Na Ásia as pessoas estão mais receptivas a Cristo
Nascido nos Estados Unidos, mas filho de imigrantes portugueses, José Oliveira Marques é ordenado sacerdote a 21 de Outubro, com a missão de servir a diocese de Macau. A cerimónia, que decorre na igreja da Sé Catedral, é o culminar de uma longa caminhada de fé, espoletada no final da infância, pelo maior dos dramas: a morte do pai. No carisma do Caminho Neocatecumental, mais do que uma nova família, encontrou as respostas que sempre lhe faltaram e que o mantiveram firme na vivência da sua fé. O diácono José Oliveira Marques em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM– Quem é José Oliveira Marques? Como veio viver para Macau num dos principais momentos da sua vida, a ordenação sacerdotal?
JOSÉ OLIVEIRA MARQUES –É uma pergunta muito abrangente. Neste momento tenho 29 anos. Nasci nos Estados Unidos. Os meus pais são portugueses, naturais da Bairrada, ali perto de Coimbra. Eram gente simples, lavradores, como muitos portugueses. Viviam em condições difíceis e emigraram para a América, à procura de melhores condições de vida, de uma situação melhor. Emigraram para os Estados Unidos em 1989. Nesse tempo, ainda não tinham filhos. Em 1993, nasci. Tenho um outro irmão mais novo, com uma diferença de quatro anos. Cresci na América e a região onde eu vivia é uma parte dos Estados Unidos onde há muitos outros imigrantes portugueses, uma comunidade luso-americana forte. Cresci entre outros portugueses. Lá também tínhamos Missa em Português.
CL– Cresceu no seio de uma família católica, então?
J.O.M. –Sim, sim. Numa família tradicionalmente católica. Como a maioria dos portugueses, ia à Missa aos Domingos. Na minha paróquia, nos Estados Unidos, tínhamos Missa em Português, porque havia muitos portugueses e brasileiros naquela zona. E começou, digamos, um pouco assim. Com as dificuldades da vida, estando longe, começaram algumas dificuldades matrimoniais entre os meus pais, muitos problemas em casa, o tipo de sofrimento pelo qual passam muitos casais. Chegou a um ponto em que a minha mãe não aguentou e decidiu separar-se do meu pai. Esse momento da minha vida, muito concretamente, foi algo que me marcou. Eu tinha nove anos e lembro-me de me ter virado para a minha mãe e de lhe dizer: “Mãe, eu sei que não é fácil, mas não é justo. Os outros meninos podem ter pai e eu vou ficar sem pai”. A minha mãe, apesar de tudo, nesse momento respondeu: “Deus será o nosso pai”. Foi difícil. Os meus pais separaram-se, passei por tempos muito difíceis. Devido a outras circunstâncias, o meu pai teve de voltar para Portugal e, pouco tempo depois, em 2005, faleceu. Eu tinha mais ou menos dez, onze anos nessa altura. E, como qualquer um, a morte do meu pai foi algo que me afectou. Muitas vezes o meu refúgio eram os videojogos. A minha vida era o meu GameBoy, era voltar para casa e escapar de tudo. Mas foi nesse momento, concretamente, que Deus se colocou no meu caminho. Volvidos todos estes anos, consegui perceber que foi no ano em que o meu pai morreu, em 2005, que Deus colocou na minha vida esta realidade em que participo que é o Caminho Neocatecumental.
CL– De que forma o Caminho se revelou instrumental na sua escolha?
J.O.M. –Antes de mais, o Caminho Neocatecumental deu-me uma comunidade para viver a minha fé. E o que isto quer dizer? Quer dizer que eu tenho um lugar que me incentiva a manter a minha fé. Para qualquer cristão, manter a sua fé é uma luta. Dos mais santos aos mais pecadores, é uma luta com que nos deparamos todos os dias. Mas aquilo em que a comunidade me tem ajudado, é a mostrar-me que não estou só. Tenho esta comunidade e nesta comunidade eles conhecem concretamente quem eu sou e como sou; as minhas faltas e os meus pecados. Através deles, Deus diz-me que me ama. Diz-me que apesar das coisas que já fiz, das atitudes que demonstrei, há um lugar onde me é dado a sentir que a minha fé não é só minha. O apoio deles fez com que fosse possível manter-me com firmeza no caminho de Deus.
