Ecos do Novo Mundo

VATICANO E O MUNDO

Ecos do Novo Mundo

Começo o texto de hoje pelo mais óbvio, para a partir daí tecer algumas considerações gerais sobre uma das epidemias mais propagadas hoje: a luta pelo poder e sua exposição mediática.

Todos temos a percepção de que não existiria o fenómeno Trump sem a respectiva cobertura mediática, pois o actual Presidente americano é quem é e é como é, porque se construiu uma imagem para os media e através dos media. E os media fazem o que é suposto fazerem: propagam a mensagem.

E mesmo que Trump considere tudo como “fake news”, é delas que se alimenta também o seu ego, bem no centro das atenções de todos como ele quer, pelas boas, mas sobretudo pelas más razões.

“ROLE MODEL”

Dizia um congressista americano há dias, se não por estas palavras por outras semelhantes, que não estimula o seu filho adolescente a seguir as notícias do seu país pela televisão, porque quem deveria assumir o papel de “role model” está nos antípodas disso!

No actual momento da vida do mundo, olhamos para uma sociedade que proclama boas intenções em cada esquina e o que vemos, pelo agir de alguns dos seus dirigentes máximos? O que vemos são episódios brutais de luta pelo poder, num vale-tudo que faz tábua rasa de instituições e códigos de conduta outrora respeitáveis e que no mínimo choca e faz reflectir, pelo menos todos aqueles que ainda crêem que “de cima”, do poder, é que deve vir o exemplo.

Mas não só no plano nacional isso se discerne. Também no plano da relação entre nações o tempo presente está saturado de lutas pelo poder. E a revolução mediática amplia e reforça essa percepção.

Para nosso bem e para nosso mal, a Internet veio aumentar a temperatura de um mundo adoentado, febril…

“SISTEMA” OU “CIVILIZAÇÃO”?

Muitos pensadores cristãos vêm chamando a atenção para o perigo de nos vermos devorados pelos múltiplos mecanismos de sujeição à civilização que fomos criando – e é hoje universal. Ou será melhor chamar-lhe “sistema”, em vez de “civilização”?

É que enquanto qualquer civilização se estende no tempo e incorpora e propaga valores culturas ancestrais, o sistema é uma construção social muito mais recente e que integra tão só ideias e convicções ligadas a fins pragmáticos imediatos.

No fundo, todos preferimos ser civilizados, sentirmo-nos civilizados, do que “formatados” num sistema.

O sistema actual é, como se sabe, caracterizado pelos imperativos da economia. E pelo seu efeito sobre os media. Pelos sucessos da economia. Pelos êxitos pessoais baseados na economia. Pelas nossas relações uns com os outros, inspiradas pelo interesse pessoal, exclusivamente ditado pela economia.

Nas notícias da televisão (ou através dos alertas das notícias no telemóvel), seguimos os índices de desemprego ou as percentagens do crescimento económico, as quebras nas exportações ou agora a evolução da guerra das tarifas, com muito maior preocupação do que a meteorologia do dia seguinte.

QUE PERSPECTIVA DE IGREJA?

É que a “cultura do imediato” substituiu a verdadeira cultura. Perante este desafio, e no contexto da nossa vivência como cristãos, muitos sacerdotes utilizam a oportunidade regular das suas homilias para, caracterizando realisticamente este nosso tempo, nos alertarem contra as diversas formas de alienação social que nos distraem e nos afastam de valores que temos por fundamentais.

Inventaram-se novos deuses. Considero aqui “deuses”, ou as diferentes faces dos deuses, todas aquelas expressões de sucesso, de prestígio, de “respeitabilidade”, que usam o critério económico como único aferidor de “valores” e do nosso próprio contributo como cidadãos – que seremos a valer, se tivermos sucesso. E assim sucesso é o que quase divinizamos, ao colocá-lo “no altar” das nossas prioridades.

Uma dessas prioridades é como adquirir poder e como usufruir portanto das possibilidades de auto-afirmação, de auto-engrandecimento pessoal que lhe estão associadas.

O sucesso económico é uma fortíssima condição e garantia de poder. Por isso vemos cada vez mais, em sociedades onde impera a competição política aberta, uma mistura indesejável entre economia e poder, expressa na aliança perversa entre dinheiro e política.

UMA MONTRA DE VIRTUDES?

No país que, desde a sua fundação, mas sobretudo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, se apresentou como uma montra de virtudes cívicas, cujo exemplo outros países e povos deveriam seguir – os Estados Unidos –, se há algo que hoje se impõe de maneira cada vez mais ostensiva, impudica, quase obscena mesmo, é exactamente a aliança entre dinheiro e política.

E mesmo que se argumente que tal aliança existe, nas suas diversíssimas formas, desde o princípio da História, o acesso à informação de que o cidadão comum hoje dispõe torna o fenómeno ainda mais chocante, porque melhor conhecido. E não só através dos jornais ou das televisões, com suas análises e comentários, feitos por jornalistas (competentes, na sua grande maioria), mas de toda uma nova geração de autores, académicos ou analistas, que olham de forma cada vez mais bem fundamentada para os fenómenos sociais, na sua globalidade. Basta olhar para as novidades editoriais dos escaparates das livrarias reais ou digitais para vermos com quase incredulidade o quanto hoje se escreve sobre a economia, sobre o poder, sobre o sistema complexo em que ambos se relacionam e influenciam, sobre concepções da Filosofia e da História que querem ver tudo o que é ainda contemporâneo numa perspectiva já de longo prazo…

…muito se escreve, muito se publica, e ainda bem! Para nós fica apenas o embaraço da escolha!

Mas se ainda há poucas décadas o escrever quase não tinha retorno, em termos de reacção dos leitores, foi de facto a Internet que “democratizou” o poder de crítica do homem da rua. A revolução mediática, por ela (Internet) operada, mormente a difusão das chamadas plataformas sociais, concretizou o milagre de os cidadãos poderem ter uma palavra a dizer nos debates sobre questões que lhes interessam e, mesmo, nos correspondentes processos de decisão.

E assim o poder ou os poderes, no seu uso e sobretudo no seu abuso, não estão separados da reacção crítica imediata…

Permita-se-me que insista nesta ideia: no actual momento da vida do mundo, olhamos para uma sociedade que proclama boas intenções em cada esquina. E o que vemos pelo agir de alguns dos seus dirigentes máximos? Exemplos brutais de luta pelo poder, num vale-tudo que choca e faz reflectir quem ainda crê que “de cima” é que deve vir o exemplo.

QUE SISTEMA INTERNACIONAL?

Mas isto é também verdade no plano internacional. O que observamos hoje no mundo é uma luta pela conservação da hegemonia que atropela inexoravelmente os direitos de outros. Como se só certos países ou só certas áreas do mundo tivessem a seu favor o direito natural ao desenvolvimento, e outros não. Como se alguns fossem os campeões de todas as boas causas e a outros estivesse reservado o eterno papel de índios, de uma interminável fita de “cowboys”.

Chegou há décadas a vez da Ásia, aproxima-se cada vez mais a vez de África (espero eu, desejo eu) de terem o seu lugar respeitado num mundo de iguais. Assim o ditam as exigências da dignidade humana. Os bons combates do futuro deverão ter essa meta ou não serão os bons combates.

Carlos Frota

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