DIOGO MUÑOZ

DIOGO MUÑOZ, PINTOR, EM ENTREVISTA A’O CLARIM, FALA DA ARTE COMO VOCAÇÃO

«Tenho muita fé. Enquanto estou a pintar, estou a rezar»

“Diogo Muñoz é um respeitado e talentoso artista lisboeta. Estudou Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e as suas obras estão expostas em prestigiadas colecções em Portugal e no estrangeiro”, pode ler-se no programa oficial de “Junho, Mês de Portugal na RAEM”. O Círculo dos Amigos da Cultura de Macau convidou Diogo Muñoz a apresentar uma exposição individual sobre Macau e as suas gentes, no Albergue Santa Casa da Misericórdia. Para o efeito, o artista começou a preparar a mostra “Macau Forever” em 2015, mas devido à pandemia de Covid-19 e a outros imprevistos o trabalho e a apresentação tiveram de ser adiados. Através de aproximadamente sessenta obras de dimensões variadas, Diogo Muñoz conta histórias e recorda a História, com simplicidade e alegria, porque – como ele próprio nos confessou – gosta muito de Macau. É também um católico fervoroso e, também nessa condição, apresenta a sua arte.

O CLARIM – Antes desta entrevista, disse-nos que visita Macau com alguma frequência. Recorda-se da primeira vez?

DIOGO MUÑOZ – Vim pela primeira vez há 25 anos. Vim com o meu então futuro sogro, pois ainda não o era, de forma oficial; embora eu já estivesse noivo da hoje minha mulher. Ele veio a Macau para um espectáculo de fado, uma vez que é fadista. E eu vim para cantar com ele.

CL – Pela sua resposta, presumimos que também canta?

D.M. – Eu canto! Cantei ópera, num registo já mais a sério, e tive uma banda.

CL – Como se proporcionou esta exposição em Macau?

D.M. – O arquitecto Carlos Marreiros convidou-me a realizar esta exposição. Eu já tinha feito muitas exposições em Macau. Já expus na Fundação Oriente e noutros lugares da cidade. Como eu gosto muito de Macau, há muita gente que acha que eu vivo em Macau.

CL – Nesta exposição está a História de Macau…

D.M. – Uma parte da História de Macau. Nunca há tempo, nem espaço, para pintar tudo. Macau tem muitas figuras interessantes, portanto escolhi algumas que me dizem mais, ou que estão relacionadas com a minha ligação a Macau. Escolhi figuras históricas; figuras das artes, da pintura, da poesia, da escrita em geral; figuras políticas, figuras que estiveram relacionadas com a transferência da Administração de Macau para a China (que decorreu da melhor forma), e ainda escolhi dois ou três amigos que vivem em Macau. Pintei um quadro relativo ao Padre Manuel Teixeira, que era de Freixo de Espada à Cinta. Cheguei a pensar que fosse macaense, em termos étnicos, por assim dizer, pois tinha os olhos muito rasgados e falava Chinês. Veio para Macau muito novo e por aqui ficou muitos anos, tendo-se tornado um especialista em História da China e em Relações Sino-Portuguesas. Sobre estas matérias escreveu muitos livros.

CL – Provém de uma família católica. Como é que consegue ligar a fé à sua arte?

D.M. – Não sei se a fé transparece directamente nas minhas pinturas, mas pelo menos penso que é visível na forma como trabalho, na leitura que faço da História e como preservo os valores da fé, mesmo num ambiente tão livre, como é o das artes. Lembro-me que nas primeiras aulas da Faculdade de Belas Arte tive um professor que ensinava muito bem. Certa ocasião, esse professor disse que a primeira grande imagem de “marketing” do mundo foi Jesus Cristo, assim como a Coca-Cola. Fiquei muito irritado! Na nossa turma havia muitos católicos, mas ninguém disse nada. Eu, que sempre defendi a minha fé com toda a seriedade, fui falar com o professor e disse-lhe que ele não podia faltar ao respeito em relação ao mais íntimo de cada um de nós. Há uma coisa que eu tenho, que sinto como católico, e logo é algo que não faço: gosto imenso de provocar, mas nunca irão ver, num qualquer quadro da minha autoria, uma provocação óbvia, ou um insulto. Serão sempre provocações mais profundas, mais intelectuais. Eu tenho muito cuidado no que faço, no intuito de presentear o público com coisas bonitas e harmoniosas. As minhas composições são sempre equilibradas, mas não simétricas.

CL – Vive da pintura. De que modo a sua família partilha essa vocação artística?

D.M. – Temos três filhas. É muito engraçado porque a minha filha de doze anos, a Benedita, não está num colégio católico, mas participa na Catequese. Para nós, a Catequese é importante, até porque a minha mulher e eu já fomos catequistas. Participar na Missa e na Catequese é intrínseco a qualquer católico – é algo que nem merece discussão… Quanto ao resto, também tudo está presente no dia-a-dia, o mesmo acontecendo com as artes (entre as quais se encontra a Música). A arte é parte da nossa vida familiar. Qualquer criação do Homem é boa, pois sabemos qual a sua origem, de onde ela vem. Como a minha vida esteve sempre ligada às artes, considero-me um artista, e as minhas filhas são também elas muito contemplativas. A título de exemplo, falo-lhe da minha filha Carminho, que tem um problema de mobilidade e não se consegue levantar. A nossa casa tem uma vista muito bonita e todos os dias a levanto, logo pela manhã, para que possa usufruir da vista. Ela exclama sempre: «– Uau! É lindo!». Esta expressão é forma de contemplação da beleza da Criação. Pois todos os dias a Carminho vê a mesma coisa, e todos os dias diz: «– Uau!».

CL – Descobriu na arte a sua verdadeira vocação?

D.M. – Disso tenho a certeza e explico porquê. Eu tenho talento para desenhar. Ainda era pequenino e já desenhava como muitos adultos não desenhavam. É um dom! Mas realmente desenhava impressionantemente bem. Quando me comecei a dedicar mais a sério, senti que estava perante um problema muito grande, dado que sempre vivi da arte e nunca fiz mais nada para além disso. É um dom que me foi dado e é o que faço para sustentar a minha família, pelo que havia o problema de se tornar uma actividade meramente mercantil. Ora, muitas vezes acontece haver pessoas que querem muito ter um quadro meu e não têm a possibilidade de o adquirir. Como os meus quadros não são baratos, acabo por os oferecer. Por exemplo, sei de alguém a quem faleceu um familiar muito querido e com quem tinha uma relação próxima. Faço um quadro intimista dessa pessoa e ofereço-o. É uma maneira muito minha de aliviar o peso que sinto de não dar nada. Estas coisinhas pequeninas são retribuições… Trabalho muito, mas no fundo nasci com um talento inato. Um amigo católico, com muita fé, disse-me: «– Tu és um condutor, tens uma luz, e tens necessidade de a oferecer». Acho que essa é a minha vocação.

CL – Como é que a arte pode ser uma vocação para os jovens?

D.M. – Penso que o mais bonito que existe são as artes. Eu falho muito, mas tenho muita fé. Não rezo muito, mas enquanto estou a pintar, estou a rezar. Acho que aquilo que mais revela o que somos enquanto pessoas, são as regras da sociedade, uma economia a funcionar bem, etc. Contudo, aquilo que revela o que somos culturalmente, do que somos compostos, são as artes… a Música. Dizem que estão a mandar sinais para o espaço, para alguém que nos ouça. Mas, e o que vamos mandar!? Vamos mandar um tratado de economia, ou uma pintura, uma música de Mozart, uma poesia?…

Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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