«O grande desafio da Igreja é o de fomentar a fé nas pessoas»
Investido como Leitor pelo bispo D. Stephen Lee no passado dia 9 de Fevereiro, Adriano Agostinho está a dois passos de poder oferecer à comunidade macaense algo de que esta já não dispunha há muito tempo: um novo sacerdote. Formado em Medicina, o jovem, nascido em Macau, diz que deseja cumprir a sua vocação ao serviço dos católicos do território e assume que o grande desafio que terá em mãos é o de despertar a fé nas pessoas. O seminarista em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM– Quando é que se sentiu chamado ao Sacerdócio?
ADRIANO AGOSTINHO –Desde pequeno que sempre tentei viver a minha fé de acordo com os Mandamentos. É algo que não é fácil. Há dificuldades próprias da adolescência, muitas dúvidas, mas graças a Deus quis continuar. Parafraseando Santa Teresinha, se Deus não tivesse retirado obstáculos da minha vida, se calhar não estaria aqui, não é? Por isso, agradeço muito a Deus, é ele que me tem protegido e guiado até agora. Fui tentando cumprir os Mandamentos, tentando agradar a Deus, procurando amá-lo e conhecê-lo melhor. Aos 19 anos, estava eu em Portugal a estudar Medicina, estava no segundo ano e numa noite de Inverno, quando em oração, senti fortemente que Deus me chamou para ser padre. De início, obviamente, não foi fácil digerir isto. É uma grande decisão. Foi necessário abandonar certas coisas, certos planos que fui fazendo ao longo da vida, colocar de lado algumas expectativas. Mas com o tempo, essa ideia, esse chamamento, foi amadurecendo. Depois de completar o curso de Medicina, tomei a decisão de arriscar, de corresponder a esse chamamento e entrei no Seminário para perceber o que Deus quer de mim…
CL– É formado em Medicina. Como é que esse conhecimento pode complementar e enriquecer a sua experiência como sacerdote?
A.A. –Eu acho que sim. Enriquece bastante. A Medicina também não é fácil de estudar. Há vários aspectos. Há o aspecto intelectual. A Medicina é algo que uma pessoa tem que estudar sistematicamente, não é? O corpo humano é muito complexo e é necessário tentar compreender os vários sistemas que coexistem dentro do corpo, como é que eles se entrelaçam, como é que eles interagem, e isso dá uma certa capacidade intelectual para pensar e para estruturar o pensamento. Por outro lado, também nos torna humildes, porque não entendemos o nosso corpo a partir de uma lógica simplista. Não podemos usar uma lógica simplista para compreender tudo. Há muitas coisas que ainda não compreendemos.
CL– Sente, de alguma forma, a responsabilidade pelo facto de voltar a dar à comunidade macaense um novo impulso espiritual?
A.A. –É verdade. É uma grande responsabilidade. E por isso espero que as pessoas me possam ajudar, possam rezar por mim. Ainda tenho muito para aprender. Sou jovem e espero que as pessoas me possam desculpar pelos meus erros e que me tentem ensinar coisas novas. Porventura, se cometer algum erro, espero que as pessoas me possam corrigir, com caridade. Quando alguém é chamado ao Sacerdócio, é para servir os outros. Não é para se servir dos outros. É para servir os outros. Eu espero poder contribuir para o crescimento espiritual das pessoas que vou servir. E espero que essas pessoas me possam fazer crescer espiritualmente também.
CL– Para além de servir a comunidade macaense e os católicos de Macau, a perspectiva de poder servir como missionário é algo que lhe agrada?
A.A. –Humanamente falando, é um facto que em Macau temos falta de sacerdotes e, tendo em conta esta realidade, provavelmente ficarei aqui a servir as pessoas de Macau: os macaenses, os portugueses, os chineses, todas as comunidades que vivem em Macau. Se no futuro houver essa necessidade de ser missionário ou se o bispo assim o entender, é claro que vou discernir sobre isso e tentar estar disponível.
CL– Não é muito habitual ver sacerdotes locais a aprofundar os estudos teológicos fora de portas. É algo que gostaria eventualmente de fazer?
A.A. –Ainda é um tanto ou quanto cedo para isso. Ainda tenho um vasto caminho a percorrer até me tornar sacerdote, se Deus quiser. Mas, sim, claro. Se houver essa oportunidade, é sempre bom aprofundar os estudos teológicos. É muito gratificante conhecer mais a Deus de forma racional. É uma das vias para conhecer a Deus, não é? É necessário complementá-la com outras vias: com a via espiritual, com a via ascética. Mas também é muito bom complementar com a parte racional.
CL– Que papel deve ter a Igreja, sobretudo a Igreja em Macau, neste início de Século XXI? Quais são, no seu entender, os principais desafios com que a Igreja se depara?
A.A. –A Igreja em Macau tem as suas especificidades e tem as suas particularidades locais, mas também se insere na Igreja universal e é parte do mundo moderno. E o mundo moderno apresenta muitos desafios, muitas tentações e, por vezes, até valores contrários à nossa fé. Estamos em minoria, não é? Estamos em minoria tanto em Macau, como em outras partes do mundo. Até na Europa, onde há uma grande tradição cristã, os católicos praticantes são uma minoria. Acho que o grande desafio da Igreja é mesmo o de fomentar a fé nas pessoas. Creio que foi o Papa Bento XVI quem disse que a grande crise da Igreja é uma crise de fé. Tornou-se uma crise geral de fé, em que as pessoas – incluindo padres, incluindo muita gente dentro da própria Igreja – parece que perderam a força, a energia, o dinamismo de acreditar. Parece que estamos assim um tanto ou quanto amorfos. Estamos, se calhar, demasiado acomodados ao mundo, aos ruídos do mundo e à vida fácil que se leva em muitos sítios do mundo. Em Macau, temos uma vida relativamente fácil, com muita riqueza material, com muitas distracções e tudo isso, se calhar, torna-nos também mais acomodados. Depois há problemas próprios da sociedade contemporânea, como o trabalho, o “stress”, os conflitos. Se calhar, tudo isto nos distraiu daquilo que deve ser o nosso foco, daquilo que é essencial: estar com Deus, estar em silêncio com Deus, desenvolver tempo para a oração e tentar experienciar o amor de Deus. Eu acho que este é o grande desafio.
CL– O que pode fazer um jovem sacerdote para fazer com que as pessoas despertem desse estado amorfo a que se refere?
A.A. –Acho que passa por viver mais profundamente a oração e também por ser exemplo. Parece-me que neste início do Século XXI as pessoas querem ver mais exemplos do que pregadores. A Palavra pregada é muito importante para animar o coração das pessoas, mas acho que agora as pessoas querem mais. Querem ver a Palavra encarnada. Querem ver exemplos. E um jovem sacerdote, como qualquer jovem leigo ou jovem freira, como qualquer católico, seja jovem ou idoso, todos nós somos chamados a ser esses exemplos. Somos chamados a ser testemunhos de oração para que as pessoas possam olhar para um católico – e em particular para um padre – e de alguma forma ver Deus dentro dele.
Marco Carvalho