«Ser macaense é um estado de alma».
Natural de Macau, Fernando Airosa Branco ficou famoso nos anos sessenta ao integrar a banda “The Grey Coats”. Eram outros tempos, o que também se traduz nas transformações que paulatinamente foram atingindo a comunidade a que pertence. «Ser macaense é um estado de alma», sustenta o antigo funcionário do Banco Nacional Ultramarino e da Fundação Macau, agora a residir em São Paulo, no Brasil. A’O CLARIM, diz que a habitação é o principal problema da RAEM, dado que há muita especulação imobiliária.
O CLARIM – Nasceu em Macau há 74 anos. É filho de pai e mãe portugueses. Considera-se macaense?
FERNANDO AIROSA BRANCO – Sou puro macaense, culturalmente. O meu pai veio para cumprir o serviço militar e conheceu a minha mãe, natural de Macau. Casaram-se e por cá ficaram. Frequentei a escola infantil e a escola primária. Estudei depois no Liceu Nacional Infante D. Henrique e, após o sétimo ano, fiz a prova de admissão para a faculdade e fui para Portugal, dado que em Macau não havia universidade naquela época.
CL – O que é para si ser macaense?
F.A.B. – A identidade macaense é algo que está a ser discutida desde a transferência de poderes, porque antes disso quase ninguém se preocupava. Agora sim, por uma questão de afirmação, possivelmente. Julgo que é mais um estado de alma. Não tem nada a ver com a cor da pele, nem é uma questão cultural, mas sim de absorver Macau. Ou seja, a cultura portuguesa, a cultura chinesa e um pouco a cultura internacional. No meu tempo de adolescência havia muita influência americana, em termos de filmes, de canções do tempo do Elvis [Presley], do Rock & Roll. É o que define a identidade macaense da minha geração, pois anos mais tarde surgiram outras influências que eu já não tive.
CL – Qual é o futuro da comunidade macaense?
F.A.B. – Se eles não tomarem medidas ao nível do envolvimento físico de Macau, é certo que Macau vai desaparecer [as suas características], e com isso a comunidade macaense, tal e qual como ainda a conhecemos.
CL – Nem mesmo a comunidade poderá manter a sua identidade?
F.A.B. – Vai ser muito difícil. Passaram-se dezassete anos e não houve quase ninguém a mexer-se a favor da língua portuguesa. Foi preciso vir alguém de Pequim! Mas temo que tudo esmoreça com o tempo… Macau está hoje a transformar-se numa “colónia” anglo-saxónica!
CL – Fez parte da banda “The Grey Coats” nos anos sessenta. O que recorda?
F.A.B. – Integrei a banda original com “Neco” Barros, “Bebé” Branco, meu irmão, João Magalhães, “Toninho” Pinto Marques e “Ricky” Rosário. Tocávamos músicas americanas, anglo-saxónicas, em Macau e Hong Kong. Na altura estava mais em voga por cá as músicas do Elvis e do Pat Boone, entre outros. Foi uma experiência muito boa.
CL – E como era viver no território quando era mais jovem?
F.A.B. – Não tem nada a ver com os dias de hoje. Havia muito mais espaço, não havia televisão e as brincadeiras éramos nós que as inventávamos. Fazíamos a fisga, os papagaios… Quando íamos acampar em Coloane despedíamo-nos da família. Era um lugar muito isolado, não havia pontes e tínhamos que ir de barco. Conforme a maré, até podíamos ser forçados a parar no meio do percurso [na travessia de barco].
CL – Em Portugal frequentou o curso de Ciências Sociais e Política Ultramarina no Instituto Superior com o mesmo nome, mas não chegou a terminar, pois foi chamado para cumprir o serviço militar obrigatório. Ingressou depois no BNU em Lisboa, desempenhando também funções em Macau. Reside desde há doze anos em São Paulo. Como define a comunidade macaense nesta cidade brasileira?
F.A.B. – A comunidade macaense funciona da mesma maneira como em toda a parte do mundo. Há muita “fofoca”, mas como dizem os brasileiros: “vão tocando para a frente”.
CL – E os jovens macaenses?
F.A.B. – Estão integrados na sociedade e no modo de vida dos brasileiros, mas bastante afastados da Casa de Macau [de São Paulo].
CL – A aculturação tem bastante peso nos jovens da diáspora…
F.A.B. – No Brasil sim, tem bastante peso. Estados Unidos, Canadá, Austrália… Os mais velhos é que têm saudades de Macau. Encontramo-nos de três em três anos.
CL – Participou no Encontro das Comunidades Macaenses realizado na RAEM em 2016. O que lhe pareceu?
F.A.B. – Foi muito pobrezinho em termos de eventos e de acontecimentos…
CL – Mas foi organizada uma ida a Cantão!
F.A.B. – Sim, foram a Cantão. Já conheço Cantão. Após o BNU trabalhei na Fundação Macau, com a qual viajei um bocadinho para exposições em Cantão, Banguecoque…
CL – Participou também na Expo 98, em Lisboa. Como aconteceu?
F.A.B. – Estava aposentado e fui alertado por amigos que precisavam de pessoal para trabalhar na Expo 98, cinco horas por dia, no pavilhão de Macau. Contactei-os e fui aceite, mas já só havia uma vaga para vender “souvenirs” na loja do pavilhão. Algum tempo depois, o director, coronel Sobral, já falecido, entendeu que eu estava a ser desperdiçado e convidou-me para relações públicas, com o propósito de receber as altas individualidades. Foi uma boa experiência.
CL – Voltando a Macau… Quase a dezassete anos após a transferência de poderes, tendo em conta a liberalização da indústria do Jogo, de que forma vê o futuro do território?
F.A.B. – Não estou a ver tanto futuro para Macau, principalmente para a população. Estão a passar-se coisas muito graves em relação ao problema da habitação. Não sei até onde isto irá. Estava a pensar que as rendas iam baixar, mas agora já há perspectivas de que vão subir. Já nem falo em adquirir uma habitação, o que seria o ideal. Eu mesmo perguntaria: quem são os proprietários dos imóveis em Macau? A maior parte está ligada à política ou à classe empresarial! Posto isto, acha que estão interessados em beneficiar a população, sofrendo eles no seu bolso? Noto haver especulação imobiliária desenfreada, algo que o Governo devia combater drasticamente, tomando medidas urgentes e sérias.
CL – Qual é o principal problema?
F.A.B. – A habitação! Resolvido o problema da habitação, acho que já é um passo muito grande em frente, em vez de estarem a criar insegurança nas famílias. E quando digo habitação, falo de uma casa condigna, sem a preocupação de se andar com “os móveis às costas” quando termina o contrato [de arrendamento].
PEDRO DANIEL OLIVEIRA