«Onde há maior tensão é onde o diálogo e o encontro faz mais falta».
Programa da RDP, transmitido pela Antena 1 às terças-feiras, junta Pedro Gil (católico), Isaac Assor (judeu) e Khalid Jamal (muçulmano), para debaterem os assuntos da actualidade numa perspectiva religiosa. Em Roma, O CLARIM falou com moderador Henrique Mota.
O CLARIM – Em breves palavras como descreve o programa “E Deus criou o mundo”?
HENRIQUE MOTA – O programa tem três anos. É diferente no tema, que é um tema que não é habitual. Normalmente [a religião] não é objecto de debate público. As religiões são retiradas muitas vezes do debate público e o fenómeno religioso não é reconhecido como primacial. Mas depois é um programa como os outros programas. É um debate que é construído sob as lógicas próprias de um debate, que está incluído na grelha da Antena 1 como um debate entre tantos outros. Podem ser de economia, de política, de desporto ou de religião.
CL – Conseguir reunir três pessoas das três maiores religiões em Portugal é um sinal de que o País integra efectivamente todos os credos, embora seja maioritariamente católico. Sente que o programa é também resultado desse fenómeno?
H.M. – Sim. Diria que o programa parte de uma raiz comum: a origem abraâmica das três religiões. Reconhece isso como um ponto que une, mas depois constata tudo aquilo que separa. O programa não é feito para procurar falsos consensos. É para procurar encontrar no diálogo aquilo que é diferente em cada uma das três religiões. É uma experiência de diálogo inter-religioso, e nessa medida é uma experiência de diálogo cultural. Portugal tem a vantagem, comparativamente com outros países europeus, de ter uma situação muito tranquila, muito pacífica neste diálogo. As comunidades judaica e islâmica são pequenas, mas estão totalmente integradas, são pacíficas e não contestam a organização social. Também é certo que a comunidade católica, embora sociologicamente muito numerosa, é hoje em dia razoavelmente muito pequena na expressão dos valores e na expressão pública das convicções. Esta circunstância torna relativamente fácil fazer em Portugal um programa como este. Não sei se seria igualmente fácil fazê-lo em França ou na Alemanha, onde a tensão religiosa faz parte da ordem do dia. Em Portugal não faz parte da ordem do dia e portanto é possível fazer este programa sem riscos, sem incompreensões, sem mal-entendidos. Mas dito isto, creio que mesmo onde a tensão religiosa faz parte da ordem do dia é provavelmente necessário ter momentos de diálogo e de encontro. Talvez até onde há maior tensão é onde este diálogo e este encontro faz mais falta.
CL – Este programa e outras iniciativas como, por exemplo, a introdução do Corão no Plano Nacional de Leitura, poderão significar que estamos perante uma maior abertura da sociedade e do poder político em relação às religiões minoritárias?
H.M. – Diria que o objectivo deste programa é evidenciar, em primeiro lugar, a existência do fenómeno religioso. Segundo, a possibilidade do diálogo entre religiões diferentes e entre aqueles que parecem ter posições antagónicas no mundo cultural, religioso e político. Em terceiro lugar, para aqueles que compreendam isto, reconhecer que há uma mensagem que vem do fenómeno religioso que deve também ser considerada no dia-a-dia das sociedades; no dia-a-dia da sociedade portuguesa, no nosso caso.
CL – Disse que não há tensão religiosa em Portugal. No entanto, se dessem a possibilidade às pessoas de dizerem publicamente o que pensam de religiões como o Islão e o Judaísmo, não viríamos a descobrir que há uma larga franja da sociedade portuguesas que as encara com desconfiança?
H.M. – Um programa destes permite o diálogo entre as religiões e o combate ao preconceito. Há dois caminhos: dizer que as religiões são uma matéria irrelevante na sociedade moderna; um motivo de retrocesso que não deve ser valorizado no debate público da sociedade moderna. Ou tornar compreensível o bem que há em cada uma das religiões e assim desmanchar o preconceito que possa existir sobre as religiões e sobre aqueles que professam cada uma das religiões.
CL – O programa não tem um espaço dedicado a quem queira telefonar a colocar questões. Não seria também importante saber a opinião dos ouvintes?
H.M. – Recebemos as perguntas que nos são feitas via Facebook ou por e-mail. Não passamos as perguntas em directo, até porque se assim fosse teríamos de transmitir o programa em directo e ele é pré-gravado. Além disso, julgo que é melhor receber as perguntas e poder pensar sobre elas – poder preparar as respostas e com isso dar explicações menos superficiais, mais detalhadas e mais profundas.
José Miguel Encarnação
Em Roma (Itália)