspecto mantém-se perfeitamente actual. Noutros casos, tinha mesmo que mudar, mas não adianta estar a mudar só por mudar. Outra coisa curiosa: com o Brexit há quem defenda que a Europa vai legislar com mais facilidade porque os ingleses colocavam sempre reservas aos avanços da integração. É pena! Ficamos 27 e eles fazem falta, mas mais vale que quem lá esteja avance na integração.
CL– O Brexit é, porventura, o maior dos desafios com que a União Europeia se depara, mas não é o único. Temos visto em países como a Polónia ou a Itália a ascensão do populismo e a imigração continua a ser um desafio. De que forma é que a União Europeia se reforçou face a estes desafios? Fez o que devia ter feito?
M.L.P.– Não percebo porque é que há populismos. Nós é que somos críticos de nós próprios. Na China e na Índia e tudo isso, onde é que vão investir? É lá. Portanto, não consideram que a Europa esteja tão mal. O mesmo acontece com quem procura melhorar o nível de vida. É para a Europa que vai. Agora, há um caso que é muito delicado, que é o caso da imigração. Fechar fronteiras… Será correcto fechar fronteiras? Resolve o problema? Veja o caso dos Estados Unidos. Faz sentido um país reforçar as fronteiras quando todos eles são filhos de imigrantes? Quem fez os Estados Unidos foi gente que emigrou. Não foram os poucos nativos que lá estão. O senhor Trump é descendente de emigrantes e tudo isso. Há uma coisa que eu acentuo muito: eu sou católico, acredito que Deus nos colocou na Terra, mas não é preciso ser católico, basta ser democrata. Os homens são todos iguais e durante séculos o que houve foi privilégios de categoria social, de casta, de origem nobiliárquica. Sendo um democrata, acredito que os homens são todos iguais, sejam de África ou da Ásia, mas o que vemos hoje em dia é que quem nasce num certo território é privilegiado à nascença. Não permitindo que outro que nasceu em África ou na Ásia, ou na América Latina, vá para esses territórios, estamos a perpetuar essa ideia de privilégio. Isto é contra os meus princípios. Pode não concordar comigo, mas esta é a postura de um democrata. Na Índia, que é a terra da minha mulher, o privilégio advinha de se ter nascido numa casta superior. Eu não admito que quem seja de um certo território seja de uma casta superior. Alguém por nascer noutro país, já não é um homem? É um bicho? Isto pode parecer demagogia e é evidente que também não é possível deixar entrar toda a gente. Qual é então a solução correcta? A melhor de todas, para eles e para nós? É ajuda ao desenvolvimento. Mas, lá está, a União Europeia é responsável por 56 por cento da ajuda ao desenvolvimento, os Estados Unidos são responsáveis por vinte e tal por cento e depois tudo por aí abaixo. A melhor solução é, obviamente, promover em territórios de África e da Ásia práticas de ajuda ao desenvolvimento de forma a que as populações se sintam lá bem. É uma solução que é boa para nós, uma vez que evita fluxos de emigração não desejáveis e ajuda a criar oportunidades de mercado.
CL– No auge da crise, quando Portugal e a Grécia estavam numa posição de maior fragilidade, houve uma série de investimentos cirúrgicos chineses, com uma feição estratégica que foram feitos nestes países mas que não criaram necessariamente riqueza. A União Europeia deve ou não intervir nestes casos?
M.L.P.– Não. Eu acho que deve aceitar. Agora, o senhor Presidente da República [Portuguesa], quando aqui esteve, disse uma coisa que teve alguma projecção lá em Portugal e com a qual concordo. É bom que a China invista no que já existe – EDP, Fidelidade, etc. – mas invista também criando novas empresas. É bom que haja investimento estrangeiro, designadamente chinês, mas importa que quem invista, invista não só adquirindo empresas que já existem, mas criando novos empregos. Esta é a mensagem que o professor Marcelo Rebelo de Sousa deixou e que eu, como português, corroboro naturalmente. É algo bom para eles também.
CL– As eleições europeias estão à porta e em Portugal o que se diz é que pouco se falou da Europa no período de campanha eleitoral. Este é um problema que toca apenas Portugal?
M.L.P.– É de todos, é de todos. Para já não há informação sobre a Europa. Eu às vezes lanço um desafio aos mais jovens: imaginem que não havia União Europeia. Conseguem imaginar que valor teria o dinheiro português? E o que seria de Portugal com as fronteiras fechadas? Estas eleições são muito difíceis. Eu disputei-as há trinta anos e há 25, depois há vinte já não as disputei, mas dou-lhe razão quando diz que quer os candidatos, quer os partidos, devem puxar pelos assuntos europeus e mostrar os resultados da Europa e não estar só a falar das questões nacionais. Aí, há culpas de toda a gente, mas por vezes as pessoas sentem-se tocadas com o que está mais perto, sem ter muitas vezes noção da importância das decisões que se tomam em Bruxelas. E depois há esta situação curiosa: o que é mau é culpa da Europa. O que é bom, o mérito é do Governo Português. É algo que temos que ultrapassar. Mas o mal é geral, é algo que se nota na Europa toda.
CL– Para um eleitor europeu que resida em Macau, porque razão vale a pena votar nas eleições de Domingo?
M.L.P.– Vale sempre a pena. Se a Europa se fortalecer, é bom para nós – não digo necessariamente para alguém que vive em Macau – e é bom para todos, a começar pela China, uma vez que aumenta e protege o mercado. O haver uma União Europeia forte é óptimo para a China. Porque a China vende lá as suas coisas. É tão simples quanto isto. O bem dos outros é o nosso bem. Com o mal dos outros é que não se faz nada. Se a Europa for pobre, o que é que adianta para a China? Nada! Se a Europa for rica, compra. São só vantagens. No que à economia diz respeito há uma moral: o bem dos outros é o nosso bem.
Marco Carvalho