CARLOS PITEIRA, SOCIÓLOGO E INVESTIGADOR MACAENSE

CARLOS PITEIRA, SOCIÓLOGO E INVESTIGADOR MACAENSE

A matriz religiosa de base católica é marca distintiva em Macau

O macaense Carlos Piteira, sociólogo e investigador integrado do Instituto do Oriente – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade Lisboa, falou com O CLARIM sobre as questões de identidade e da estreita relação dos “filhos da terra” com a Igreja Católica.

O CLARIM– Fale-nos um pouco da sua actividade profissional.

CARLOS PITEIRA –Do ponto de vista profissional, talvez possamos sintetizar o meu perfil entre as vertentes de professor académico, investigador do Instituto do Oriente e gestor e assessor de Recursos Humanos, associando também as minhas incursões no espaço da música e da Antropologia Cultural como terrenos a expandir.

CL– Em tempos, numa entrevista, referiu-se a Macau como sendo “um laboratório experimental para a China”. O que quis dizer com isso?

C.P. –Em boa parte, as chamadas Regiões Administrativas Especiais, que integram Hong Kong e Macau, são espaços com características “laboratoriais” na vertente social para a República Popular da China, dado que foram criadas no contexto do princípio “Um País, Dois Sistemas”, procurando verificar e atenuar eventuais consequências e rupturas na abertura do sistema centralizado sem o pôr em causa e, simultaneamente, catalizar os benefícios provenientes da abertura ao “mercado” como alternativa para se incluir nas regras do contexto internacional.

CL– Qual é o papel da Igreja Católica nesse laboratório experimental?

C.P. –A instituição católica enquadra e potencializa o modelo da abertura e convivência entre o Ocidente e o Oriente. Apesar de ser já secular na realidade de Macau, a mesma reforça e integra as particularidades da singularidade de Macau enquanto espaço multicultural pela via das práticas religiosas, o que a coloca como “pilar” e elemento estruturante na vida quotidiana da população residente e na forma como vão construindo os seus “modos de vida” em sociedade.

CL– Dada a pequena dimensão de Macau, quais das suas especificidades constituem o melhor trunfo?

C.P. –No meu ponto de vista, a singularidade de Macau assenta, em boa medida, na estrutura populacional multifacetada com relevo para a presença de portugueses e dos macaenses como grupo particularizado da essência e da História de Macau. São estes grupos particularizados que fazem emergir quer o património tangível, quer o património intangível, que dão “cor” às especificidades de Macau.

CL– Como macaense, presumo que cresceu no seio de uma família de católicos. Pode falar dessa sua vivência?

C.P. –A matriz religiosa de base católica entre os macaenses, e em boa parte, também, entre algumas famílias chinesas, era, e ainda é, uma marca distintiva destes grupos, quer pela aquisição oficial do registo das certidões de nascimento no seio das paróquias portuguesas através do baptismo, quer pela conduta comportamental no seio da sociedade, alavancando os princípios de uma ética moral e de crenças ocidentalizadas. A matriz católica passou a ser fundamental no processo educativo das famílias macaenses como elemento integrador da diferenciação e da construção dos seus traços identitários.

CL– O que representa para um macaense a Igreja Católica?

C.P. –Para além da crença natural nos ideais da moral e ética católica aprofundados pela educação cristã, que todos acabámos por ter, a Igreja Católica em Macau, e para os macaenses em particular, acaba por reforçar a representação simbólica da identidade do grupo, ou seja, integra o referencial dos traços identitários que os macaenses reclamam na sua afirmação de etnicidade.

CL– É das pessoas que mais tem lamentado a falta de actividades que avivem a memória da presença portuguesa em Macau. De que forma é que se poderia contrariar essa tendência? Faz Portugal o papel que lhe é devido?

C.P. –Situando-nos no contexto da pós-transição, o papel do Estado e dos políticos portugueses não me merecem referência digna de nota; pelo contrário, têm-se remetido a um papel de total alheamento no reforço do seu legado histórico e cultural, tratando Macau e a presença dos portugueses como mais uma mera comunidade de emigrantes por esse mundo fora, esquecendo-se das particularidades e singularidades da actual presença portuguesa neste território. O Estado Português tem-se pautado apenas por meras incursões a Macau, enaltecendo algumas festividades que roçam o carácter folclórico, ignorando o estrato populacional de uma realidade que são os Portugueses de Macau, gente que fez e faz parte do novo espaço da RAEM.

CL– Refere com frequência o actual esvaziamento da comunidade portuguesa… De que se forma isso se manifesta?

C.P. –Nesta questão basta olharmos para os recentes registos de portugueses que já abandonaram Macau nos últimos anos e outros que manifestam fazê-lo em breve, alegando em certa medida a “orfandade” que sentem em relação ao apoio esperado das instituições oficiais de Portugal.

CL– Como olha para a postura das autoridades portuguesas em relação à RAEM ao fim de todos estes anos? Poderia haver uma maior proximidade?

C.P. –Direi que mais do que proximidade por parte das autoridades portuguesas seria necessário o assumir de uma posição de parceria e de afirmação identitária no seio da RAEM, ou seja, tomar iniciativas relevantes que permitam manter a presença portuguesa no espaço da RAEM, como, por exemplo, assumir integralmente a manutenção da Escola Portuguesa, a Casa de Portugal e da media de expressão lusófona, no mínimo até à caducidade da Lei Base em 2049. Por outro lado, a Casa de Macau em Portugal poderia e deveria ser algo que fizesse a diferenciação das restantes Casas de Macau da diáspora por via de um apoio directo das instituições oficiais, marcando assim a importância dos portugueses e macaenses em território português como elo contínuo da extensão de Portugal a Macau.

Joaquim Magalhães de Castro

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