O “regresso” a casa
O título que escolhi para esta minha crónica é, de algum modo, uma homenagem ao programa “Journey Home” que Marcus Grodi anima, há mais de duas décadas, na EWTN – televisão católica norte-americana.
Marcus, ele próprio um antigo pastor presbiteriano, recebe semanalmente, para uma conversa de uma hora, mulheres, homens, casais que, oriundos dos universos intelectuais e religiosos mais distintos, fizeram a sua caminhada de regresso à Igreja Católica e se converteram, portanto, ao Catolicismo.
O termo “regresso” é aqui utilizado de propósito, conforme aliás ao espírito do programa, porque embora a maioria dos convidados não tenha saído da Igreja Católica, o seu encontro com o Catolicismo é efectivamente vivido, por cada um deles, como o destino final de um percurso, há muito procurado.
Porque a Igreja Católica Romana é vista e abraçada como o depósito único – e em plenitude – da herança deixada por Jesus Cristo aos Seus Apóstolos. Não o são as diferentes denominações protestantes, de que é oriunda a maior parte dos convertidos, É A IGREJA CATÓLICA!
E tanto é assim que só nela os novos convertidos deixam de se sentir órfãos de uma Verdade que, em todas as outras confissões – dizem – é uma VERDADE INCOMPLETA.
O que impressiona grandemente os “recém-chegados” (muitos já com décadas de católicos praticantes) é a sucessão apostólica. A Igreja Católica tem… dois mil anos. É ela (não outra) a reivindicar a legitimidade da sucessão… não foi Pedro o primeiro Papa?
É interessante ver-se o quanto todas esses percursos convergem, na superação das diferenças doutrinais que separam, há cinco séculos, protestantes e católicos.
É a questão da presença real de Jesus na Eucaristia. É a devoção a Nossa Senhora, como a Mãe de Deus. É o sacramento da Reconciliação e, portanto, a confissão a um sacerdote. É finalmente a autoridade de Roma – quer dizer, dos sucessivos Pontífices – sobre as igrejas nacionais.
Sendo muitos dos entrevistados detentores de títulos académicos em teologia protestante, e com prática pastoral em paróquias das respectivas igrejas, a troca de ideias é geralmente muito rica de conteúdo; e, portanto, de informação, a partilhar com o grande público.
Mas para além da busca de cada alma, de cada consciência, pela verdade total a que anseia, e as dificuldades teológicas que tem que ultrapassar, há a consciência do anti-Catolicismo ambiente, que é o preconceito ainda hoje o mais enraizado e o melhor aceite na sociedade americana.
Quem se converte ao Catolicismo perde o afecto de familiares e amigos! É o preço que se paga por querer ser autêntico, na tão “tolerante”(?) América!
A IGREJA E O MUNDO
Reflectindo nos tempos que vamos vivendo, com uma crescente percepção de insegurança entre nações; e com uma cada vez mais visível divergência, sobre valores essenciais, não só entre países, mas no interior de muitas sociedades, mormente no Ocidente – tenho pensado no quanto o papel da Igreja Católica, a nossa Igreja, é importante, como difusora de uma mensagem que não muda há dois mil anos.
Essa mensagem, plasmada nos Evangelhos, e na Tradição Apostólica, tem a idade do Fundador e dos Seus Apóstolos. Mas importa sublinhar o quanto, em tempos mais recentes, os sucessores de Pedro, desde sobretudo Leão XIII, têm procurado adaptar o discurso evangélico às características das suas épocas respectivas, para guiar os Fiéis na tomada de posição sobre questões com que são confrontados no seu próprio tempo, o tempo de cada um.
A NOVA QUESTÃO SOCIAL
A Questão Social, originada pelas implicações da chamada Revolução Industrial, nas condições de vida do operariado, foi, como se sabe, o ponto de partida para uma atitude vigilante, aconselhadora e orientadora da Igreja, sobre os grandes desafios de cada momento.
Até porque, também como se sabe, todo o progresso não é necessariamente um “bom progresso”, pelo que, se as considerações éticas são postas inteiramente de parte, estaremos todos a construir, a nível global (sem excepções e não visando nenhum país em particular), modos de viver que se voltarão contra o próprio homem, no essencial da sua humanidade.
Não é preciso ser um qualificado especialista de coisa nenhuma para afirmar que a evolução fulgurante da Inteligência Artificial coloca questões inevitáveis sobre que margem da nossa liberdade estaremos nós, seres humanos, dispostos a alienar, a favor das “máquinas pensantes”. Sendo certo que… tudo é incerto, de facto, quanto ao futuro do próprio Homem, em todas as nossas sociedades, à escala universal.
A atenção dada no seu pontificado pelo Papa Francisco aos grandes problemas da sociedade humana é tão só o culminar de uma evolução que “nasce”, em tempos modernos, com a Questão Social do Século XIX. Desde ai acelerou-se o ritmo de transformações causadas pelos progressos da Ciência e da Técnica.
E pelas suas implicações na Economia no modo concreto de vida, para milhões de seres humanos. O Papa tem insistido, em particular, no excesso de consumismo como orientador exclusivo das aspirações individuais. No actual contexto de necessidade de recuperação económica por causa da crise pandémica, tem certamente o Sumo Pontífice o legítimo objectivo político e económico de preservar o emprego para milhões e milhões de seres humanos, pois sem trabalho – e trabalho decente para todos – não há modo eficaz de combater a pobreza e as formas extremas de precariedade… e tudo isso está ligado ao consumo, quer se queira, quer não.
BATALHAS REAIS… E IMAGINÁRIAS
Com este imenso pano de fundo de questões sociais internas às sociedades, a Igreja Católica tem-se visto confrontada, como actor relevante da vida internacional, com os grandes dramas do nosso tempo, para cuja solução quer concorrer: desde os refugiados aos perseguidos e deslocados de todos os conflitos (até por em muitos deles serem tocadas as comunidades cristãs, mas não só); aos flagelos da xenofobia, pobreza, fome, doenças, falta de protecção de crianças, mulheres e idosos, que tais situações geram.
Pois paralelamente a estes grandes desafios, o Santo Padre tem que gerir de forma prudente, diplomática, e certamente sofredora para si, o descontentamento cada vez mais ruidoso de certos sectores, descontentes com as suas orientações ao ligar com problemas éticos concretos, mas muitos deles desejando pôr em causa as conclusões do Concílio Vaticano II que a Igreja incorporou nas suas orientações e na sua disciplina há mais de meio século.
A questão da missa em Latim insere-se neste contexto específico de tentar fazer prevalecer uma agenda tradicionalista, e nomeadamente de assim manifestar oposição à própria autoridade do Papa!
Sinceramente, perante os grandes desafios do mundo contemporâneo, a Igreja não precisa de mais um conflito, ou de vários conflitos, agora internos, só porque determinadas personalidades eclesiásticas, dominantes em certas igrejas nacionais, querem cativar audiências que lhes dão a importância de serem “papas” dos seus pequenos “vaticanos”!
A soberba não é só o pecado dos poderosos. É também dos que se pensam e tomam como tais!
O “REGRESSO” A CASA
Atacada de dentro e de fora, a nossa Igreja navega segura, qual barca açoitada pela tempestade. O Papa Francisco, profundo conhecedor da História da Igreja e da História “tout court”, sabe bem que a barca está segura. E nós também sabemos porquê.
Porque conforme o episódio bíblico, Jesus viaja na barca. E mesmo se parece dormir, não dorme. Jesus protege a Sua Igreja.
Carlos Frota