VIDA, ESCUTEIROS, SOLIDARIEDADE E FÉ

VIDA, ESCUTEIROS, SOLIDARIEDADE E FÉ

A Pedagogia da Paz

E os dias a fazer o luto pela minha irmã sucediam-se. Graças a Deus, alguns acontecimentos forçaram-me a continuar a lutar para encontrar forças e disposição para levar a vida em frente. Torna-se necessário dedicar tempo a quem amamos e que também sofre. Foi este o caso da minha neta que frequenta os escuteiros. Ia passar de “lobita” para “exploradora”. Queria que lhe oferecesse o novo lenço, agora em tom verde, e que participasse na celebração da promessa de “explorador”, na igreja de São Tomás de Aquino. Foi uma cerimónia linda com muitas crianças e diferentes promessas. Estavam todos felizes e as famílias também. Ainda bem que participei. Este momento ajudou a renovar a esperança no futuro.

Entretanto, chegou o momento da missa de sétimo dia. A família e amigos reuniram-se na igreja paroquial de Nossa Senhora da Encarnação, na Ameixoeira, situada no antigo termo de Lisboa, numa zona de antigos palacetes e quintas, com uma esplêndida vista panorâmica, constituindo um testemunho do esplendor do Barroco Português. Segundo reza a História, no Século VII havia uma ermida com invocação de Nossa Senhora do Funchal que foi destruída por um incêndio tendo sido em 1276 edificada uma nova capela que se tornou um centro de grande devoção ao longo dos séculos. Em 1536 foi criada a paróquia de Nossa Senhora da Encarnação da Ameixoeira. No final do Século XVII, por alvará régio de D. Afonso VI, a igreja seria ampliada ou mesmo reedificada tornando-se a capela-mor mais espaçosa com retábulo em talha dourada, entre outras obras de igual grandeza, contribuindo para o seu enriquecimento e esplendor. O terramoto de 1755 causou danos significativos tendo sido restaurada em 1760. Distingo a capela-mor com retábulo de talha dourada, destacando-se ao centro a imagem da padroeira e nos nichos laterais as esculturas de São José e de Santo António. O tecto apresenta uma composição grandiosa, centrada na Encarnação, circundada por vários painéis com símbolos marianos. A actual invocação a Nossa Senhora da Encarnação faz referência à maternidade de Maria. “A Santíssima Virgem é Mãe de Deus visto que gerou segundo a carne o Verbo de Deus encarnado” (Concílio de Éfeso). A festa litúrgica realiza-se, actualmente, no último Domingo de Maio com grande solenidade. Pela sua importância artística e o seu vasto património foi classificada como Imóvel de Interesse Público em 1990.

Certamente a minha irmã ficou feliz por esta escolha na sua zona de residência e também por ver a família e amigos reunidos como era sua vontade. E a vida continua de coração bem contrito face ao angustiante momento que vivenciamos devido à guerra na Ucrânia. As imagens são terríveis como nunca imaginei observar. Trouxeram-me ao pensamento, em muito menor escala e contexto diferente, o regresso dos retornados a Portugal, em que participei. Se então foi mau, agora não há palavras que possam descrever este inferno na terra. Sinto-me impotente. Quisera ser mais jovem. Certamente partiria para ajudar. Agora prevalece a oração. Como é normal andamos todos preocupados e tensos. “Meu Deus que eu veja uma solução!”. Tudo é possível para aquele que crê. Não devemos ter medo. Deus sabe mais. Devemos confiar com serenidade e a alegria possível. Omnia in bonum. Devemos colocar tudo nas mãos de Deus perseverando na oração com fé e confiança.

Retomei o meu voluntariado no Centro de Dia. Observei como os utentes se encontravam ansiosos sem se conseguirem concentrar, queixando-se do uso da máscara, das janelas e portas abertas… enfim, chamadas de atenção. Com carinho, compreensão e alguma firmeza recordei-lhes que as regras impostas pela DGS deveriam ser cumpridas para o bem de todos. A pandemia SARS-Cov-2 ainda não tinha passado. Refiro este momento vivenciado porque me fez muito bem. Obrigou-me a sair de mim própria, a encontrar forças para o ultrapassar e, em simultâneo, sentir alguma paz interior quando alguém disse carinhosamente: «– Faz-nos falta!». Como se torna gratificante ajudar o próximo!

Logo, logo, o meu filho pede para ficar com a minha neta no fim-de-semana em que o casal estará ausente. Mais um desafio. Temos de tomar conta dos vivos ainda que o nosso coração esteja saudoso e angustiado, também com a situação de guerra que se vive na Ucrânia. E com a minha neta veio a alegria, as chamadas de atenção e muita paciência para as ultrapassar. Exige uma dedicação a tempo inteiro, mas também faz muita boa e doce companhia. Resolvemos ir ver um filme para crianças de desenhos animados. Um musical muito engraçado. Estava feliz e distraída. Depois acompanhou-me à missa. Quando o sacerdote pediu para rezarmos uma Ave-Maria pela paz na Ucrânia levantou-se prontamente. Estava muito atenta aos acontecimentos.

Recordei uma frase do Papa Bento XVI. «Há necessidade de propor e promover uma pedagogia de paz. Esta requer uma vida interior rica, referências morais claras e válidas, atitudes e estilos de vida adequados… Uma educação para os valores mais altos, uma visão nova da história humana. É preciso renunciar à paz falsa, que promete ídolos deste mundo, e aos perigos que a acompanham, refiro a paz que tona as consciências cada vez mais insensíveis, que leva a fechar-se em si mesmo, a uma existência atrofiada vivida na indiferença. Ao contrário, a pedagogia da paz implica serviço, compaixão, solidariedade e perseverança».

Maria Helena Paes

Escritora

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