Comandante Pedro Pires, Ex-Presidente de Cabo Verde

Dia da independência é momento de reafirmação.

Prestes a terminar o périplo pela Grande China, o comandante Pedro Pires falou a’O CLARIM sobre as transformações registadas no gigante asiático nos últimos cinquenta anos e sobre a importância que atribui ao Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. No campo religioso, o antigo Presidente e Primeiro-Ministro de Cabo Verde elogiou a estabilidade entre países cristãos e muçulmanos da faixa costeira ocidental de África e assegurou que as confrontações, maioritariamente com origem no Médio Oriente, não são essencialmente entre o Islão e o Cristianismo, mas sim entre várias correntes do próprio Islão.

O CLARIMÉ a primeira vez que visita Macau?

PEDRO PIRES – É a primeira vez que visito Macau, onde estou numa espécie de “operação de descoberta”. No entanto, é a quinta vez que visito a China [continental]. A primeira vez foi em 1964. Não diria que sou um “habitué”, mas já fiz cinco visitas.

CLTodas oficiais?

P.P. – Algumas oficiais e outras oficiosas. A que estou a fazer agora é oficiosa. Venho a convite da Associação de Amizade Cabo Verde – China. Também estou enquanto Pedro Pires e nada mais do que isso.

CLQue transformações nota haver na China desde a primeira visita? Está surpreendido?

P.P. – A China, pela sua dimensão, atrai a curiosidade e o interesse de quem faça política. A partir de longe é difícil avaliar o caminho percorrido pela China, mas estando cá ficamos com a ideia do desenvolvimento económico e das riquezas geradas pelas políticas originadas com as reformas implementadas.

CLPor onde andou?

P.P. – Vim de Pequim… Há alguns anos visitei Xangai… Notam-se grandes transformações de ordem económica, de estilo de vida e até mesmo de gosto e de estética. Constato pessoalmente – aliás, já tinha essa ideia – que estamos perante uma economia em crescimento, dinâmica, que provocou a transformação progressiva do País numa grande economia mundial.

CLQue importância atribui ao Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa?

P.P. – Estou fora do exercício de um cargo directivo do Estado de Cabo Verde. Não tenho acompanhado as actividades do Fórum com a necessária regularidade, mas vejo-o como uma plataforma interessante para a promoção e representação dos Países de Língua Portuguesa. Sobretudo, isso! Tendo em conta que Macau é cada vez mais uma cidade cosmopolita, onde “residem” instituições financeiras e investidores, o Fórum é uma plataforma para criar as condições de captação de capital “macaense” – se podermos utilizar essa palavra – e também de capital chinês para os Países de Língua Portuguesa.

CLSerá que o Fórum é importante para Cabo Verde?

P.P. – O facto de Cabo Verde ter aqui o seu representante significa que acompanha o funcionamento e o trabalho do Fórum. Dá interesse a esse trabalho e espera resultados para o investimento no País. Julgo que é essa a avaliação e o posicionamento de Cabo Verde… Ou dos Governos de Cabo Verde.

CLO seu país comemorou, a 5 de Julho, o 41º aniversário da independência. O senhor comandante foi um dos heróis dessa independência. Como se sente?

P.P. – Com toda a naturalidade, já lá vão 41 anos. O meu comportamento e a minha visão é a de quem já se acostumou à condição de Cabo Verde ser um Estado soberano e independente, e de quem não vê nenhum caso especial para isso [ser tratado como herói]. A comemoração do dia da nossa independência é um momento de interesse, sobretudo para a reafirmação e também de apelo para que continuemos o nosso esforço no sentido de consolidar as instituições nacionais e buscar novas oportunidades para o desenvolvimento económico do País.

CLA população de Cabo Verde é maioritariamente católica, enquanto os países situados na faixa costeira ocidental de África são maioritariamente muçulmanos. Tem havido clivagens religiosas?

P.P. – Nos países vizinhos de Cabo Verde há o Islão, chamemos-lhe moderado. É um Islão tolerante, porque há cabo-verdianos católicos e cristãos que, por exemplo, vivem no Senegal. E há senegaleses católicos e cristãos que vivem com toda a naturalidade no Senegal. A situação nos outros países em redor é mais ou menos idêntica. Agora, quanto à questão das relações entre o Islão e o Cristianismo, os seus aspectos mais críticos não estão na África Ocidental, mas sim no Médio Oriente e eventualmente em algum país do Norte de África. Não nos esqueçamos que os coptas são mais de dez milhões no Egipto. É muita gente! O que se coloca hoje não é um conflito somente entre o Islão e o Cristianismo, pois há um conflito no seio do próprio Islão. As confrontações são muitas vezes no seio do Islão, em que algumas correntes se opõem com armas na mão. O que acontece na Síria e no Iraque… A confrontação maior é entre duas correntes do Islão, sobretudo [alimentada por] uma corrente conservadora e também agressiva do Sunismo.

CLO Wahabismo…

P.P. – Essa corrente e outras correntes. Há uma clivagem no seio do Islão e há a clivagem Islão-Cristianismo. Há correntes, há minorias activistas. É isso que é preciso tratar com bastante cuidado. Compete a Cabo Verde, enquanto país soberano, velar pela segurança do seu Estado e da sua população, ao cooperar no combate ao chamado “jihadismo” – praticante do terrorismo – com os países soberanos da sua região que fazem o mesmo, e ao colaborar com outros parceiros que estejam interessados em consolidar a paz, a estabilidade e a segurança na África Ocidental.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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