D. JOSÉ CORDEIRO, NOVO ARCEBISPO DE BRAGA

D. JOSÉ CORDEIRO, NOVO ARCEBISPO DE BRAGA

«A Fé é o maior risco da nossa vida»

D. José Cordeiro assume a arquidiocese de Braga com a mesma idade do seu antecessor. Não sabe quanto tempo ficará à frente da Arquidiocese, mas quer que esse tempo seja de proximidade com todos, de escuta e participação activa. Nesta entrevista à FAMÍLIA CRISTÃ, mostra-se aberto ao diálogo e consciente de que a caminhada sinodal do Papa Francisco é um caminho sem retorno.

FAMÍLIA CRISTÖ Foi o bispo mais novo a ser nomeado em Portugal. Olhando agora para o José que foi nomeado aos 44 anos, considera que a nomeação tão jovem foi positiva?

D. JOSÉ CORDEIRO– Bom, como considero que tudo é Graça, foi quando teria de ser, e isso só aumentou a responsabilidade na comunhão deste ministério episcopal. O bispo que me ordenou diácono, presbítero e me impôs as mãos para o episcopado, D. António Rafael, dizia que «a idade, se é um mal, todos os dias diminui» [risos], e isso também me foi acompanhando.

FC – Quando olha para estes dez anos à frente da diocese de Bragança-Miranda, sente que cumpriu os objectivos?

D.J.C.– A Igreja nunca está acabada [risos]. Senti que abrimos processos, caminhos, e é essa a missão do bispo que, como diz o Papa Francisco, umas vezes vai à frente, outras vezes vai ao meio e outras vezes vai atrás. Sinto que há muito mais para fazer. Na carta que dirigi à diocese de Bragança-Miranda citei São Francisco de Assis, quando dizia aos seus irmãos «vamos trabalhar porque até agora pouco ou nada fizemos», e tenho essa consciência de me ter esforçado e de ter feito tudo o que estava ao meu alcance com os recursos, meios e pessoas que tinha, com o que dispunha, de fazer o melhor, com a consciência de que está quase tudo para fazer, porque a Igreja é um organismo vivo, com pessoas, nem sequer é um partido político ou uma plataforma empresarial que se possa traduzir em resultados ou insucessos. O que Deus nos pede é que sejamos fiéis e é trabalhar, e estes dez anos fizeram-me crescer muito neste compromisso incondicional ao Evangelho.

FC– Chega a uma arquidiocese que foi dirigida por um arcebispo que ficou mais de vinte anos no cargo, e é nomeado sensivelmente com a mesma idade. É esse tipo de mandato que espera cumprir também?

D.J.C.– Isso não depende de nós, depende do sucessor de Pedro, da Igreja no seu todo… É o tempo que tiver de ser. Não saberei colocar-me nessa perspectiva. Vivo a vida como um dom, e onde, quando e como for é a resposta de Isaías e de Maria, que diz «eis-me aqui, faça-se em mim segundo a tua palavra». O que peço é que o Senhor me dê esse coração pulsante que vê, escuta e que toca como o Bom Samaritano, que não seja indiferente aos gritos e a tudo aquilo que chega, sobretudo dos que não têm vez nem têm voz.

FC– Que sonhos já tem para a sua arquidiocese?

D.J.C.– O sonho é sonhar os sonhos de Deus, e Deus sonha sempre em grande. O primeiro sonho é conhecer em profundidade e escutar activamente, com o presbitério e o povo santo de Deus, e deixar-me conduzir nessa docilidade ao Espírito Santo. É o maior risco, mas é a maior esperança. A fé é o maior risco da nossa vida, e vê-se neste processo sinodal, que não tem retorno, porque é o tal caminho aberto, nesta hora de graça, pelo Papa Francisco. Por isso, digo que o sonho de conhecer em profundidade a Diocese passará pela visita pastoral, inspirado em São Bartolomeu dos Mártires, percorrer todos os lugares e todas as comunidades desta arquidiocese de Braga.

FC– A visibilidade mediática do arcebispo de Braga é grande, na Igreja e na sociedade. Sente esta necessidade de fazer presente a sua voz?

D.J.C.– Gostaríamos de prosseguir nessa mesma atitude de escuta e de diálogo e inter-relação. Aqui os serviços de comunicação da Diocese, que estão muito bem organizados, facilitarão essas oportunidades e essas possibilidades do aprofundamento do diálogo e do debate, sabendo que somos mais um contributo. Não somos o único, não estamos sós, mas queremos ser parte integrante, e positiva, na construção do bem comum, na defesa e na promoção da dignidade da pessoa humana.

