Pe. Hipólito Vida, SMBN

A Minha Vocação: um Dom e Mistério

Pe. Hipólito Vida, SMBN

N.d.R.: O CLARIM REPRODUZ UM TESTEMUNHO PESSOAL DO PADRE HIPÓLITO VIDA, MISSIONÁRIO MOÇAMBICANO NO JAPÃO, PUBLICADO NA EDIÇÃO DE FEVEREIRO DESTE ANO DA REVISTA BOA NOVA – ATUALIDADE MISSIONÁRIA

Toda a vocação é dom e mistério do Amor de Deus. Hipólito Vida, primeiro padre missionário moçambicano no Japão, partilha connosco a graça da sua vocação. Misteriosamente, o dom de Deus tocou-o, ainda criança, em Angoche (Nampula), e Ievou-o até ao Extremo Oriente, Japão, onde actualmente vive a sua vocação-missão desde 2017.

Natural de Nampula, no Norte de Moçambique, sou o segundo dos seis filhos de André Vida e Maria Helena Julião. Nasci numa família religiosa a 12 de Maio de 1983. Aos sete anos de idade, o meu pai (enfermeiro) foi transferido para Angoche e levou consigo toda a família. Foi neste distrito de Nampula onde vivi a infância e adolescência em meio das turbulências da guerra civil que terminou com os acordos de paz de Roma (4 de Outubro de 1992). Tudo o que sou é fruto do tempo que me viu nascer e crescer. Meus pais, sempre me incutiram o espírito de solidariedade, respeito e entrega ao trabalho.

Durante a guerra, tinha eu uns dez anos, nasceu a minha vocação. Sempre que ia à Missa via um “padre branco” e que era diferente de todos. Um dia, aos doze anos, perguntei à minha mãe se para ser “padre missionário” tinha de ser “branco”. A resposta foi claramente um não. E daí, eu disse para ela que queria ser “padre missionário”. Nascia assim um sonho que me levaria até ao Japão, onde me encontro em missão desde Fevereiro de 2017.

No ano 2000, ainda em Angoche, conheci o padre Luís Castro, então seminarista (hoje sou-lhe grato), que me propôs uma experiência numa escola Internacional de Oração, Formação, Vida Comunitária e Missão, chamada Jeunesse-Lumière, em França. Tal proposta criou divisão no seio da minha família, pois enquanto a minha mãe temia perder um filho no mundo da Europa, o meu pai via esta oportunidade como uma porta aberta para o meu crescimento e maturidade. Ao regressar a Moçambique, tinha colhido bases suficientes para me afirmar adulto e maduro na fé cristã. E mais, foi nestes dois anos e meio, nesta escola, onde percebi que o Senhor me chamava para O servir por meio do Sacerdócio.

Em 2004, entrei no Seminário da Boa Nova, da Matola (Maputo). Fiz o Propedêutico no Seminário Cristo Rei e a Filosofia no Seminário Santo Agostinho. Em 2010, fui admitido ao Ano de Formação, em Cernache do Bonjardim (Portugal). No dia 26 de Dezembro de 2010, fiz o primeiro Juramento tornando-me membro da SMBN (Sociedade Missionária da Boa Nova). Fiz o estágio missionário em Maputo, nas paróquias do Aeroporto e Mavalane, dando também o meu contributo no Seminário da Boa Nova. Foi nesta altura meu director de estágio o padre Anastácio Jorge, a quem sou grato pela maneira sábia e paciente como me acompanhou.

Em 2012, regressei a Portugal para estudar Teologia, no Seminário Internacional de Teologia, em Valadares. No dia 8 de Dezembro de 2015 fui ordenado diácono, em Valadares. Como diácono, colaborei durante seis meses no Ano de Formação, em Cernache do Bonjardim. Depois regressei a Moçambique, passando pela África do Sul (Joanesburgo), onde aprendi Inglês em vista ao meu novo campo de missão, o Japão. No dia 11 de Dezembro de 2016, na presença de meus pais, irmãos, família e amigos, fui ordenado Sacerdote. Realizava-se assim o sonho que nascera vinte anos antes.

0 meu sacerdócio é um dom e mistério porque, como todas as outras vocações, é Deus quem chama e nós simplesmente respondemos com um “sim”, ainda que reconheçamos ser imperfeitos. Aliás, como tenho dito: “Deus não escolhe os perfeitos, torna perfeitos os que Ele escolhe”. O meu sacerdócio é um dom e mistério, porque nos treze anos de formação vivi altos e baixos, próprios do processo formativo. Foi olhando pelo meu passado, reflectindo como nasceu a minha vocação e olhando como está o mundo de hoje, que escolhi o lema “estou no meio de vós como aquele que serve” (cf. Lc., 22, 27).

Hoje, no Japão, procuro viver estas palavras dando o meu tempo, escutando e ajudando as ovelhas que me foram confiadas. Aliado a isto, é a alegria do Evangelho que me faz andar aqui e acolá, testemunhando que Deus é AMOR e, por meio do Seu Filho, amou-nos e ama a cada um de nós tal como é. Enquanto pároco em três paróquias (Sennan, Kinokawa e Misaki), responsável na vigararia de Kishiwada, responsável da pastoral brasileira da arquidiocese de Osaka-Takamatsu, representante do Superior Geral da SMBN no Japão, sinto que a vida é um aprendizado constante. Cada dia aprendemos alguma coisa, acrescentamos algum conhecimento e experiência. E, por isso, devemos manter mente e coração abertos.

No Japão, o que aprendi, na escola Jeunesse-Lumière e no seminário (oração e missão), continua a ser a base da minha vida. Ser missionário no Japão é um desafio, sem sombra de dúvidas. Mas, no meu ponto de vista, este continua a ser um campo de missão. Como enfrentaram desafios os primeiros missionários nas terras de Moçambique, Angola e Brasil, aqui também nos deparamos com realidades próprias do tempo. Desde a cultura, a língua e tudo mais, o missionário é chamado a “matar” o seu ego para existir diante desta nova realidade. Para isso, devemos saber respeitar as opções de cada membro.

Se me perguntarem se vale a pena ser missionário no Japão, a minha resposta será clara e simples: é aqui onde me sinto chamado a contribuir para o anúncio da Boa Nova. Aqui também é campo de missão. E estes (budistas, xintoístas, cristãos, etc.) são igualmente filhos de Abraão, criados à imagem e semelhança de Deus.

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