Notas de um diário (2019) – III
O ano de 2019 chega hoje ao seu fim. Estamos a 31 de Dezembro. Procuro nas minhas notas e escolho esta reflexão introdutória:
No ano que termina, o Papa Francisco fez sete viagens ao exterior, visitando onze países em quatro continentes, igualando o Papa São João Paulo II, que também visitou onze países em 1982. “Relendo” as sete viagens ao exterior do Papa este ano, também podemos encontrar as grandes características de seu impulso pastoral: jovens, na viagem ao Panamá para a Jornada Mundial da Juventude; diálogo inter-religioso, em viagens aos Emirados Árabes e Marrocos; diálogo ecuménico, nas visitas à Bulgária e ao norte da Macedónia e depois à Roménia. Nas suas visitas a Moçambique, Madagáscar e Maurícias, os temas de protecção do Meio Ambiente e do cuidado dos pobres foram predominantes. Finalmente, a paz e a promoção dos direitos das mulheres e das crianças foram os pontos-chave da sua viagem pela Ásia, à Tailândia e ao Japão. Declarações as mais enfáticas sobre a viagem ao Japão, onde por razões óbvias Francisco suscitou a delicada questão das armas nucleares.
Disse o Papa em Hiroxima: «O uso de armas nucleares é imoral, e é por isso que deve ser acrescentado ao Catecismo da Igreja Católica. Não apenas o uso, mas também a posse: porque um acidente ou a loucura de algum líder de Governo, a loucura de uma pessoa pode destruir a Humanidade».
O PAPA DAS PERIFERIAS
Das favelas da sua Buenos Aires natal às outras periferias do mundo, o Papa continua a apontar a direcção a uma Igreja não acomodada.
4 a 10 de Setembro– Mostrando que não tem intenção de desacelerar o seu caminhar pelo mundo, o Papa Francisco visitará Moçambique, Madagáscar e Maurícias.
Esta foi a quarta visita do Pontífice a África, depois do Uganda, Quênia e República Centro-Africana em 2015; Egipto em 2017; e Marrocos, de 30 a 31 de Março. Moçambique e Madagáscar estão entre os países mais pobres do mundo.
O Papa visitou pois Moçambique, tendo chegado a Maputo um mês depois da assinatura do acordo final de paz entre o Governo e a RENAMO, no que foi entendido como uma «grande bênção» para o «bem-estar» dos moçambicanos. Mais controverso, aparentemente, foi que o Papa Francisco chegou ao País em plena campanha eleitoral e numa altura em que a chamada auto-proclamada Junta Militar da RENAMO ameaçava bloquear o processo de consulta eleitoral. Chegou também num momento de tensão no norte, com ataques na província de Cabo Delgado, que já provocaram a morte de cerca de duzentas pessoas.
Antes da visita, o Papa apelou à «reconciliação fraterna» em Moçambique e em África, para uma «paz firme e duradoura».
8 de Setembro– Durante a missa em Madagáscar, o Papa critica a «cultura do privilégio e da exclusão».
Diante da multidão, para quem o consumo é um sonho inacessível, o Papa enfatizou que a riqueza não nos permite necessariamente aproximarmo-nos de Deus e denunciou a «corrida pela acumulação» que se torna «agoniante e avassaladora», exacerbando «o egoísmo e uso de meios imorais».
Milhares de malgaxes pobres de todo o País reuniram-se para assistir à grande missa do Papa Francisco.
No sábado, 7, durante um encontro com as autoridades políticas e civis do País, o Papa convocou «o combate à corrupção e à especulação, que aumentam a desigualdade social», evocando «a grande precariedade» às vezes «desumana», na qual a população da ilha vive.
Em Madagáscar, a quinta maior ilha do mundo, com 587 mil quilómetros quadrados e 25 milhões de habitantes, muitas pessoas quase não comem e não vão à escola. Neste território, as instituições religiosas acabam desempenhando um papel importante na Educação e na Saúde.
O GRANDE DESAFIO DA ÁSIA
19 a 26 de Novembro– O Papa Francisco visita a Tailândia e o Japão, na 32ª viagem internacional do actual pontificado.
O Papa chegou a Banguecoque para a primeira visita pelo chefe da Igreja Católica Romana desde São João Paulo II em 1984. Francisco abordou algumas das principais preocupações sociais que destaca com frequência, mas a sua visita é em grande parte um exercício de moral para a comunidade católica.
Na capital tailandesa, o Papa encontrou-se com católicos tailandeses «para encorajá-los na sua fé e na contribuição que dão a toda a sociedade. São tailandeses e devem trabalhar na sua terra natal». O Pontífice também disse que deseja destacar a importância do diálogo e da cooperação inter-religiosos, especialmente ao serviço dos pobres e da paz.
25 de Novembro– Nagasaki, uma mensagem especial: «Queridos irmãos e irmãs. Este lugar torna-nos profundamente conscientes da dor e do horror que nós, seres humanos, somos capazes de infligir uns aos outros. A cruz e a estátua danificadas de Nossa Senhora recentemente descobertas na catedral de Nagasaki lembram mais uma vez o horror indescritível sofrido pelas vítimas das bombas e suas famílias. Um dos anseios mais profundos do coração humano é a segurança, a paz e a estabilidade. A posse de armas nucleares e outras armas de destruição em massa não é a resposta para esse desejo; na verdade, eles parecem sempre impedir isso. O nosso mundo é marcado por uma dicotomia perversa que tenta defender e garantir a estabilidade e a paz através de uma falsa sensação de segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba envenenando as relações entre os povos e obstruindo qualquer forma de diálogo».
UM EXERCÍCIO DIFÍCIL…
Na conclusão destes três textos sobre a “minha” síntese do ano passado, dou-me conta, com alguma frustração pessoal, de que terei chamado a atenção para acontecimentos porventura menos relevantes, ocultando outros que foram claramente mais, muito mais significativos. Tal resulta de ter tentando abarcar dois mundos nem sempre coincidentes, o meu universo pessoal, onde as preferências subjectivas predominam, e a realidade objectiva que a todos interpela.
O nosso foi um mundo conturbado em 2019, com sementes de discórdia e de divisão que continuarão a fazer perigar a precária paz mundial em 2020.
Divido nos valores essenciais da convivência entre nações, o planeta sofre igualmente os efeitos da nossa negligência grosseira em matéria de reversão das alterações climáticas. E pela proliferação dos conflitos em várias regiões, regista níveis de pessoas deslocadas do seu território de origem que geram outras tantas questões básicas de dignidade humana.
A Igreja Católica quer-se no centro do debate. E está no centro do debate e da acção, desde logo através do testemunho e da indiscutível autoridade moral do Papa, a favor do Homem e dos seus direitos básicos. Cuja defesa, importa sublinhar com o maior ênfase, é assumida não como arma política de arremesso entre nações, ou contra Governos ou Estados, mas como etapas de uma caminhada para a dignificação do Homem em geral, independentemente da sua Civilização, da sua História e da sua Geografia.
Carlos Frota