FC– D. Jorge queixou-se algumas vezes, ao longo dos anos, de uma “discriminação” do Norte em relação ao resto do País. Sente que há esse risco de uma centralização da Igreja em Lisboa e arredores, ignorando um pouco o Norte?

D.J.C.– Os caminhos são para a participação, comunhão e missão. Não podemos olhar nessa lógica e todos os mecanismos e possibilidades que temos no âmbito da CEP [Conferência Episcopal Portuguesa], e sendo nós uma realidade com 21 dioceses, tudo isso está ao nosso alcance, e muitos passos se têm dado nestes caminhos de participação, comunhão e missão, que não podemos ficar como simples slogan, porque parece que é de moda. Não, é tornar o Evangelho visível, mas para isso nós temos de viver o próprio Evangelho e entre nós, no Colégio Episcopal, o Papa Francisco propõe viver essa proximidade de cinco formas: com Deus, com o sucessor de Pedro, com o Colégio Episcopal, com o presbitério e com o povo santo de Deus. É na fidelidade a essas proximidades que podemos construir uma comunhão efectiva e afectiva.

FC– Os bispos da Província Eclesiástica do Norte têm assumido algumas posições de conjunto que a Conferência Episcopal Portuguesa não assumiu. É um trabalho de equipa que lhe faz sentido que se mantenha?

D.J.C.– As províncias eclesiásticas existem para isso, para criar no terreno essas tomadas de posição e de missão, sempre na comunhão com a Conferência Episcopal e o sucessor de Pedro, porque somos membros efectivos da colegialidade da CEP. Nunca em alternativa ou paralelo, sempre em comunhão. Mas porque é uma realidade mais homogénea, faz sentido que haja linhas comuns, e isso já temos falado entre nós.

FC– A CEP nem sempre tem posição a uma só voz, mas na pandemia e na investigação aos abusos sexuais dentro da Igreja teve. Sente que a CEP está a fazer esse caminho?

D.J.C.– Sentimos que estamos a percorrer caminhos sinodais, que também são para nós. A unanimidade não significa que estejamos todos de acordo, ou sequer a totalidade, até porque o Direito Canónico diz que para a unanimidade bastam dois terços [risos]. Na nossa diversidade, podemos juntos construir a comunhão que não é uniformidade. Não podemos pensar que uma Conferência Episcopal é uma espécie de Parlamento, não faz sentido isso. Faz sentido a discussão, o debate, o aprofundamento das temáticas, e juntos encontrarmos a melhor solução.

FC– Mas acaba por não haver uma voz unânime da Igreja em Portugal, E em alguns casos muitos pediam essa posição… Não deveria haver, em algumas matérias?

D.J.C.– Eu não me revejo nessa falta de unanimidade, porque muitas vezes o que se diz não é o que acontece. Por vezes há maior dificuldade em convergir em algumas matérias, mas então podem vir as Províncias Eclesiásticas, que deveriam ser mais assumidas. Mas no essencial temos mantido essa comunhão e relação e, mais do que isso, a nossa fraternidade sacramental e amizade concreta e efectiva, porque somos, antes de mais, irmãos a promover a fraternidade no fazer crescer essa cultura do encontro. O Conselho Permanente reúne todos os meses, as assembleias plenárias são duas vezes por ano, depois ainda temos a acção de formação pastoral em Junho, o retiro na Quaresma…. Temos muitas possibilidades de encontro, e cada um de nós é chamado a ser um contributo positivo para a construção e consolidação da colegialidade episcopal.

FC– Uma das curiosidades é saber o que vai fazer quanto ao Rito Bracarense… É para manter e impulsionar?

D.J.C.– Nessa, como em todas as matérias, a minha atitude é de escuta activa de todos. No caso concreto do Rito Bracarense, o Cabido da Sé de Braga, outros órgãos de comunhão, e sei que já foram dados passos recentemente no diálogo com a Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos. Vamos prosseguir esses caminhos que já foram abertos, e há uma reflexão sobre o Rito Bracarense, que é uma tradição litúrgica, que se insere no Rito Romano, e que é também para muitos esta romanização da liturgia aqui em Braga, com o que tem de específico no Ordinário da Missa, na celebração da Semana Santa, mas iremos reflectir e estudar com o cuidado todo que nos merece.

FC– A população do Norte é caracterizada por uma forte religiosidade popular, mas isso não tem significado necessariamente maior adesão à prática cristã dominical ou à inserção nas comunidades paroquiais… Sente também isso? É um desafio?