CL– Deus colocou Macau no seu caminho. Que realidade encontrou em Macau e quais são os obstáculos que ainda persistem para poder chegar ao coração das pessoas?
J.O.M. –A realidade que encontrei, tanto em Taiwan, para onde fui com 18 anos, como aqui, é uma realidade comum a toda a Igreja, parece-me. Estamos numa época dada a transformações, em que tudo está a mudar a uma velocidade tremenda. De um dia para o outro tudo muda. Não é fácil. Está toda a gente a tentar dar uma resposta aos desafios actuais e as respostas tardam em aparecer. Mas também não é fácil, pois em Macau e Taiwan a Igreja é uma minoria. Não é como na Europa ou na América, em que o substrato cultural, digamos assim, é cristão. Por outro lado, essa também é uma das vantagens que a Igreja tem deste lado do mundo. Ao contrário do que acontece na América e na Europa, as pessoas não têm tanto preconceito em relação ao que é Cristo. O primeiro grande desafio com que nos deparamos no Ocidente manifesta-se quando vamos até alguém para proclamar a Boa Nova e eles acham que já sabem tudo, que não temos nada de novo para lhes dizer. Aqui é o contrário. A maior parte das pessoas ouviram falar de Cristo, têm uma noção, mas não têm preconceito. A minha impressão é que, na eventualidade de encontrarmos pessoas nas quais se manifesta a fé em Deus, é mais fácil que as pessoas se abram, ao contrário do que acontece na Europa e na América, onde o preconceito talha o discernimento. Na Ásia, a presença de Cristo ainda é algo novo.
CL– Sente que as pessoas estão mais receptivas a ouvir a palavra de Deus?
J.O.M. –Exacto. Trata-se de um desafio maior, porque não existe o tal substrato cultural de que lhe falava. Dizemos a uma pessoa: “Jesus Cristo morreu. Morreu e ressuscitou por ti”. O que isso quer dizer? Temos de lhes explicar. E é aí que está o desafio. São pessoas que ignoram a cem por cento a realidade da palavra de Deus, ao contrário do que acontece com um português ou com um americano, que se lhe dissermos que Jesus Cristo ressuscitou, eles respondem: “Ah, sim. Eu sei disso, mas isso não tem nada que ver comigo”. Há esse desafio: o facto de para eles o Cristianismo ser quase que por inteiro uma novidade, mas, nesse sentido, também é uma vantagem porque para eles se trata de uma lufada de ar fresco.
CL– Vai ser ordenado sacerdote dentro de pouco mais de uma semana e os próximos anos deverão, muito provavelmente, passar por Macau, mas onde é que se vê daqui a vinte ou trinta anos?
J.O.M. –Na próxima semana serei ordenado para a diocese de Macau. Serei sacerdote da diocese de Macau. Tento não pensar muito no que o futuro me reserva. Serei ordenado para servir a diocese de Macau, mas estou aberto à missão, para servir onde Deus me mandar, independentemente de isso significar voltar para a América ou continuar aqui. O que quer que o futuro me reserve, estarei contente. Desde que tenha uma comunidade, uma Igreja onde me possa encontrar com o Senhor, estarei contente. O que Deus me mostrou ao longo da vida é que, onde quer que eu esteja, qualquer que seja a nação, eu posso encontrar-me lá com Ele. É possível, em qualquer lado, ter irmãos em Cristo, não estar sozinho. Nesse sentido, estou tranquilo. O que quiser que venha amanhã – seja a Ásia, seja a Europa, seja a América, seja a África – estou tranquilo com o que Deus me reserva.
Marco Carvalho
N.d.R.: Na próxima edição, O CLARIMpublica uma entrevista a Sheldon Eric D’Souza, que também irá ser ordenado sacerdote no dia 21 de Outubro, juntamente com José Oliveira Marques.