Festa de São Pedro celebrada em Malaca
Os cerca de dois mil residentes do Bairro Português de Malaca celebraram, no passado fim-de-semana, a Festa de São Pedro. A Solenidade foi assinalada, como habitualmente, com Missa Solene, Procissão e a tradicional Bênção dos Barcos, mas também com um arraial e actuações culturais.
A comunidade luso-descendente de Malaca, na Malásia, celebrou no passado fim-de-semana a Festa de São Pedro com Missa Solene, uma procissão pelas ruas do chamado “Kampung Portugis” – o bairro português da cidade – e a tradicional bênção de quase cinquenta embarcações.
As celebrações em honra de São Pedro, primeiro líder da Igreja Católica e padroeiro dos pescadores, são a principal festa do “Portuguese Settlement” e um dos principais cartões de visita de Malaca, cidade onde os navegadores portugueses aportaram em 1509, com o intuito de estabelecer relações comerciais. Dois anos, depois, em 1511, Afonso de Albuquerque conquistou a cidade, demoliu a Grande Mesquita e ergueu no local uma fortaleza – “A Famosa” – que foi durante mais de um século um dos mais importantes entrepostos comerciais de Portugal no Continente Asiático.
Dos anos de domínio português, restam ruínas e uma fé a toda a prova. No centro da cidade, a Porta de Santiago e o esqueleto da antiga igreja de São Paulo, no cimo da colina com o mesmo nome, são testemunhos silenciosos de uma era há muito consumida pela voragem dos anos. A memória da presença portuguesa na Malásia sobrevive, porém, com indesmentível vitalidade na língua e na devoção de uma pequena comunidade que se diz descendente dos navegadores e conquistadores. A comunidade “kristang” é constituída actualmente por pouco mais de duas mil pessoas, que mantêm vivas as tradições e os traços culturais herdados dos portugueses que se instalaram em Malaca, em 1511. Uma das manifestações mais vigorosas do legado herdado da presença portuguesa é a intensidade com que a comunidade vive a sua fé.
«A comunidade kristang mantém-se firme na sua fé católica. Quem nasce católico, morre católico. Esta posição é algo que nos define», sustenta Sara Frederica Santa Maria, fundadora do grupo folclórico “Tropa de Santa Maria”, entrevistada pel’O CLARIM. «São Pedro é o padroeiro dos pescadores. Grande parte dos membros da nossa comunidade, da comunidade kristang, descende de pescadores, mas a Festa de São Pedro é celebrada por todos. Há membros da comunidade kristang que vêm da Austrália de propósito para celebrar a Festa de São Pedro. A celebração é aguardada, todos os anos, com grande expectativa, quer pelos mais novos, quer pelos mais velhos», acrescenta a animadora cultural, que desde 2012 se dedica a ensinar Kristang – o crioulo de origem portuguesa falado no “Kampung Portugis” – às gerações mais novas.
DEVOÇÃO E CULTURA
No último Domingo, o ponto alto da Festa de São Pedro decorreu às 10 horas e 30 da manhã, no horário local, com a celebração de Missa Solene, presidida pelo padre Lionel Thomas, na igreja de São Pedro, localizada no centro da cidade. Ao final da tarde, já depois de realizada a procissão e a bênção dos barcos – tradição cuja origem se perdeu com o tempo –, o sacerdote celebrou uma segunda missa, desta feita na capela da Imaculada Conceição, em pleno Bairro Português. «O clímax das celebrações é a Santa Missa, mas o programa das festas também inclui a bênção dos barcos e uma componente de entretenimento e de actuações culturais. Ninguém sabe ao certo onde teve origem a tradição de enfeitar os barcos. É provável que tenha sido importada de Goa. Esta dimensão, no entanto, sempre foi muito acarinhada pelos pescadores», esclarece Sara Frederica.
Mais: «o São Pedro é a melhor altura para dar a conhecer a nossa cultura e a nossa gastronomia. Temos a Santa Missa e a bênção dos barcos, mas também jogos tradicionais, performances culturais, concertos por parte de bandas e grupos locais, e a venda de iguarias e sobremesas que fazem parte da nossa tradição gastronómica», nota a animadora cultural, com 55 anos de idade.
O Kristang, que Sara Frederica fala e se tem esforçado por preservar, é a par da fé e da devoção religiosa o outro testemunho vivo de um século fulgurante de intercâmbio comercial e cultural luso-malaio. Malaca foi tomada pelos holandeses em 1641, depois de mais de cem anos de domínio português. Contra todas as expectativas, o legado linguístico da presença lusa subsistiu até aos nossos dias sob a forma de um idioma arcaico, agora ameaçado de extinção, que pede emprestada a maior parte do seu vocabulário ao Português, mas apresenta uma estrutura gramatical semelhante ao Bahasa Malaio. Se a vivência da fé permanece forte, a salvaguarda do Kristang é cada vez mais, no “Kampung Portugis” de Malaca, a maior preocupação. «O grande desafio que a nossa comunidade enfrenta é o declínio do domínio da língua entre as gerações mais jovens», atesta a nossa entrevistada.
No “Portuguese Settlement”, os cafés, os restaurantes e as paredes do hotel Lisboa atestam a ligação secular da cidade a Portugal. Tal como em Macau, Junho é no bairro um mês festivo. Os Santos Populares – sobretudo, São João e São Pedro – são o período mais esperado do ano e um dos mais movimentados em Malaca, que se enche de locais e de turistas, que rumam à cidade para desfrutar da vitalidade de uma comunidade que mantém Portugal e o Catolicismo no coração, mais de cinco séculos depois da chegada dos navegadores portugueses.
Marco Carvalho