D.J.C.– É um enorme desafio. A piedade popular é um tesouro inestimável na Igreja e na obra da evangelização. Há quem faça a distinção entre piedade e religiosidade, piedade que nasce mais da liturgia e do depósito de fé da Igreja, e religiosidade que nasce das manifestações religiosas da relação do Homem com Deus. Mas seja como for, vejo de uma maneira muito positiva, porque é uma oportunidade extraordinária para evangelização. Isto exige muito mais de nós, numa arte de bem celebrar, numa pedagogia do coração, numa formação Iitúrgica que é urgente e necessária, mas ao mesmo tempo num respeito muito profundo pelas manifestações da piedade popular.

FC– Mas o afastamento é real…

D.J.C.– Sim, porque quando se vai pelo preceito… As pessoas, hoje, não vão por essa via, têm de ir pelo contágio, e a prática é muito mais que o ir à Missa ao Domingo. Compromete com as obras de misericórdia, as bem-aventuranças, a oração pessoal… Mas há aqui, de facto, um trabalho enorme de conversão de todos, que passa por uma conversão pessoal, pastoral e missionária. Hoje, mesmo no meio desta crise pandémica, sentimos que há uma sede muito grande de espiritualidade e de procura do encontro com Deus. São caminhos de que Deus Se serve também para o encontro com Ele. Não podemos ter a pretensão desta fé tão “pura” ou do Evangelho tão “puro” que possamos dizer que essas expressões não são vivência da fé. Há ali uma fé que precisa de ser mais fundamentada, mais evangelizada, para ser iluminada pela Palavra de Deus e no encontro com Ele no sacramento da Eucaristia. Mas para isso é preciso fazer um caminho, precisamos de adultos na fé que se disponham a ser companheiros de viagem nesta peregrinação da vida.

FC– A caminhada sinodal em curso não tem despertado um entusiasmo generalizado… Está a custar às pessoas que estão dentro da Igreja perceber que precisam de mudar?

D.J.C.– As mudanças custam sempre e são muito notórias, isso mexe com muitos interesses instalados, muitas pessoas que pensam que já sabem tudo, já conhecem tudo na Igreja e depois ataca sobretudo o vício maior de “sempre se fez assim”… Mas o Evangelho do V Domingo do Tempo Comum ajuda-nos a mudar a orientação. Quando Jesus diz a Pedro «faz-te ao largo», e ele diz «então mas eu que percebo disto andei toda a noite, e agora vens tu dizer-me isso», e Pedro redescobre a sua vocação, isso é bonito.

FC– As dificuldades que se estão a sentir podem colocar em causa esse caminho sinodal que se pretende voltar a introduzir?

D.J.C.– Isto é um processo. Se fosse um evento poderíamos provavelmente concluir isso, mas isto é um processo, lento, em que o importante é que não desistamos. D. Hélder da Câmara dizia que é uma graça grande começarmos bem, é uma graça maior prosseguirmos o caminho, mas a graça das graças é mesmo não desistir, e quem está verdadeiramente convencido… O que temos de nos perguntar é se nós, os bispos, os presbíteros, estamos realmente convencidos de que este é o caminho. Se estamos, damos a vida por isso.

FC– E estão?

D.J.C.– Eu, no que me toca, estou plenamente convencido.

FC– Uma das questões dos últimos tempos tem sido as nomeações episcopais e o processo que as envolve. Acha que é um processo que poderia ser mais sinodal?

D.J.C.– Há três anos fui como delegado da CEP à assembleia da Conferência Episcopal Italiana, e ela começa sempre com uma intervenção do Papa. O Papa Francisco manifestou já aí esta preocupação de criar processos para renovar estes processos de nomeação, e de eles serem também caminhos sinodais. Já estão em curso mudanças para alargamento das pessoas a serem consultadas, os bispos, presbíteros e leigos, e esperamos que num futuro próximo tenhamos isso mais presente.

FC– A responsabilidade não é vossa, mas os bispos terão sempre uma palavra a dizer… D. José Orneias avisou que espera uma nomeação rápida para Setúbal. Poderíamos fazer melhor e não estamos a fazer?

D.J.C.– E eu fiz o mesmo pedido exactamente… Mas essa pergunta terá de ser ao prefeito da Congregação dos Bispos e ao núncio apostólico.

FC– Mas passou pelo processo…

D.J.C.– Da parte que me toca, senti solicitude por todas as Igrejas. Quando alguém é chamado a pronunciar-se é sinal que já foi apontado como idóneo, por isso que o faça nesse amor profundo à Igreja, e de facto não é bom que as igrejas estejam sem bispo durante muito tempo, portanto que haja essa transição e que aconteça dentro do bom senso e para o maior bem das nossas comunidades.

RICARDO PERNA

Família Cristã

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